NOVA ORDEM MUNDIAL

O Boné MAGA e a Guerra das Tarifas

Como um acessório de campanha se tornou símbolo das mudanças econômicas globais e de que forma a China já previa a avalanche de mudanças

Créditos: Fotomontagem (Amazon e CMG)
Escrito en MODA E POLÍTICA el

A guerra tarifária em curso está focada na disputa entre as duas maiores economias do planeta, China e EUA. Essa dinâmica, por ora imprevisível, pode ser explicada a partir do exemplo do famoso boné vermelho com o slogan "Make America Great Again" (Maga).

Em abril de 2025, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs uma tarifa de 125% sobre produtos importados da China, incluindo vestuário e acessórios. Essa medida afeta diretamente os bonés Maga, símbolos emblemáticos de suas campanhas.

Os bonés oficiais da Maga são fabricados nos Estados Unidos por uma empresa em Carson, Califórnia, a Cali-Fame of Los Angeles. No caso das versões não oficiais e réplicas, são frequentemente produzidas na China e vendidas por terceiros. Uma análise do Financial Times de 24 de setembro de 2024 revelou que mais de 90% dos produtos mais vendidos relacionados às campanhas de Donald Trump e Kamala Harris na Amazon tinham vendedores com endereço na China.

Com a tarifa de 125%, o custo de importação dos bonés não oficiais fabricados na China aumenta significativamente. Uma peça vendida antes por US$ 25 passa a ter um acréscimo de US$ 31,25 devido à tarifa, elevando seu preço final para US$ 56,25. 

O aumento pode impactar tanto os consumidores, que encaram preços mais altos, quanto os comerciantes, que precisam decidir se absorvem parte desse custo adicional ou o repassam integralmente aos compradores. Pode também desestimular consumidores a comprarem versões importadas e potencialmente beneficiar os fabricantes nacionais. 

A cadeia produtiva da moda que produz os bonés não oficiais da Maga na China está conectada a um mundo globalizado. Ela é complexa e envolve múltiplos estágios que conectam diferentes países e empresas. Tomando como exemplo a produção do acessório trumpista na China e vendido nos Estados Unidos, o processo começa com o desenvolvimento e design das peças.

Empresas de moda, muitas vezes sediadas nos Estados Unidos ou em outros países desenvolvidos, identificam tendências de mercado e criam os conceitos para novos produtos. Embora o design possa ser realizado internamente, é comum que as empresas colaborem com designers independentes ou agências especializadas ao redor do mundo.

Após o design, são selecionados os materiais adequados para a produção. A China, sendo um dos maiores produtores têxteis globais, fornece uma ampla variedade de tecidos e componentes, como materiais sintéticos para bonés. Acessórios como botões, zíperes e etiquetas são frequentemente adquiridos de fornecedores locais ou de países vizinhos.

Com os materiais em mãos, inicia-se a produção nas fábricas chinesas. Essas instalações são responsáveis por cortar, costurar e montar as peças conforme as especificações do design. A eficiência e a escala das fábricas chinesas permitem a produção em massa a custos competitivos, o que atrai empresas internacionais em busca de otimização de custos.

Antes da exportação, as peças passam por um rigoroso controle de qualidade para assegurar que atendam aos padrões internacionais e às expectativas dos consumidores. Esse processo pode ser conduzido por equipes internas da fábrica ou por empresas terceirizadas especializadas em inspeção de qualidade.

Após a aprovação no controle de qualidade, os bonés são embalados e preparados para o transporte. Geralmente, são enviados por via marítima em contêineres para os Estados Unidos, um processo que pode levar várias semanas. Ao chegar ao destino, as mercadorias passam pelos procedimentos alfandegários antes de serem distribuídas aos centros de distribuição ou diretamente às lojas de varejo.

Nos Estados Unidos, os produtos são distribuídos para diversos pontos de venda, incluindo lojas físicas e plataformas de comércio eletrônico. As estratégias de marketing e merchandising são implementadas para atrair consumidores e impulsionar as vendas. Finalmente, os consumidores compram os bonés. O ciclo de vida do produto continua com o uso, manutenção e, eventualmente, descarte ou reciclagem das peças.

Mudanças nunca vistas em um século

O tarifaço de Trump está remodelando o mundo que conhecemos, e um jeito de explicar essas mudanças é por meio da indústria da moda e do boné do Maga. Nas últimas décadas, esse setor operava de maneira bastante definida: países desenvolvidos criavam e vendiam roupas, enquanto nações do Sul Global, especialmente na Ásia, cuidavam da produção. A China se destacou nesse cenário, tornando-se a "fábrica do mundo", produzindo não apenas vestuário, mas também materiais como tecidos, zíperes e etiquetas para marcas internacionais.

As mudanças deflagradas por Trump não pegaram a China desprevenida. A avaliação de que o mundo tal qual conhecemos tem passado por mudanças não vistas há um século foi utilizada pela primeira vez por Xi Jinping em junho de 2018, durante a Conferência Central de Trabalho Relacionado aos Assuntos Externos. Naquela ocasião, o líder chinês afirmou que:

"A China agora se encontra no melhor período para o desenvolvimento desde o advento da era moderna; o mundo enfrenta grandes mudanças não vistas em um século." 

Em 2022, em seu relatório para o vigésimo Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCCh), Xi afirmou: 

“Atualmente, as mudanças profundas do mundo nunca vistas em um século evoluem de forma acelerada”

Em sua mensagem de final de ano ao povo chinês, em 31 de dezembro de 2024, ele voltou a falar sobre as transformações que estão acontecendo neste momento. 

“Em um mundo de transformação e turbulência, a China, como um grande país responsável, está promovendo ativamente a reforma da governança global e aprofundando a solidariedade e a cooperação entre o Sul Global”, discursou.

Desde então, essa frase tem sido empregada regularmente por Xi e outros líderes chineses para descrever as transformações significativas no cenário internacional e enfatizar a necessidade de adaptação da China a essas novas realidades.

Não é de hoje que o povo chinês tem se preparado. A partir da Reforma e Abertura, colocada em prática nos anos 1980, a China passou por uma rápida industrialização e se abriu ao mercado global. 

Com mão de obra barata, boa infraestrutura e capacidade de produção em larga escala, atraiu inúmeras marcas. Mesmo com o aumento dos salários chineses nos últimos anos, o país ainda domina a cadeia de suprimentos da moda, frequentemente coordenando ou fornecendo materiais para fábricas em outros países asiáticos.

Esse cenário de bonança começou a mudar em 2018, quando o então presidente dos EUA, Donald Trump, adotou uma postura mais protecionista e iniciou uma guerra comercial com a China (Xi avisou naquele ano sobre as turbulências). 

O republicano impôs tarifas sobre centenas de bilhões de dólares em produtos chineses, incluindo itens têxteis e roupas, com o objetivo de proteger a indústria estadunidense, reduzir o déficit comercial e diminuir a dependência dos EUA em relação à China. 

Na prática, essas medidas afetaram toda a lógica da globalização, levando marcas a transferirem parte de sua produção para países como Vietnã, Bangladesh e Índia, onde os custos permanecem baixos e as tarifas são menores.

Isso não significa que a China perdeu sua importância. Pelo contrário, o país investiu ainda mais em automação, pesquisa, inovação têxtil e inteligência artificial, transformando-se não apenas em um centro de produção, mas também em um polo tecnológico da moda. 

Atualmente, grandes plataformas chinesas, como Shein, Alibaba e Temu, exportam diretamente para consumidores ao redor do mundo, eliminando intermediários e desafiando os modelos tradicionais de varejo.

Assim, o papel da China na divisão internacional do trabalho foi além da simples fabricação. O país se tornou líder em inteligência de dados, logística e controle da cadeia produtiva, gerenciando processos desde o design até a entrega. Esse poder, aliado ao avanço da digitalização, coloca a potência asiática em uma posição estratégica no capitalismo de plataforma.

As primeiras tarifas impostas por Trump não eliminaram a dependência global da produção asiática; elas apenas realocaram parte da produção e evidenciaram a complexidade da cadeia da moda. A estrutura produtiva continua explorando trabalhadores invisíveis em países com pouca regulamentação, mantendo o modelo de produção rápida, barata e descartável.

Observando essa nova fase, percebemos que o capitalismo atual não abandonou o fast fashion, mas o adaptou às disputas geopolíticas, ao avanço dos dados e às plataformas digitais. Enquanto isso, a moda continua refletindo e impulsionando essas mudanças, expondo as contradições entre inovação e exploração, entre conexão global e desigualdade estrutural.

Neste segundo mandato, Trump chegou com tudo e implementou uma série de tarifas de importação que afetaram significativamente a indústria global da moda, altamente dependente de cadeias de suprimentos globais.

Marcas que produzem no exterior enfrentam custos mais altos devido às tarifas. Empresas como a Nike, que fabrica grande parte de seus produtos no Vietnã, China e Camboja, viram seus preços de produção aumentarem significativamente. Marcas menores enfrentam desafios significativos. Por exemplo, a 3sixteen, uma marca independente, expressou preocupações sobre o aumento dos custos e a incerteza nos negócios, prevendo aumentos de preços ao consumidor de até US$ 50 por item. 

Antecipando aumentos de preços, alguns consumidores começaram a estocar produtos, o que pode levar à escassez de estoque e aumentos adicionais nos preços. 

Além das tarifas gerais, ações específicas impactaram o setor de varejo de moda, como a ordem executiva assinada por Trump em 3 de abril de 2025 que encerrou a isenção de minimis para produtos de baixo custo da China e Hong Kong. Anteriormente, pacotes avaliados em menos de US$ 800 podiam entrar nos EUA sem tarifas. A nova política impôs uma taxa de 30% ou US$ 25 por item, o que for maior, afetando varejistas online como Temu e Shein, que dependem dessa isenção.

À luz do retorno de Trump à Casa Branca, em janeiro de 2025, a frase de Xi, em junho de 2018, soa profética: o mundo enfrenta grandes mudanças não vistas em um século.

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