A rivalidade entre Puma e Adidas, duas das maiores potências no mercado esportivo, tem raízes profundas em um conflito familiar que perdura até os dias de hoje. Esta história, marcada por tensões pessoais, envolve elementos dignos de um romance literário, como laços com o nazismo, uma cidade dividida pela rivalidade entre os irmãos fundadores e até a disputa pelo maior ícone do futebol, o Rei Pelé.
O que começou como um desentendimento pessoal entre os irmãos Adolf "Adi" Dassler (fundador da Adidas) e Rudolf Dassler (fundador da Puma) se transformou em uma das rivalidades comerciais mais intensas da história do esporte. Esta disputa, que se estendeu por décadas, não só moldou o mercado de artigos esportivos, mas também se entrelaçou com a cultura do consumo global e o marketing esportivo.
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A separação dos irmãos Dassler e a divisão de Herzogenaurach
Nos anos 1920, Adi e Rudolf Dassler trabalharam juntos na criação de sapatos esportivos, formando a empresa Gebrüder Dassler. No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, uma briga pessoal, alimentada pelas tensões políticas da época e pela divisão da Alemanha, levou os irmãos à separação. Em 1948, Rudolf fundou a Puma, enquanto Adi criou a Adidas.
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Essa separação não se limitou apenas ao campo dos negócios. Ela se refletiu também na cidade onde ambos moravam, Herzogenaurach, na Baviera, que acabou dividida entre os apoiadores das duas marcas. A cidade, de cerca de 20 mil habitantes, se tornou o palco de uma rivalidade que dividiu vizinhos, amigos e famílias, com alguns sendo fieis à Adidas e outros à Puma.
A rivalidade entre as duas marcas cresceu e se intensificou, especialmente no futebol, onde ambas as empresas lutavam para conquistar os melhores jogadores e equipes, refletindo a competição constante entre elas e a divisão pessoal e cultural originada pelos irmãos Dassler.
A conexão com o nazismo
A história da Adidas e da Puma também inclui um capítulo obscuro relacionado ao regime nazista. Durante a Segunda Guerra Mundial, tanto Adi quanto Rudolf tiveram algum envolvimento com o regime de Adolf Hitler. No caso de Adi Dassler, seu envolvimento com o Partido Nazista é bem documentado, e ele foi responsável por fornecer calçados para os atletas alemães durante os Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, evento usado como propaganda pelo regime.
Embora a conexão de Rudolf Dassler com o nazismo seja menos documentada, ele também teve envolvimento com o regime, sendo parte da Reichsairerführungs, uma organização que gerenciava as indústrias nazistas. Após a guerra, ambos os irmãos foram interrogados pelas forças aliadas, mas a separação das marcas foi motivada principalmente por tensões familiares e profissionais, e não exclusivamente pelas suas ligações com o nazismo.
Esse vínculo com o regime nazista, embora não tenha sido mantido pelas marcas após a guerra, deixou um legado controverso e complicou a história das duas empresas. Ambas se distanciaram publicamente dessas associações à medida que se modernizavam e buscavam uma identidade global mais apolítica.
Pelé no centro da rivalidade
Na Copa do Mundo de 1970, Pelé, o maior jogador de futebol da época, foi o centro de uma disputa acirrada entre Adidas e Puma. Ambos os gigantes queriam associar suas marcas à imagem do "Rei do Futebol". Pelé, embora inicialmente vinculado à Adidas, acabou rompendo um acordo pré-existente entre as marcas, que havia sido feito para evitar a contratação do jogador, devido ao custo elevado.
Foi a Puma que fez a jogada decisiva, pagando US$ 120 mil a Pelé para que ele usasse as chuteiras Puma King durante um jogo contra o Peru na Copa de 1970. Esse gesto, amplamente transmitido ao vivo, consolidou Pelé como um dos maiores ícones de influência do marketing esportivo de todos os tempos. Como parte do acordo, Pelé passou a ser embaixador da Puma, recebendo 10% das vendas do modelo Puma King, fortalecendo ainda mais a imagem da marca.
A Copa de 1970 foi histórica, não apenas pela conquista do tricampeonato por Pelé, mas também por ser a primeira Copa transmitida ao vivo e em cores para o Brasil. O uso das chuteiras Puma por Pelé, diante de um público global, ajudou a marca a ganhar enorme visibilidade.
Calçando Panteras Negras
Dois anos antes, durante os Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, o protesto dos atletas Tommie Smith e John Carlos se tornou um dos mais emblemáticos da história olímpica. Ao receberem suas medalhas no pódio, ambos levantaram o punho fechado com uma luva preta, simbolizando a luta pelos direitos civis e contra o racismo nos Estados Unidos.
Curiosamente, os dois atletas estavam calçados com tênis Puma Suede, que se tornaram um ícone cultural. A escolha não foi apenas estilística, mas também estratégica: o gesto representou uma forma de protesto contra a rígida proibição de patrocínios durante os Jogos Olímpicos. Usando os tênis Puma, Smith e Carlos fizeram uma "publicidade clandestina", dando visibilidade à marca.
O protesto teve repercussões imediatas: os dois atletas foram suspensos da equipe olímpica dos EUA e banidos da Vila Olímpica. No entanto, o ato também os transformou em símbolos internacionais da luta por justiça social e direitos humanos. A Puma, em homenagem a esse momento, lançou edições limitadas do modelo Suede, perpetuando o legado do gesto de resistência dos atletas.
Adidas e Hip Hop: uma parceria icônica
A conexão entre Adidas e o hip hop surgiu na década de 1970, quando o movimento hip hop estava em seus primeiros dias nos bairros do Bronx, em Nova York. A marca alemã soube se inserir nesse universo ao lançar o Adidas Superstar, um tênis inicialmente criado para o basquete, mas que logo se tornou símbolo de estilo e atitude no hip hop, especialmente entre dançarinos de breakdance.
O auge dessa conexão veio com o grupo Run-D.M.C., que popularizou o Superstar ao usá-lo em suas apresentações e, em 1986, lançou a música "My Adidas", fazendo uma homenagem explícita ao tênis. A letra da canção se tornou um hino da cultura hip hop, consolidando a Adidas como um ícone não só do esporte, mas também do estilo urbano.
A parceria com o hip hop ajudou a Adidas a expandir seu mercado, investindo em artistas e estilistas do movimento, como Kanye West e Pharrell Williams, e transformando-se em um símbolo do streetwear. Hoje, a Adidas não é apenas uma marca esportiva, mas também uma referência cultural global, com uma conexão histórica e autêntica com o hip hop.
A série documental: "Guerra dos Tênis: Adidas vs. Puma"
Toda essa história fascinante é retratada na série documental "Guerra dos Tênis: Adidas vs. Puma" ("Sneaker Wars: Adidas vs. Puma"), disponível para streaming na plataforma Hulu/Disney. A produção estreou em setembro e explora a rivalidade entre as duas marcas alemãs, revelando o impacto duradouro no mundo do esporte e nos negócios.
A série é composta por três episódios e inclui entrevistas com atletas renomados, como David Beckham, Usain Bolt e Neymar, além de especialistas e insiders das marcas, proporcionando uma visão inédita sobre esse conflito.
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