A força feminina na simples e apaixonada autobiografia de Rita Lee

Em sua autobiografia os homens não são poupados. Mutantes, Tutti Fruttis, alguns jornalistas que ela comenta de forma cifrada e o escambau, são alvos de cutucadas, bordoadas e comentários nem sempre muito edificantes. O fato de ter triunfado no rock, um meio tão masculino – ela repete várias vezes a frase ouvida repetidamente por colegas de palco que para fazer rock tem que ter colhões – é um orgulho indisfarçável que ela compartilha com os leitores.

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Em sua autobiografia os homens não são poupados. Mutantes, Tutti Fruttis, alguns jornalistas que ela comenta de forma cifrada e o escambau, são alvos de cutucadas, bordoadas e comentários nem sempre muito edificantes. O fato de ter triunfado no rock, um meio tão masculino – ela repete várias vezes a frase ouvida repetidamente por colegas de palco que para fazer rock tem que ter colhões – é um orgulho indisfarçável que ela compartilha com os leitores. Por Julinho Bittencourt A autobiografia de Rita Lee é um não livro que deve ser lido. Nele, a cantora e compositora revela duas faces nem tão conhecidas assim do público. Uma delas é a sua militância a favor dos animais. Rita adota bichinhos, recolhe nas ruas e, ao que parece, é capaz de se engalfinhar com alguém que os maltrate. O mesmo se pode dizer da sua altivez feminina. Os únicos homens que escapam da sua militância feminista é Roberto de Carvalho e, é claro, seus três filhos. De resto, Mutantes, Tutti Fruttis, alguns jornalistas que ela comenta de forma cifrada e o escambau, são alvos de cutucadas, bordoadas e comentários nem sempre muito edificantes. O fato de ter triunfado no rock, um meio tão masculino – ela repete várias vezes a frase ouvida repetidamente por colegas de palco que para fazer rock tem que ter colhões – é um orgulho indisfarçável que ela compartilha com os leitores. Na verdade “Rita Lee – Uma Biografia” não é uma não biografia. Parece mais um diário, um caderno de anotações, noutras vezes uma conversinha fofoqueira ao pé do ouvido. Para os fãs da talentosíssima roqueira é imprescindível. Faltam informações, é verdade, falta rigor, algumas vezes é meio esculhambado, mas é sempre muito divertido e repleto de assuntos relevantes sobre a vida da cantora. É, enfim, Rita Lee sendo 100% Rita Lee. De saída, uma revelação terrivelmente chocante quebra um pouco o bom humor, uma constante ao longo de todo o livro. Ela conta que perdeu a virgindade aos seis anos, estuprada com uma chave de fenda. Fora isso, até as desavenças com a empresária, Mutantes – Arnaldo Baptista, que ela não deixa muito claro se foi casada mesmo com ele ou não, a sua prisão por porte e, posteriormente, os paus e desencontros com os membros da banda Tutti & Frutti que, segundo ela, até afanaram dela o nome da banda, são contados com muita graça. Na verdade, com muito sarro. A tal saída por cima. Rita Lee tem aquele humor típico paulistano, onde nada é poupado, muito menos ela mesma. Tudo com ela é na base de gozação, auto depreciação. Ela tem a pachorra de dizer em vários momentos do disco que não é e nem nunca foi uma grande cantora. Nem depois de gravar duas vezes com João Gilberto. Na primeira, convidada pelo cantor para o lindo dueto em “Jou Jou Balagandans”, de Lamartine Babo para um especial da Rede Globo. Ela conta que estava com os nervos à flor da pele, mas João foi extremamente gentil e a coisa foi resolvida de primeira, sem nenhuma reclamação. Na segunda, ela e Roberto de Carvalho convidaram João para gravar a canção – olha só a audácia – dos dois “Brasil com S”. Sucesso e gentilezas também. Outra passagem hilária e ao mesmo tempo comovente fica por conta de sua condenação por porte de maconha em São Paulo, em 1976. Rita estava grávida de seu primeiro filho Beto e teve hemorragia. Suas colegas de cela começaram a bater canecas nas grades para chamar a atenção dos guardas e transferi-la para um hospital. A coisa toda só foi resolvida quando Elis Regina apareceu e desancou o estupefato delegado, que insistia em dizer que era fã da Pimentinha. O episódio rendeu uma gravação antológica e uma amizade que durou até a morte de Elis. À medida que o livro corre, ela conta como gravou aqueles álbuns fabulosos com Os Mutantes, o lendário “Fruto Proibido” e, mais pra frente, a sua primorosa discografia de sucessos com Roberto de Carvalho como se não estivesse fazendo nada demais. Vez ou outra diz que achou bonitinha uma canção aqui, achou bonzinho aquele álbum ali e a gente segue lendo, rindo e lembrando que a autora despretensiosa é a quarta maior vendedora de discos do Brasil de toda a história. Perde só para Tonico e Tinoco, Roberto Carlos e Nélson Gonçalves. Sua importância para a nossa música é inegável e pode ser traduzida de forma simples, no momento em que descreve a canja que deu na carceragem, enquanto estava presa. Todo o presídio parou e vozes de todas as celas cantaram com ela num coro sincero e comovente a significativa “Ovelha Negra”. Rita Lee é daqueles artistas que nos faz maiores e melhores enquanto nação. A sua pequena biografia é um retrato sincero e apaixonado de um tempo e uma vida luminosa, repleta de talento e sucesso. É um livrinho que nos ajuda a gostar mais ainda dela.