A nova divisão internacional do mundo

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Até a metade do século XVIII, o espaço geográfico que compreende os países asiáticos respondia pela maior parte da produção mundial, tendo em vista a combinação de sua grande dimensão populacional e territorial. Com o surgimento da primeira Revolução Industrial (motor a vapor, ferrovias e tear mecânico), a partir de 1750, o centro dinâmico do mundo deslocou-se para o Ocidente, especialmente para a Inglaterra, que rapidamente se transformou na grande oficina de manufatura do mundo por conta de sua original industrialização. A divisão internacional do trabalho, que resultou do movimento de deslocamento da estrutura da produção e exportação na manufatura inglesa em relação aos produtos primários exportados pelo resto do mundo, sofreu modificações importantes somente com o avanço da segunda Revolução Industrial (eletricidade, motor a combustão e automóvel) no último quartel do século XIX. Naquela época, a onda de industrialização retardatária em curso nos Estados Unidos e Alemanha, por exemplo, protagonizou as principais disputas em torno da sucessão da velha liderança inglesa. A sequência de duas grandes guerras mundiais (1914 e 1939) apontou não apenas para o fortalecimento estadunidense como permitiu consolidar o novo deslocamento do centro dinâmico mundial da Europa (Inglaterra) para a América (EUA). Com a Guerra Fria (1947 – 1991), prevaleceu a polarização mundial entre o bloco de países liderados pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética. Na década de 1970, com a crise capitalista impulsionada pela elevação dos preços de matéria-prima e petróleo, a economia dos EUA apresentou sinais de enfraquecimento, simultaneamente ao fortalecimento da produção e exportação japonesa e alemã. Especialmente com a adoção das políticas neoliberais pelos EUA, o mundo novamente voltou a se curvar ao poder norte-americano, sobretudo nos anos 1990, com o desmoronamento soviético que favoreceu o exercício unipolar da dinâmica econômica mundial. A manifestação da grave crise global desde 2008 tornou mais claro o conjunto de sinais da decadência relativa dos Estados Unidos. A ineficácia das políticas neoliberais e o poder concentrado e centralizado das grandes corporações transnacionais adonaram-se do Estado em grande parte dos países desenvolvidos, sendo responsável pela adoção de políticas caracterizadas como “socialismo dos ricos”. Enquanto os trabalhadores pagam com a perda de seus empregos e a precarização das ocupações, os grandes grupos econômicos se ajustam com grandes somas do orçamento público, este, incapaz de recuperar a dinâmica produtiva, priorizando a financeirização da riqueza. Simultaneamente, percebe-se o reaparecimento da multicentralidade geográfica mundial com um novo deslocamento do centro dinâmico da América (EUA) para a Ásia (China). Ao mesmo tempo, países de grande dimensão geográfica e populacional voltaram a assumir maior responsabilidade no desenvolvimento mundial, como no caso da China, Brasil, Índia, Rússia e África do Sul, que já respondem atualmente pela metade da expansão econômica do planeta. São cada vez mais chamados de “países baleia”, que procuram exercer efeitos sistêmicos no entorno de suas regiões, fazendo avançar a integração supra-regional, como no caso do Mercosul e Asean, que se expandem com maior autonomia no âmbito das relações Sul-Sul. Não sem motivos, demandam reformulações na ordem econômica global (reestruturação do padrão monetário, exercício do comércio justo, novas alternativas tecnológicas, democratização do poder e sustentabilidade ambiental). Uma nova divisão internacional do trabalho se vislumbra associada ao desenvolvimento das forças produtivas assentadas na agropecuária, mineração, indústria e construção civil nas economias “baleia”. Também ganham importância as políticas de avanço do trabalho imaterial conectado com a forte expansão do setor de serviços. Essa inédita fase do desenvolvimento mundial tende a depender diretamente do vigor dos novos países que emergiram cada vez mais distantes dos pilares anteriormente hegemônicos do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional intermediado pelo dólar e assentado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados), atualmente desacreditados. Nestes termos, percebe-se que a reorganização mundial desde a crise global em 2008 vem se apoiando numa nova estrutura de funcionamento que exige coordenação e liderança mais ampliada. Os “países baleia” podem contribuir muito para isso, tendo em vista que o tripé da nova expansão econômica global consiste na alteração da partilha do mundo derivada do policentrismo, associado à plena revolução da base técnico-científica da produção e do padrão de consumo sustentável ambientalmente. A conexão dessa totalidade nas transformações mundiais requer o resgate da cooperação e integração supranacional em novas bases. A começar pela superação da antiga divisão do trabalho entre países assentada na reprodução do passado (menor custo de bens e serviços associado ao reduzido conteúdo tecnológico e valor agregado dependente do uso trabalho precário e da execução em longas jornadas sub-remuneradas). Com isso, o desenvolvimento poderia ser efetivamente global, evitando combinar a riqueza de alguns com a pobreza de outros. As decisões políticas de hoje tomadas pelos países de grandes dimensões territoriais e populacionais podem asfaltar, inexoravelmente, o caminho do amanhã voltado à constituição de um novo padrão civilizatório global. Quem sabe faz acontecer, como se pode observar pelas iniciativas brasileiras recentes. Todavia, elas ainda precisam ser crescentemente aprimoradas, avançando no enfrentamento dos problemas de ordem emergencial, como valorização cambial e elevada taxa de juros, que comprometem a competitividade, para as ações estratégicas que atuam sobre a nova divisão internacional do trabalho.