67 famílias comemoram conquista do Assentamento Carlos Marighella, no Paraná

Entre despejos e reocupações, foram 22 anos de luta de famílias camponesas até a conquista definitiva da terra

Foto: Leandro Taques
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Por Amanda Yargas, com colaboração de Ednubia Ghisi, de Congonhinhas (PR)

“Uma fazenda que não produzia nada, era pasto e você chegar e começar a fazer sua terra, com enxada, carpindo grama, tudo na mão, é emocionante, porque é o teu sustento. Hoje nós temos nosso próprio porco, nós temos nossas próprias galinhas, nós não compramos arroz, não compramos feijão. Nós tiramos da própria terra, o que a terra dá. E a terra dá! Basta trabalhar, ter força, vontade e coragem, que nem todos tem. Muitos abandonam no meio do caminho, mas nós não, nós fomos até o fim. É uma vitória”.

Foto: Foto Valmir Fernandes - MST/PR

Esse depoimento foi dado com olhos úmidos e sorridentes por Margarete Marques dos Santos, nesse fim de semana, na comemoração que marcou o reconhecimento do local em que ela mora como Assentamento Carlos Marighella. A terra, de 754 hectares que agora sustenta 67 famílias, foi palco de lutas pelos últimos 22 anos, quando o primeiro grupo de integrantes do Movimento Sem Terra ocupou uma fazenda improdutiva. Entre despejos e reocupações, Margarete é uma das mais antigas moradoras do local. “Desde 2009 eu espero por um pedaço de terra, para eu levar uma vida digna. Para eu plantar o meu arroz, o meu feijão, para criar os meus filhos, os meus netos, e ter uma mesa farta, que todos nós merecemos. E hoje nós temos isso.

A Justiça fazendo justiça

A decisão judicial que determinou a transformação do acampamento em assentamento foi do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Nesse sábado (28), a comunidade celebrou a obtenção da propriedade da terra com um almoço preparado com os frutos da produção local. José Damasceno, integrante da direção estadual do MST, reforçou que as famílias do assentamento Carlos Marighella são um exemplo para o movimento do que é possível conquistar com união. “São 22 anos de resistência, desde 1999. Não é pouca coisa, é um quarto da vida humana, de resistência, de persistência de perseverança, e de não abrir mão do sonho de jeito nenhum”. 

O dirigente ressaltou que, em 37 anos de movimento no Paraná, foi inédita a participação de representantes do Tribunal de Justiça do Estado na comemoração da conquista da terra. A desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima, da Comissão de Conflitos Fundiários, disse que “a decisão judicial do TRF4 reacende a nossa esperança e confiança no sistema de Justiça, que pode ser sim capaz de conter a ambição desmedida, a grilagem de terra e a violência no campo, quando acionado com coragem, determinação e competência”.

Da esquerda para a direita: Roberto Baggio e José Damasceno, da direção estadual do MST; Maria Aparecida Blanco de Lima, desembargadora; Ivete Caribé, advogada; e José Augusto Guterres, juiz

A Comissão de Conflitos Fundiários do TJPR atua para mediar a interlocução entre os trabalhadores do campo e os proprietários de terras, no intuito de resolver os conflitos de forma humana e pacífica. O juiz José Augusto Guterres, que também integra a comissão, considerou a conquista importante do ponto de vista jurídico, em relação à função social da terra, que, ele reforça, está prevista constitucionalmente. “A propriedade não é um direito absoluto, ele tem requisitos a serem cumpridos porque toda propriedade está inserida em uma sociedade e o interesse coletivo se sobrepõe. Um dos requisitos, por exemplo, é a produtividade. Você não pode ter uma área rural totalmente improdutiva, com tanta gente necessitando tanto dessa produção quanto de exercer o trabalho nela”. 

Foto: Leandro Taques

A fartura compartilhada

Entre 2020 e 2021, foram colhidas 2.860 sacas de milho, 109 sacas de arroz, 72 sacas de feijão, 3,5 toneladas de mandioca, entre as diversas produções de hortaliças, como quiabo, pepino, alface, couve, abóbora, cheiro-verde e berinjela. A produção animal é de 140 suínos, 47 equinos e muares, 52 ovinos, 437 aves (galinhas) e 99 bovinos. Além da produção de animais para o consumo de carne, há também a criação de gado de leite, com produção média diária de 400 litros.

Para partilhar a conquista com a comunidade, 5 assentamentos da região se uniram na doação de 100 kits de alimentos para famílias urbanas em situação de vulnerabilidade da cidade de Congonhinhas-PR, totalizando 1,2 tonelada.

O deputado estadual Arilson Chiorato (PT) avaliou que, durante a pandemia, nenhuma grande cooperativa cerealista do país fez um ato de solidariedade como os promovidos pelo MST, sendo que estas empresas têm mais recursos que o movimento. Por isso, ele disse que a importância da reforma agrária é “colocar o povo no campo e dar para o povo a terra que é sua de direito, e que ela faça a função social da terra, que é as pessoas viverem na terra e produzirem alimento”.

Ele considerou ainda que a pandemia mostrou o quanto é importante a fraternidade e que o modelo de atuação do MST é um exemplo a ser seguido porque promove a reforma agrária popular e o bem estar social para além do seu próprio grupo. “A gente precisa incentivar que mais movimentos como esse, que pregam a solidariedade e a fraternidade sejam feitos e principalmente movimentos que respeitam a vida”, concluiu.

A festa contou com a presença de Dom Geremias Steinmetz, arcebispo de Londrina e presidente da Regional Sul 2 da CNBB-PR, entre outras autoridades do poder público. "Estou aqui para parabenizar a comunidade pela conquista definitiva da terra, seus títulos, e assim darem de fato esse exemplo bonito da luta social para que o povo tenha representatividade, lutar por seus direitos. Que a democracia seja muito mais vivida. Parabéns à comunidade e aos movimentos sociais que não perdem a esperança em lutar de fato por um Brasil melhor", afirmou o religioso.