A melhor prisão para as mulheres é a que não existe

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Esta é a conclusão do recém-lançado relatório “Mulhersemprisão,” promovido pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania Por Mariana Zoboli do Carmo, colaboradora da Rede Fórum Foi lançado na última terça-feira (7), na Faculdade Direito da USP, o relatório “Mulhersemprisão”, promovido pelo Instituto Terra Trabalho e Cidadania, o ITTC, e elaborado nos últimos dois anos pelas pesquisadoras Mariana Lins e Nina Capello. O trabalho que pode ser acessado aqui tem por objetivo dar visibilidade à questão do encarceramento de mulheres no Brasil, destacando o cárcere enquanto violência de gênero. Somos o quarto país que mais prende no mundo, ocupando a mesma posição no ranking de detenção feminina. Diferenças A grande maioria das presas, seguindo a lógica do encarceramento em massa adotado pela justiça brasileira, que privilegia um determinado perfil em detrimento de outro, é, sem novidade, jovem, 50% tem de 18 a 29 anos, negra, que são 68%, e de baixa escolaridade, 50% tem somente o ensino fundamental completo. Dados estes que contribuem para invisibilização ainda mais acentuada das diversas violações de direitos sofridas por elas dentro e fora do sistema punitivo, que não leva em consideração a diferença de gênero e, portanto, não analisa os contextos em que estão envolvidas estas mulheres. Elas são, em 80% dos casos analisados, primárias, apesar de 20% desta mesma amostragem já possuírem algum registro criminal. “Se eu saísse de casa depois das dez da noite, sabia que a polícia iria me pegar, mesmo eu não tendo feito nada”. Este foi um dos depoimentos colhidos de uma das entrevistadas, evidenciando a atuação, também ressaltada no relatório, racista, machista e classista da polícia. Diversos fatores devem ser contemplados na diferenciação entre gêneros para que se amplie o debate a respeito da construção de alternativas penais diferentes para mulheres, que tendem a receber um tratamento ainda mais opressor quando entram no sistema. A aprovação do Marco Legal da Primeira Infância há exatamente um ano pela presidenta Dilma Rousseff, ainda que voltado à proteção da criança e não diretamente da mulher, é um avanço para a distinção de gênero no sistema punitivo. Ele prevê a implantação de políticas públicas específicas, programas e serviços voltados à promoção do pleno desenvolvimento da criança até os seis anos de idade. Para as mulheres em reclusão, ele oferece a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar para gestantes e mães de filhos menores de 12 anos. Guerra às drogas De acordo com dados levantados pelo relatório, a quantidade de encarceradas aumentou 503% entre 2000, ano em que cerca de 5 mil mulheres estavam presas, e 2014, quando o número passou a 34 mil. A maioria delas está privada de liberdade pela execução de trabalhos ligados ao tráfico, principalmente ao transporte nacional e internacional de drogas. O aumento do encarceramento feminino se deve a múltiplos fatores que devem ser avaliados em conjunto. Contudo, uma das principais causas deste crescimento é a intensificação da guerra às drogas nas pontas do comércio e no flagrante, como analisou a pesquisadora Bruna Angnotti, que também esteve na mesa de apresentação do Mulhersemprisão. Dos homens, 28% estão presos por tráfico de drogas. Se tratando das mulheres, este número sobe para 64% do total, segundo dados do Infopen. De acordo com a Lei de Drogas, instituída em 2006, que diferencia usuário e traficante, o primeiro não pode ser preso em flagrante e tem pena alternativa, já o segundo tem pena de 5 a 15 anos de prisão. Não há critério algum para a distinção, cabendo ao juiz a interpretação. De acordo com a redação do artigo 28 da lei: “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e a quantidade da substância apreendida, ao local e as condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e antecedentes do agente.” Atualmente, 39% dos homens encarcerados são presos provisórios. No caso das mulheres, a proporção é de 44% aguardando um julgamento que pode levar anos para acontecer. Dentro deste processo, longo e repleto de interpretações e subjetividades, dentre as 258 decisões judiciais analisadas pela pesquisa, apenas sete mencionaram o gênero da indicada. Foi constatado também que nos documentos produzidos na delegacia, no momento da prisão, existem algumas informações que levam em conta o gênero, mas no decorrer da tramitação do processo na justiça estas considerações são dissolvidas, descaracterizando a mulher em questão e apagando as diferenças sociais entre mulheres e homens, que, de acordo com a interpretação da lei, devem ser levadas em consideração. Mobilização O objetivo o relatório é dar visibilidade às mulheres que estão passando pelo sistema prisional, explicitando que o cárcere é também uma violência de gênero. Privadas de liberdade, elas relatam diversos maus tratos nas casas de detenção, como a violação dos corpos nos atendimentos de saúde, medicalização excessiva de calmantes, antidepressivos e remédios controlados, celas lotadas, falta de camas e alojamentos adequados para gestantes, idosas e mulheres com alguma deficiência, má alimentação e abordagem policial violenta (em 80% dos casos analisados não havia nenhuma policial mulher no momento da prisão). Outras múltiplas faltas graves a dignidade e aos direitos humanos também foram observadas, como o chamado “bonde”. Este é o apelido dado ao transporte utilizado para leva-las as prisões e que não tem ventilação alguma, apenas pequenos buracos para a entrada de ar nas laterais. Muitas relatam que vomitaram ou evacuaram durante o percurso, que pode durar horas e não há parada. Na chegada, tendo entrado no sistema, existe um regime de observação que priva a mulher de quaisquer visitas durante trinta dias. Em São Paulo, a ação do GIR (Grupo de Intervenção Rápida), de treinamento militarizado, que só entra nos presídios quando chamado pela direção, também foi denunciada como violenta e corriqueira pelas entrevistadas. Marginalizadas, com baixa escolaridade e negras em sua maioria estas mulheres vêm muitas vezes de históricos de vida marcados pela violência, abuso e opressão. Diversas são chefes de família, abandonadas pelos pais de seus filhos, mães solteiras, responsáveis pela casa e pelo cuidado com os familiares, não tiveram acesso a educação ou a empregos formais e trabalham em jornadas duplas ou triplas. Em casa, na rua ou no tráfico, que surge como opção para complementação de renda ou até para o para o seu reconhecimento na comunidade, já que são muitas as violências que se articulam a esta “decisão”.