A indústria da moda — uma das que mais poluem o planeta — estará presente na COP30, conferência do clima da ONU que será realizada em Belém (PA), entre 10 e 21 de novembro de 2025. Apesar do espaço garantido no evento, ainda pairam dúvidas sobre se a participação do setor se limitará a ações simbólicas e discursos de marketing verde, sem compromissos reais com a descarbonização e a justiça climática.
Um passo importante, no entanto, foi dado com o lançamento da Fashion CEO Agenda 2025, apresentada em setembro durante a New York Climate Week pela Global Fashion Agenda (GFA) — organização internacional sem fins lucrativos que lidera, desde 2009, o movimento por uma moda mais sustentável.
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Embora o relatório não mencione diretamente a COP30, sua publicação está profundamente conectada ao contexto e aos temas centrais da conferência. A GFA não faz referência a nenhum evento específico da ONU, mas o documento atua como uma bússola global para orientar o setor da moda dentro do ciclo de compromissos climáticos internacionais que culminará na COP de Belém.
Futuro é agora
A organização alerta que os próximos cinco anos serão decisivos para conter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C e cumprir as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) — os mesmos princípios que guiarão as negociações climáticas no Brasil. O relatório propõe metas como reduzir em 50% as emissões até 2030 e alcançar impacto climático líquido positivo até 2050, além de conclamar as empresas a participar “para além da presença”, com ações mensuráveis, transparentes e verificáveis.
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Essa postura reflete uma mudança de paradigma nas conferências do clima: a transição da retórica para a implementação. Em vez de compromissos vagos, a Fashion CEO Agenda defende planos de ação concretos e mecanismos de prestação de contas — um alinhamento direto com o espírito da COP30, que pretende ser uma conferência de execução e resultados, e não apenas de promessas.
Outro ponto de convergência é o destaque dado à economia regenerativa, conceito que também será uma das bandeiras do Brasil durante o evento. O relatório da GFA afirma que países com alta biodiversidade e matriz energética limpa — como o Brasil — devem liderar a transição global rumo à descarbonização e à justiça climática, reconhecendo o valor estratégico de modelos econômicos baseados na conservação ambiental.
Assim, embora não citado nominalmente, o Fashion CEO Agenda 2025 se alinha plenamente ao espírito da COP30. O documento funciona como um roteiro técnico e político para que a moda — setor historicamente associado à poluição e ao desperdício — chegue a Belém não apenas como observadora, mas como agente ativo da transição climática e do redesenho de um futuro mais sustentável.
Moda e Acordo de Paris: do discurso à descarbonização
A diretora do Fashion Revolution Brasil, Fernanda Simon, destacou em sua coluna na Vogue que a indústria da moda, uma das mais dependentes de combustíveis fósseis do mundo — da produção de fibras sintéticas ao transporte —, precisa reduzir suas emissões pela metade até 2030 para cumprir as metas do Acordo de Paris. Mesmo com uma matriz energética mais limpa, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais, como o desmatamento e a vulnerabilidade dos trabalhadores da cadeia têxtil.
Esse diagnóstico foi reforçado durante o Rio Ethical Fashion (REF), realizado no início de outubro de 2025 no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, evento voltado à COP30. Na ocasião, foi lançado o movimento Liga de Descarbonização, liderado pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) — uma resposta direta à ausência da moda nas estratégias climáticas nacionais e globais.
A Liga propõe um pacto empresarial coletivo para acelerar a transição rumo a uma economia de baixo carbono, articulando indústria, governo e sociedade civil. As empresas signatárias se comprometem a medir e publicar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) — inicialmente nos Escopos 1 e 2 — seguindo o protocolo internacional GHG Protocol. O objetivo é que todas as companhias publiquem seus dados até 2027, criando uma base nacional de transparência climática para o setor.
Aberta a empresas de todos os portes e sem custo de adesão, a Liga concede às participantes o selo “Signatária da Liga de Descarbonização”, incentivando a troca de experiências, o uso de energia renovável, o desenvolvimento de materiais de baixo impacto e o incentivo à circularidade.
O contexto favorece o Brasil: com uma matriz energética majoritariamente renovável e rica biodiversidade, o país tem condições de liderar o movimento global de moda regenerativa e carbono neutro — papel que o governo pretende reforçar na COP30, em Belém.
Mais do que um gesto simbólico, a Liga de Descarbonização representa o primeiro esforço coordenado para alinhar a moda brasileira ao Acordo de Paris e às metas da ONU. Ela transforma o setor de observador a protagonista da transição climática, mostrando que o futuro da moda — assim como o do planeta — depende de ações concretas, mensuráveis e coletivas.
COP30: oportunidade de ouro para a moda regenerativa
A criação da Liga de Descarbonização, durante o Rio Ethical Fashion, reforça um movimento mais amplo de transformação que ganha força com a proximidade da COP30, em Belém. O evento deve marcar a entrada definitiva da moda na agenda climática global — e empresários do setor já reconhecem a dimensão desse desafio.
Em entrevista ao Estadão, Fábio Faccio, CEO da Lojas Renner, definiu a COP30 como uma “oportunidade de ouro” para o Brasil consolidar-se como líder mundial em economia verde e regenerativa. Para ele, a conferência é uma chance de elevar o nível de consciência ambiental de governos, empresas e consumidores, além de fomentar novos modelos de negócio sustentáveis.
A Renner, que participou da COP29 no Azerbaijão, já afirma ter 80% de seu portfólio composto por peças com insumos ou processos sustentáveis e mira o carbono zero até 2050, com metas validadas pela Science Based Targets Initiative (SBTi). O foco, segundo Faccio, é fortalecer um ciclo de vida circular das roupas, incentivando o reuso, o uso de matérias-primas renováveis e o combate à moda descartável.
O executivo rejeita a falsa oposição entre lucro e sustentabilidade: “Não acreditamos que ou se é ESG ou se dá lucro. As duas coisas podem andar juntas.” Para ele, o desafio é democratizar o acesso à moda sustentável — já que o consumidor brasileiro não deve pagar mais caro por produtos ecológicos —, o que exige inovação, escala e eficiência produtiva.
Faccio também destaca o potencial estratégico do Brasil, com sua biodiversidade e matriz energética limpa, para liderar uma indústria de moda regenerativa baseada em colaboração entre empresas, universidades e centros de pesquisa. Ele defende que a COP30 seja não apenas um palco de discursos, mas um espaço de implementação e cooperação internacional, capaz de transformar o setor têxtil em agente ativo da transição climática — em sintonia com os compromissos da Liga de Descarbonização e com as metas do Acordo de Paris.
Um caminho além de Belém
Para além da visibilidade que a COP30 trará, a indústria da moda tem uma longa jornada pela frente — e talvez um guia possível para essa travessia seja justamente o Fashion CEO Agenda 2025.
Mais do que um relatório, o documento da GFA representa um marco de virada para o setor: ele propõe que a sustentabilidade deixe de ser um apêndice de marketing e se torne a espinha dorsal dos negócios. Seus cinco pilares — trabalho digno, justiça salarial, uso responsável de recursos, inovação em materiais e circularidade — apontam para um novo modelo de produção e consumo que alia ética, eficiência e impacto positivo.
Ao incorporar também os “Aceleradores Prioritários” — Inovação, Capital, Coragem, Incentivos e Regulação —, a agenda reconhece que a transformação só ocorrerá se houver escala, investimento e vontade política. A COP30, nesse sentido, é apenas o início: o ponto de partida de um esforço coletivo que deve atravessar décadas.
Se o Brasil souber aproveitar o momento, com sua biodiversidade, matriz energética limpa e capacidade criativa, pode se tornar referência mundial em moda regenerativa e carbono neutro. Mas o verdadeiro teste virá depois do evento — quando os holofotes se apagarem e restar o trabalho silencioso de medir, reduzir e reparar impactos.
A moda, acostumada a ditar tendências, tem agora a chance de liderar uma mudança estrutural — não no estilo das roupas, mas no modo de existir das empresas que as produzem. E, como lembra a GFA, o sucesso do futuro será medido não apenas em lucros, mas em legado climático, social e humano.