Bolsonaro gay? Por que os conservadores têm fixação com a sexualidade?

A utilização da sexualidade alheia como ferramenta política não é nova e tem por objetivo esconder os reais objetivos dos grupos neoliberais

Foto: Agência Brasil
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Um dos assuntos mais comentados nas redes nesta sexta-feira (3) é a entrevista de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao Derretecast, onde ele afirma que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é gay e que não se assume por conta da ideologia militar, que ainda é muito "atrasada sobre assuntos relacionados à orientação sexual".

O ex-presidente da Câmara dos Deputados e hoje secretário do governador João Doria (PSDB-SP) ainda fez menção ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que se assumiu gay.

Essa fixação do campo conservador com a sexualidade e, em específico com o sexo anal, não é nova. Na história recente, digamos que ela teve a sua primeira onda na contracultura ocidental entre as décadas de 1950 até o final dos anos 1970.

Para além do “engraçado” e do caricato, a utilização da sexualidade como ferramenta política serve aos propósitos da sonha sociedade neoliberal: regida por um Estado tecnocrata que relega educação, cultura e lazer aos valores tradicionais da sociedade. Ou seja, no lugar de políticas públicas, missas e controles arcaicos dos corpos. Daí fixação com a sexualidade ser, hoje mais do que nunca, como uma das artimanhas para se impor o modelo autoritário do neoliberalismo.

Caça aos comunistas… e aos homossexuais!

Entre 1950 e 1957, os EUA foram palco daquilo que ficou conhecido como o "Macarthismo", política de perseguição aos movimentos comunistas e de libertação sexual liderado pelo senador Joseph McCarthy.

Para McCarthy, havia dois inimigos que precisavam ser eliminados do porta retrato do American Way of Life: comunistas e homossexuais. Os dois grupos sofreram perseguições implacáveis e, neste tempo, uma série de leis estaduais promulgados permitiam a demissão por orientação sexual e filiação política.

Há dois filmes muito bons sobre: Trumbo (2015), que conta a história real do roteirista Dalton Trumbo, que ao ser incluído na lista de comunistas não conseguia mais emprego, a partir daí assina com pseudônimo e chega a receber um Oscar pelo roteiro de Spartacus. Outro obra importante é Milk (2008) que retrata a vida de Harvey Milk, o primeiro homem gay a se eleger nos EUA. Ao mesmo tempo, a obra mostra como funcionavam as leis que permitiam a demissão ou a não contratação de uma pessoa LGBT.

O filósofo Paul Preciado, ao estudar a perseguição aos homossexuais na década de 1950, faz uma análise que ajuda a entender como as sexualidades não normativas figuram como “vírus que devem ser eliminados do corpo social”.

“A homossexualidade, entendida por meio de analogias da contaminação (‘uma epidemia que infecta a nação’) e da penetração (um míssil nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética’), aparece como uma ameaça frente à integridade do ‘corpo social’ […] pensado como um aliado sexual do judeu e do comunista, o homossexual é um estrangeiro, ocupa um espaço de intersecção entre todas as partes externas (geopolíticas e sexuais) […] a luta contra a homossexualidade foi acompanhada por um recrudescimento que poderíamos chamar, com Judith Butler, de os modelos performativos (discurso e repetição) de gênero e raça. A dona de casa perfeita e o pai trabalhador são desenhados como modelos de gênero complementares dos quais depende a estabilidade da família branca heterossexual”, analisa Preciado em “Pornotopia”.

Políticas do corpo

Quando iniciou os seus estudos sobre o sistema prisional e de vigilância, o filósofo Michel Foucault, ao estudar a trajetória história de tal sistema, intuiu para um fator que seria decisivo até o fim de sua vida: as políticas prisionais eram mais do que apenas mecanismos de punição, mas também visavam controlar e normatizar condutas, o que ele vai chamar de biopolítica.

Ou seja, além do crime em si, há uma questão moral em jogo: a punição e a vigilância como métodos de imposição de modo de vida, tendo por objetivo a eliminação dos modos de vidas que não se enquadram na família nuclear, branca, heterossexual e reprodutora.

A partir da identificação destes dispositivos de poder é que o filósofo lança uma de suas mais polêmicas teses: a de que a sexualidade no Ocidente, longe de ser reprimida, ela é majorada, ou seja, somos a todo momento instados a falar sobre a nossa vida sexual, com quem nos deitamos e como pretendemos viver sexualmente. Porém, Foucault a questão a ser analisada e combatida é o conteúdo: falamos muito sobre sexo, mas sobre qual sexualidade falamos? Qual sexualidade é sancionada enquanto normal e qual é classificada como normal?

Em Nascimento da Biopolítica (1978), Michel Foucault apresenta a história do liberalismo até a sua ruptura e o surgimento dos neoliberais, a partir de documentos históricos ele nos mostra como a questão do controle da sexualidade é parte matriz das políticas conservadoras e liberais.

Não à toa, em momentos históricos em que grupos da contracultura emergem e ascendem, os setores conservadores e reacionários respondem com violência e criminalização. Para Foucault, sendo o liberalismo a ideologia dominante ao longo da história do Ocidente, tem-se a construção daquilo que ele vai chamar de “classes perigosas”, que é composta por comunistas, anarquista, LGBT, prostitutas e vadios. Todos estes considerados como modos de vidas “inúteis” para a produção e reprodução capitalista.

É dessa maneira que o autor entende o liberalismo, mas também a sua vertente neoliberal, mais do que um programa econômico, mas sim “projeto civilizatório” que tem por objetivo homogeneizar as vidas, daí a violência e a fixação com a sexualidade alheia serem marcas registradas.

“Nenhum futuro para homens brancos”

A socióloga estadunidense Wendy Brown, em seu livro “Nas ruínas do neoliberalismo – ascensão da política antidemocrática no Ocidente”, ao analisar a ascensão de políticas como Orbán (Hungria), Bolsonaro e Trump (EUA) vai além do fator economia e nacionalismo, e traz para o seu estudo a questão da masculinidade e do ressentimento.

Para a autora, com a ascensão de grupos e políticas feministas, negr@s e LGBT, estes líderes políticos passam a trabalhar com a o imaginário do “macho ancestral”, que foi destronado do poder e que, no limite, a família tradicional está sendo destruída. Essa tríade, vai dizer Wendy, explica a atual fixação dos ultraconservadores com a sexualidade alheia e que temas como homossexualidade e pedofilia sempre serão utilizados para atacar os seus inimigos.
O ódio e ressentimento atuam com forças motrizes para estes grupos, pois, por “culpa” do “globalismo” foram retirados da construção da “cultura”.

“Sofrimento, humilhação e ressentimento não sublimados tornam-se uma política permanente da vingança, do ataque àqueles culpados por destronar a masculinidade branca – feministas, multiculturalistas, globalistas, que tanto os destituem quanto desdenham deles […] trata-se de ressentimento preso em seu rancor retido, incapaz de tornar criativo. Ele só tem vingança, sem saída, sem futuridade”, analisa a autora.

Ou seja, para além de significar uma homossexualidade enrustida, a política de ódio promovida pela estrema direita, hoje e em outros tempos históricos, é o desejo de controlar e normalizar a vida, restando apenas um caminho a ser seguido.

Ainda que a declaração de Rodrigo Maia possa parecer “engraçada”, ela corre o risco de encobrir as camadas que realmente devem ser destacadas e da qual Maia faz parte, a saber: o ultraliberalismo que visa a total financeirização e precarização da vida.

A fixação dos conservadores com a sexualidade alheia, principalmente com as não heterossexuais sempre teve/tem por objetivo a prática da eugenia, o encarceramento em massa e a “Guerra às drogas”, e a eliminação de corpos LGBT do cenário social.

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