No remake de Vale Tudo, a cena da morte de Odete Roitman, interpretada por Débora Bloch, trará um toque de nostalgia. O figurino da vilã será uma homenagem direta à roupa usada por Beatriz Segall na versão original da novela, exibida em 1988: uma blusa cinza com drapeado preso em um broche, idêntica à do icônico momento que parou o Brasil.
“É mais um fan service da novela. A gente quis fazer uma homenagem à Beatriz, à figurinista e às pessoas que assistiram à versão de 1988”, explicou Marie Salles, responsável pelos figurinos da nova produção, à coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo, deste domingo (5).
A cena vai ao ar na próxima segunda-feira (6) e promete reacender a memória de um dos maiores mistérios da teledramaturgia brasileira.
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Remake de “Vale Tudo” atualiza figurinos clássicos para o estilo “quiet luxury”
Na reta final, o remake de Vale Tudo reafirma que a atualização da novela de 1988 vai muito além dos dilemas morais e sociais: passa também pela moda que marcou época. Em entrevista à Folha de S.Paulo em maio, logo após a estreia, a figurinista Marie Salles — responsável por sucessos como Avenida Brasil e o remake de Pantanal — contou como reinterpretou o maximalismo dos anos 1980 dentro do conceito contemporâneo de “quiet luxury”, o luxo discreto.
Segundo Salles, o maior desafio foi “preservar a essência dos personagens e das diferenças sociais” sem que o figurino parecesse datado. A nova Odete Roitman (Débora Bloch) tem inspiração em ícones como Carolina Herrera e Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada. A personagem veste peças de alfaiataria refinada, em tons neutros, assinadas por Alexandre Herchcovitch, Sandro Barros e pela joalheria Prasi, reforçando uma elegância contida e atemporal.
Enquanto a elite da trama é retratada por cortes sofisticados e paleta sóbria, os personagens populares apostam em cores vibrantes, tecidos leves e roupas acessíveis, refletindo a distância social entre o luxo silencioso e o consumo rápido. O jornalista Bruno Astuto, consultor da novela, definiu o novo visual dos Roitman como “o luxo que não quer ser visto”.
Com essa releitura, Vale Tudo mantém vivo o simbolismo da versão original: usar o figurino como espelho das contradições do país — e, agora, como crítica sutil ao novo código do poder e da aparência na sociedade contemporânea.
Como era a moda no Brasil em 1988
Quando Vale Tudo foi ao ar pela primeira vez, em 1988, o Brasil vivia o auge da estética dos anos 1980 — uma década marcada pelo excesso, brilho e poder, especialmente no vestuário feminino. A novela refletia esse espírito com perfeição, transformando moda e status social em linguagem de distinção.
O final dos anos 1980 consolidou o estilo conhecido como power dressing, ou moda do poder. As mulheres que ganhavam espaço no mercado de trabalho — ou que, como Odete Roitman, comandavam impérios — vestiam-se para projetar autoridade.
O guarda-roupa dessa geração incluía blazers estruturados, ombreiras marcadas, tailleurs em tecidos nobres, cintos largos, colares vistosos e maquiagem intensa, com batons fortes e cabelos volumosos.
Odete, interpretada por Beatriz Segall, simbolizava esse ideal: sempre impecável, em tons sóbrios e cortes sofisticados, representava a elite poderosa e calculista. Já Maria de Fátima (Glória Pires) traduzia o glamour da nova classe média, com saias lápis, decotes, tecidos sintéticos e brilhos metálicos — o visual da ambição emergente.
O Brasil da abertura e do consumo
A moda de Vale Tudo dialogava com o momento histórico. O país saía da ditadura e vivia a abertura política e econômica, em que consumo e aparência tornaram-se símbolos de ascensão social.
Revistas de moda como Claudia e Moda Brasil exibiam editoriais inspirados em Chanel, Versace e Thierry Mugler, enquanto Rio e São Paulo viviam um boom de shopping centers e lojas de luxo.
As roupas de Odete, Raquel (Regina Duarte) e Maria de Fátima viraram referência imediata. Costureiras copiavam seus modelos, e revistas femininas ensinavam como adaptar o estilo das personagens. Vale Tudo não apenas retratou os códigos da elite — ajudou a defini-los, transformando a moda em espelho e crítica social.
O sutiã de ombreiras: o ápice do “power dressing”
Entre os símbolos mais emblemáticos da época está o sutiã com ombreiras — uma peça que hoje soa extravagante, mas fazia sentido dentro da lógica do poder visual dos anos 1980.
As ombreiras migraram dos blazers para quase tudo: vestidos, suéteres, camisetas e até lingerie, moldando a figura da “mulher executiva” — um corpo pensado para impor respeito e presença.
Marcas como Christian Dior e Thierry Mugler levaram essa forma às passarelas, enquanto revistas brasileiras ensinavam truques de costura para adicionar ombreiras até mesmo em sutiãs.
O efeito era o de uma armadura estética: ombros largos, cintura marcada, postura ereta — a imagem da mulher que domina o espaço, literalmente de dentro para fora.
De Beatriz a Débora: a nostalgia fashion e o poder feminino
Mais de três décadas depois, o retorno de Vale Tudo e de seu figurino icônico acontece em um momento em que a moda volta a revisitar o poder feminino como imagem — mas agora sob novas lentes.
As ombreiras, os blazers estruturados e a alfaiataria marcante estão novamente em alta, reinterpretados por grifes como Balmain, Saint Laurent e Mugler, que atualizam o exagero dos anos 1980 com cortes limpos, tecidos tecnológicos e silhuetas mais fluidas.
É uma moda que reinterpreta a ideia de força feminina — menos hierárquica, mais autônoma —, mas ainda movida pelo mesmo impulso: ocupar espaço e afirmar presença.
A nova Odete Roitman surge, assim, como um espelho duplo: de um tempo em que o poder feminino se media pelo corte de um tailleur e de um presente que tenta redefinir esse poder para além da aparência — mas sem abrir mão da teatralidade e da autoridade que a moda ainda pode carregar.
Entre passado e presente, a estética de Odete permanece a mesma: elegante, imponente e politicamente simbólica. Porque, no fundo, Vale Tudo nunca falou apenas de moda ou moral — mas de quem pode, e quem ousa, ocupar o centro do poder.