Um áudio obtido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) expõe uma ameaça feita por um integrante da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) na véspera da repressão da Polícia Militar e Polícia Legislativa à marcha indígena realizada em Brasília na noite quinta-feira (10).
“Deixa descer logo… deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça", diz um homem na reunião.
Ouça o áudio:
A fala antecipava a repressão violenta que se seguiria no gramado do Congresso Nacional, durante a marcha “A Resposta Somos Nós”, parte do tradicional Acampamento Terra Livre (ATL), que reúne lideranças indígenas de todo o país.
Repressão
Segundo a Apib, mais de 7 mil lideranças indígenas participaram da mobilização pacífica para reivindicar direitos constitucionais e denunciar o avanço da emergência climática. O ato, que ocorreu sem violência ou depredação, foi encerrado com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta lançados pela Polícia Legislativa, com apoio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), uma das lideranças do movimento, foi atingida por spray de pimenta enquanto tentava dialogar com os agentes de segurança. Em vídeo divulgado por sua assessoria, ela aparece com os olhos irritados, afirmando: “Sou deputada federal eleita".
Assista:
A parlamentar denunciou o episódio como um caso de violência política e de gênero e formalizou queixa no Departamento de Polícia Legislativa da Câmara. De acordo com sua equipe, policiais dificultaram o atendimento médico às vítimas, e indígenas tiveram que implorar por socorro.
Veja imagens da repressão divulgadas pelo Midia Ninja:
Apib denuncia racismo e violência institucional
Em nota oficial, a Apib repudiou os atos que classificou como parte de um “contexto de violência institucional disseminada” contra os povos originários. A entidade destaca que a repressão ocorreu mesmo após a organização prévia com os órgãos de segurança, e que o protesto foi inteiramente pacífico.
O áudio com a ameaça, segundo a Apib, comprova o viés racista e repressivo de setores do Estado diante de manifestações indígenas. A entidade exige responsabilização dos envolvidos.
Câmara e PM tentam justificar ação
Em nota, a assessoria da Câmara dos Deputados afirmou que cerca de mil manifestantes teriam “invadido” o gramado do Congresso e que o uso de agentes químicos foi necessário para conter o avanço. A Polícia Militar do DF, por sua vez, alegou que os manifestantes ultrapassaram a área permitida para a manifestação.
Nota da Apib
A Apib e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) contestam a versão oficial da polícia, ressaltando que os indígenas “portavam instrumentos ritualísticos” e que não houve qualquer tentativa de invasão ou destruição de patrimônio.
"Hoje, o acesso ao gramado do Congresso Nacional por parte dos manifestantes ocorreu de forma espontânea, sem qualquer ato de violência, depredação ou rompimento de barreira. A APIB reforça o caráter pacífico e democrático da manifestação, que reuniu mais de 7 mil lideranças indígenas de diferentes povos de todo o país", diz comunicado da Apib.
"A mobilização teve como objetivo a defesa de direitos constitucionais e o fortalecimento do diálogo com os Poderes da República. O Acampamento Terra Livre é realizado há mais de 20 anos na capital federal, sempre com forte organização, compromisso e respeito às instituições democráticas. Ao longo dessas mais de duas décadas, o movimento indígena sempre colaborou e continuará colaborando para garantir que o evento ocorra de forma tranquila e segura", prossegue a nota.