DINHEIRO VADIO

O luxo de quem desaprendeu a viver: como os super-ricos terceirizaram até a própria existência

Bilionários pagam até US$ 75 mil por “babás de luxo” que resolvem desde reservas de restaurantes até o envio de guarda-roupas por jatinhos — enquanto 673 milhões de pessoas passam fome no mundo

O luxo de quem desaprendeu a viver: como os super-ricos terceirizaram até a própria existência.Bilionários pagam até US$ 75 mil por “babás de luxo” que resolvem desde reservas de restaurantes até o envio de guarda-roupas por jatinhos — enquanto 673 milhões de pessoas passam fome no mundoCréditos: Fotomontagem (Casa Branca e Depositphotos)
Escrito en MODA E POLÍTICA el

Imagine que a fortuna de Elon Musk gira em torno de US$ 500 bilhões — um valor quase inimaginável para qualquer pessoa. Agora, compare isso com a economia de países inteiros. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, por exemplo, está estimado em cerca de US$ 2,1 trilhões. Ou seja, a riqueza de Musk sozinha equivale a quase 20% da economia brasileira.

Mas o contraste fica ainda mais impressionante quando olhamos para países menores. A fortuna pessoal de Musk é maior do que o PIB de mais de 150 países do mundo, incluindo economias inteiras da América Latina, da África e da Ásia. Veja alguns exemplos:

  • Portugal — PIB de cerca de US$ 300 bilhões;
  • Grécia — aproximadamente US$ 250 bilhões;
  • Nova Zelândia — por volta de US$ 250 bilhões;
  • Finlândia — cerca de US$ 300 bilhões;
  • Chile — em torno de US$ 320 bilhões;
  • Vietnã — cerca de US$ 430 bilhões.

Quando uma única pessoa tem uma fortuna maior do que países inteiros — com milhões de habitantes, governos, indústrias e orçamentos nacionais — há algo de profundamente errado. Essa comparação mostra o tamanho da concentração de riqueza global e como o patrimônio de bilionários como Musk ultrapassa os limites do que seria imaginável há poucas décadas.

Hoje, existem cerca de 3 mil bilionários no mundo — pessoas com fortunas acima de US$ 1 bilhão. Se considerarmos os chamados “ultra-ricos”, aqueles com patrimônios que chegam a dezenas ou centenas de bilhões, o número sobe para mais de 420 mil pessoas.

Parece muito, mas esse grupo representa menos de 0,003% da população mundial. Mesmo sendo uma minoria minúscula, eles concentram uma parte enorme da riqueza global e exercem uma influência desproporcional sobre a economia, os investimentos e até as decisões políticas em diversos países.

Essas pessoas super-ricas vivem em uma bolha. Enquanto elas acumulam fortunas inimagináveis, cerca de 673 milhões de pessoas passaram fome em 2024, segundo o relatório "O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo", da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) — o equivalente a 8,3% da população mundial. Quase uma em cada 12 pessoas do planeta não teve acesso suficiente a alimentos no último ano.

Com tanto dinheiro vadio, essa pequena parcela da humanidade, dona da maior parte da riqueza global, passa a viver em um mundo paralelo — com caprichos e luxos que lembram as antigas cortes monárquicas, em que reis e rainhas eram servidos em tempo integral.

A moda como símbolo do poder e do delírio

Entre os símbolos mais visíveis dessa bolha estão os artigos de alto luxo — roupas, relógios, ternos e joias que funcionam como uma extensão do poder econômico e social. O vestuário dos super-ricos não é apenas uma questão de gosto: é uma linguagem de classe, uma forma de distinção cuidadosamente construída para reafirmar status e exclusividade.

Homens como Elon Musk, que projetam uma imagem de genialidade tecnológica e sucesso absoluto, recorrem a peças de altíssimo padrão. Ele costuma usar ternos feitos sob medida pela tradicional alfaiataria Henry Poole, de Savile Row, em Londres — uma das mais antigas do mundo. Um terno sob medida nessa casa de luxo pode custar a partir de £ 6.000, o equivalente a cerca de R$ 39 mil por um conjunto de duas peças. É o tipo de roupa que traduz poder silencioso: uma costura perfeita, invisível, mas de valor inacessível.

Reprodução Henry Poole

No mundo dos relógios, Musk é mais discreto, mas já foi visto com modelos de marcas lendárias. Um deles é o TAG Heuer Carrera SpaceX Chronograph, uma edição especial inspirada em sua própria empresa aeroespacial, símbolo de prestígio e identidade corporativa. Outro exemplo é o Richard Mille RM 029, um relógio de alta relojoaria com mostrador esqueleto, avaliado em cerca de US$ 250 mil, ou R$ 1,4 milhão. Esses objetos não apenas marcam o tempo — eles o compram.

Reprodução Richard Mille

Entre as mulheres bilionárias e herdeiras globais, o luxo se manifesta em vestidos de alta-costura criados sob encomenda por grifes como Dior, Chanel, Valentino ou Schiaparelli. São peças que envolvem centenas de horas de trabalho artesanal, tecidos raros, bordados com fios metálicos e aplicações de pedras preciosas. Uma única roupa dessas pode facilmente ultrapassar US$ 100 mil — cerca de R$ 560 mil — e, em alguns casos, alcançar valores milionários. Na alta-costura, cada centímetro de tecido é uma declaração de poder.

Mais do que consumo, a moda entre os super-ricos é um ritual de legitimação simbólica. Ela reforça a hierarquia invisível entre quem compra e quem costura, entre quem exibe e quem serve. E quanto mais desigual o mundo se torna, mais essa estética da exclusividade parece necessária para sustentar a fantasia de superioridade que mantém essa elite coesa — e desconectada do resto da humanidade.

O luxo de ter alguém para resolver tudo

Mas o consumo de luxo não termina nas vitrines. Entre os bilionários, o novo símbolo de status não é mais o que se compra, mas o que não se precisa fazer. Surge, então, o chamado concierge particular — uma espécie de “babá de luxo” para milionários.

Esses serviços, cada vez mais populares entre os ricos dos Estados Unidos, da Europa e do Oriente Médio, oferecem assistentes pessoais disponíveis 24 horas por dia, capazes de resolver qualquer capricho: desde garantir uma reserva em um restaurante impossível até transportar um guarda-roupa inteiro de Londres para as Maldivas em poucas horas.

Uma reportagem do New York Times do último sábado (4) revelou que empresas como a Quintessentially e a Knightsbridge Circle, ambas de Londres, cobram entre US$ 50 mil e US$ 75 mil por ano — o equivalente a R$ 280 mil a R$ 420 mil — para atender seus clientes mais exigentes. Essas firmas oferecem equipes que planejam viagens personalizadas, encontram presentes exclusivos, organizam jantares privados em museus e garantem lugares em eventos globais como Wimbledon ou o Festival de Cannes.

Esse salto — do luxo visível ao luxo invisível — representa a última fronteira do consumo: um mundo onde o privilégio não é possuir, mas ser servido sem precisar pedir.

O concierge dos milionários brasileiros

No Brasil, o mercado ainda é pequeno, mas está crescendo. Serviços como Eleven Concierge, Personal Concierge Brasil, Infinity Concierge e VIP Experience Concierge oferecem experiências semelhantes, voltadas para empresários, celebridades e investidores que buscam conforto e exclusividade.

Os pacotes podem incluir viagens personalizadas, segurança privada, motoristas, reservas em restaurantes de alto padrão, eventos exclusivos e até gestão de imóveis e obras de arte. Em alguns casos, o concierge atua como um “gerente de vida”, cuidando de todos os detalhes da rotina do cliente — do embarque em jatinhos à contratação de chefs particulares.

O que antes era um serviço restrito a hotéis cinco estrelas virou um símbolo de status entre os super-ricos. E, no fundo, o crescimento desse tipo de serviço revela algo mais profundo: uma elite que perdeu a noção da realidade. Gente que, cercada por privilégios, paga caro para terceirizar até as tarefas mais simples — e que vive em um mundo cada vez mais distante daquele em que o resto da humanidade tenta sobreviver.

Além das “babás de luxo”: o mundo bizarro das excentricidades dos super-ricos

Se pagar até US$ 75 mil por um concierge pessoal já parece absurdo, o universo dos bilionários guarda exageros ainda mais inacreditáveis. São histórias reais — algumas curiosas, outras quase surreais — que mostram até onde vai o distanciamento entre a elite global e o resto do planeta.

Residências que parecem reinos particulares

No Brasil, a Mansão Safra, em São Paulo, é o exemplo clássico desse delírio imobiliário. Com 130 cômodos, ela já foi apontada como uma das maiores residências urbanas do mundo.

Wikipedia - Mansão Safra

Lá fora, bilionários constroem casas subterrâneas, os chamados bunkers, projetadas para resistir a guerras, ou mansões invisíveis, com fachadas espelhadas que se confundem com a paisagem. Algumas ainda possuem piscinas que atravessam as paredes, com vidro deslizante para dentro e fora da casa.

Safe - Bunker de super-ricos

Viagens que desafiam a lógica

Enquanto a maioria das pessoas junta milhas para sonhar com férias modestas, os super-ricos exploram o planeta em mega-iates com spas, cinemas e heliportos.

Divulgação (Officina Armare)- Megaiate

Outros vão além e compram aviões que também mergulham, misto de jato e submarino, usados como símbolo máximo de status. Há ainda os “safáris de luxo”, com acampamentos climatizados, chefs particulares e jatinhos prontos para levar os convidados entre reservas privadas na África.

Animais, objetos e mimos milionários

Entre os casos brasileiros mais folclóricos está o de Vera Loyola, socialite que usava tapetes persas como capacho no carro e fazia festas glamourosas para suas cadelas.

Reprodução WY - Vera Loyola e pet

No exterior, há donos que constroem mansões exclusivas para pets, com ar-condicionado, poltronas e até obras de arte. Alguns encomendam presentes personalizados de valor absurdo — de tacos de golfe raros a coleiras de diamante. Outros vão além, ostentando dentes de ouro ou objetos decorativos extravagantes puramente para exibir riqueza.

Festas que desafiam o bom senso

As celebrações desse grupo parecem saídas de um filme de ficção. Há relatos de milionários que exigem que todos os convidados cheguem de helicóptero, ou que o champanhe seja lançado de paraquedas para marcar o início da festa. Em festas infantis, as crianças são recebidas com limusines, spa e menu gourmet, tudo para transformar aniversários em espetáculos de ostentação.

O abismo entre luxo e humanidade

Essas histórias, embora pareçam caricaturas, são reais — e revelam o abismo moral e social que separa a elite que compra experiências para preencher o vazio e o restante da humanidade, que luta por necessidades básicas.

Enquanto uns pagam fortunas para terceirizar a própria vida, milhões ainda lutam por comida, moradia e dignidade. Essa contradição brutal define o nosso tempo: um mundo em que a riqueza de poucos ultrapassa fronteiras econômicas, éticas e humanas — e em que o luxo extremo passou a ser o espelho mais cruel da desigualdade global.

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