A pedido de bancários da Caixa, Dieese revela que FGTS perdeu R$ 45 bilhões

"São recursos que, além de comprometer a sustentabilidade do FGTS, deixam de ser investidos, por exemplo, em moradia popular", alerta Fenae

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A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) faz novo alerta ao esvaziamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a principal reserva financeira dos trabalhadores e fonte relevante de investimentos em habitação e outras áreas estratégicas. Só com duas modalidades de saques, autorizadas pelo atual governo, o Fundo perdeu quase R$ 45 bilhões em menos de três anos.

“São recursos que, além de comprometer a sustentabilidade do FGTS, deixam de ser investidos, por exemplo, em moradia popular”, observa o presidente da Fenae, Sergio Takemoto. “O Fundo de Garantia tem uma importante função social e no desenvolvimento do país, com investimentos principalmente nos setores de habitação, saneamento e infraestrutura”, ressalta.

Cálculos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a pedido da Fenae mostram que, só com o chamado “Saque Imediato” — autorizado em 2019, no valor médio de R$ 500 por trabalhador — foram retirados R$ 27,9 bilhões do FGTS, nos últimos dois anos. Em 2020 e até maio deste ano, outros R$ 16,74 bilhões foram subtraídos do Fundo por meio do “Saque Aniversário” (de R$ 50 até R$ 2,9 mil por trabalhador). Com estas duas modalidades, o volume total de saques chega a R$ R$ 44,64 bilhões.

Atendendo à solicitação da Fenae, o Dieese também fez um apurado histórico de arrecadações e retiradas do FGTS no período de 2017 a 2020. O levantamento revela uma arrecadação líquida negativa de R$ 58,3 bilhões: foram depositados R$ 522,7 bilhões mas sacados R$ 581 bilhões.

“Esta situação é muito preocupante porque, na medida em que o Fundo vai sendo reduzido, em termos absolutos, ele perde a capacidade de financiar grandes projetos habitacionais, que favorecem a geração de empregos e a dinamização da economia”, avalia Clóvis Scherer, economista do Dieese. Ele lembra que os riscos à sustentabilidade do FGTS não ficaram ainda maiores porque foi transferido para o Fundo um montante de R$ 22,5 bilhões em recursos do PIS/PASEP, extinto ano passado.

Para ilustrar a importância da preservação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o Dieese faz um paralelo: o ativo total do FGTS é de aproximadamente meio trilhão de reais (R$ 565 bilhões, no final de 2020). O valor corresponde a quase um terço das reservas cambiais do Brasil: R$ 1,85 trilhão (US$ 355 bilhões, ao final de 2020).

“No contexto de uma pandemia, os saques [do Fundo de Garantia] podem aliviar as dificuldades de parte da população”, pontua Sergio Takemoto. “Mas, o FGTS, além de ser uma segurança financeira para os próprios trabalhadores, tem um papel social fundamental no desenvolvimento de políticas públicas que amparam os brasileiros. Por isso, este patrimônio precisa ser preservado”, destaca o presidente da Fenae.

Conforme demonstrações financeiras do FGTS relativas a 2020, aprovadas em reunião do Conselho Curador do Fundo no último dia 29 de junho, foi contabilizada uma arrecadação de R$ 127,3 bilhões — valor superado pelos saques, que chegaram a R$ 166,1 bilhões, incluindo as retiradas "extraordinárias", como é o caso dos saques Imediato e Aniversário.

“O problema maior é de sustentabilidade do FGTS no médio e longo prazos, justamente em função das modalidades de saque que vêm sendo autorizadas pelo governo ou propostas pelo Congresso e que bagunçam as contas do Fundo”, adverte Clóvis Scherer, do Dieese.

Moradia

Como a Fenae vem alertando e reforçou no início deste ano, os recursos do Fundo de Garantia destinados às áreas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana vêm diminuindo ano a ano. Segundo o site oficial do Fundo, os valores efetivamente executados no setor de saneamento caíram mais de 30%: saíram de R$ 2,25 bilhões em 2018 para R$ 1,97 bi em 2019 e R$ 1,36 bilhão, ano passado. Em habitação, o orçamento do FGTS para a concessão de financiamentos a famílias com renda bruta mensal de até R$ 4 mil sofrerá uma queda de R$ 14,5 bilhões: reduzirá de R$ 48 bilhões (em 2020) para R$ 33,5 bi este ano, de acordo com a Caixa Econômica Federal, gestora do Fundo.

Além de reduzir em 5,8% a quantidade de unidades habitacionais — de 448.013, em 2019, para 421.826 moradias, em 2020 — a queda de investimentos ainda impacta na geração de empregos neste segmento: as oportunidades de trabalho caíram 11,5%.

Estudo realizado no final de 2020 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), mostrou um déficit habitacional no país de 7,797 milhões de moradias.

“No pós-pandemia, quando será preciso impulsionar a economia, gerar empregos e financiar habitação para população de baixa renda, o orçamento estará aquém do necessário. A redução dos recursos vem em um momento muito triste para o Brasil, quando há um aumento expressivo da população em situação de rua”, lamenta Sergio Takemoto.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desde 2012 a população em situação de rua cresceu 140%, chegando a quase 222 mil brasileiros em março de 2020.