A morte de Ivan Ilitch - livro

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Ivan Ilitch sabia que estava morrendo, e o desespero não o largava mais. Sabia, no fundo da alma, que estava morrendo, mas não só não se acostumara a isto, como simplesmente não o compreendia, não podia de modo algum compreendê-lo.

Imagine um homem que passou a vida a buscar momentos e situações confortáveis, que não apresentassem perigos ou contratempos, que fossem idealmente adequadas à sua noção de conforto e estabilidade. Um homem que sempre enxergou a si próprio como especial e único, merecedor de todo o bem-estar do mundo que lhe caísse no colo, que pudesse obter com o mínimo de esforço - ou ao menos sem que fossem necessários grandes investimentos que pusessem em risco a segurança de seu modo de viver, o conforto de suas relações, a superficialidade do verniz com que cobria sua existência.

Imagine que esse homem, que jamais lutou por nada, mas achou-se naturalmente merecedor de tudo, descobre que é mortal no momento em que começa a morrer.

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Essa é a história de "A morte de Ivan Ilitch", romance publicado pelo russo Lev Tosltoi, em 1886. A grande surpresa dessa leitura - indicada pra mim pelo professor Paulo Bezerra no dia da defesa da minha dissertação de mestrado - foi perceber que algo que é comumente é identificado como um fenômeno ultra-hiper-pós-moderno, único e específico da nossa época, é tão antigo quanto a noção de que o ideal de uma vida satisfatória - e talvez até plena - é ter o máximo possível de conforto e comodidade.

Ivan Ilitch morre lentamente, tão lentamente quanto o tempo que precisa para perceber que sua vida confortável e sem riscos foi, afinal, um grande desperdício de oxigênio - e que aquilo a que chamava "viver" não passou de uma sombra, um jogo mal jogado de aparências e superficialidade.

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O título do livro não ilude o leitor sobre o desfecho da história - o que importa, então, é saber apreciar com fascínio o caminho magistralmente desenhado pelo autor. Tolstói dá a ver a agonia do personagem que se debate entre vãs esperanças e um insistente apego àquilo que chamava de Verdade. Ivan Ilitch não pode morrer até que tenha deixado de insistir no que chamava de vida - antes de morrer - e libertar-se finalmente da dor - Ivan Ilitch precisa desistir de viver, para então, viver pela primeira e derradeira vez.

Recomendo a leitura - que é rápida, comovente e intensa - a todos que desconfiam que o que chamam de vida - ainda mais se for uma vida satisfatória e confortável - não é bem vida, mas qualquer outra coisa feita de plástico ou de borracha ou de bits, com sabor e aroma artificial de morango ou tutti-frutti, vendida a prestação numa vitrine brilhante, por uma funcionária sorridente de uma marca multinacional. 

A morte de Ivan Ilitch é a morte - a agonia - de todos os que morrem sem nunca ter vivido - um fenômeno tão antigo quanto a noção de que a vida ideal é confortável, tão atual e presente quanto anúncios que vendem vidas de 60 polegadas, tão doloroso e cruel como descobrir a inutilidade de tudo o que se viveu no momento em que se está morrendo.