A paz 10 anos depois

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Em 1993, o mundo foi surpreendido pela informação de que israelenses e palestinos, representados pela Organização pela Libertação da Palestina (OLP), haviam negociado secretamente em Oslo, capital da Noruega, um acordo de paz. Completados 10 anos desse evento, o que se vê é uma nova espiral de violência na qual naufraga mais um projeto de entendimento apresentado pelos Estados Unidos com apoio da União Européia, ONU e Rússia.

O plano de 1993 previa a criação de um Estado palestino, a partir sobretudo da resolução de problemas envolvendo o status de Jerusalém, os refugiados palestinos e as colônias judaicas em territórios palestinos.

O plano americano de hoje, que conta com endosso meramente formal dos europeus e pouco peso dos russos e da ONU, entrou em campo com uma única meta verdadeira, a de acabar com a violência, mas com foco concentrado nos grupos islâmicos.

Hoje as negociações atendem muito mais a interesses estratégicos dos Estados Unidos, que procuram reduzir a onda de antiamericanismo entre os povos árabes, engrossada com a invasão do Iraque.

Israel em nenhum momento reeditou a aceitação formal de 10 anos atrás, de que um processo de negociações culminasse com o advento de um Estado palestino, idéia central do acordo de Oslo. Arafat, o negociador de Oslo, foi expulso da mesa por americanos e israelenses.

Oslo aconteceu por pressão da primeira Intifada, a revolta palestina, que Israel não conseguiu controlar com sua política de “punhos de ferro”, de repressão brutal, contra jovens armados de pedras. Por pressão do mundo árabe, estabeleceu-se o consenso de que são os territórios palestinos ocupados o coração da crise no Oriente Médio e Israel acabou concordando com o princípio da troca de terras por paz.

Pelo acertado em Oslo, para ser consolidado em negociações futuras, a Cisjordânia e Gaza, ocupadas por Israel em 1967, representando 22% da Palestina original, seriam agrupadas num Estado palestino. Israel se “contentaria” com 78% do que fora a Palestina sob mandato inglês, antes da partilha determinada pela ONU. Oslo saiu daí, foi essa a sua alma.

Criou-se uma Autoridade Palestina (AP) e foi instalado em Gaza um governo autônomo. Depois de anos de negociações “passo a passo”, exaustivas e exasperantes, e da violência em escaladas sucessivas, por volta de 80% das terras ocupadas militarmente em 1967 continuavam em mãos de Israel, em parte ou totalmente. Nenhum ponto de conflito mais sério foi superado. Jerusalém ficou imobilizada como algo “intratável” em discussões sobre seu status. Seguidamente Israel reocupa áreas e afinal constrói um muro separando palestinos e israelenses, o que sepulta qualquer pretensão voltada para um Estado palestino.

A idéia de um “grande Israel”, que se pretendia sepultada por Oslo, permanece viva e ativa, com as 200 colônias judaicas intocadas em territórios palestinos. O tom dominante é de expansão e não regressão.

O pacifista judeu Uri Aveneri denuncia que o primeiro-ministro israelense Ariel Sharon “se empenha em acabar com Oslo e desmantelar a AP desde que assumiu o poder”. Não se trata de suprimir a violência palestina, acabar com os suicidas-bomba, as justificativas oficiais para as incursões militares. Sharon quer destruir a própria noção de entidade palestina e instituições que possam ampará-la. Nada de redividir terras. Por isso encurralou Arafat.

Conta com a força (Israel tem um dos melhores exércitos do mundo) e um surpreendente conformismo árabe. “Precisamos decidir se a Palestina continua sendo ou não o nosso problema central”, escreveu um influente jornal libanês. A capitulação diante de Israel, continuou o jornal, “parece total”, líderes árabes “se mostram resignados em sua impotência”. Há resoluções da Liga Árabe “exigindo” o reconhecimento de um Estado palestino, de acordo com Oslo. Há declarações e discursos de apoio à causa palestina e de condenações da violência, do cerco e da marginalização de Arafat. Muita retórica e praticamente nada de atos concretos.

Há, no entanto, mudanças importantes. Há menos de 30 anos Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel, negava que os palestinos existissem como povo. Hoje nem Sharon nega. Mesmo assim a questão palestina continua vigente e incandescente. Não foi solucionada com a definição das fronteiras de um Estado palestino, como prometia Oslo.

Há 10 anos houve um festival de celebrações prematuras envolvendo os heróis de Oslo, agraciados com o Nobel da Paz. O ex-primeiro-ministro Rabin, de Israel, acabou assassinado por um judeu ortodoxo fanático, partidário do “grande Israel”.

Seu ministro do Exterior, Shimon Peres, tornou-se figura secundária da política israelense e até avalizou o primeiro governo de Sharon, reeleito como expressão da linha dura e anti-Oslo, dominante em Israel. A subordinação a Sharon selou a decadência de Peres, um dos heróis da época. Hoje em dia Oslo sequer é mencionada no noticiário da crise. É como se nunca tivesse existido.

Arafat, o Nobel do lado palestino, depois de encurralado num gabinete da AP em Ramalá, teve de aceitar a criação no governo autônomo, do qual é presidente, do cargo de primeiro-ministro, que faz a interlocução com Israel e os americanos, que ignoram Arafat.

Rabin encarava o “grande Israel”, definido por “fronteiras bíblicas”, como alucinação. Antes de tombar assassinado, estabeleceu como meta de Israel enquadrar-se como um “Estado judaico”, secular, uma entidade não religiosa e em boa vizinhança com uma “entidade palestina”, como foi estabelecido em Oslo. A AP só conseguiu a devolução de mais ou menos 20% das terras ocupadas em 1967. O restante continuou sob controle total de Israel ou sob administração conjunta. As incursões militares de Israel são tantas e tão profundas, em toda a geografia palestina, que a AP mais parece uma entidade fantasma.

Além disso as áreas palestinas não são contíguas. São como manchas separadas umas das outras. Entre elas circulam livremente as forças israelenses de segurança. Lembram os bantustãos da África do Sul nos tempos do apartheid.

Nessas manchas se instalaram 200 colônias judaicas protegidas pelo Exército de Israel. Como criar um Estado palestino em cima de obstáculos que se mostram inemovíveis? A impressão hoje é a de que Oslo, apesar do foguetório, nasceu morto. Intelectuais palestinos do peso de Edward Said há 10 anos dizem isso.

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