A reação contra a lei do piso

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Foto: Marcello Casal/ABr
                                                                                "Foto: Marcello Casal/ABrAcredita-se, no entanto, que a lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, editada com o propósito de regulamentar, conforme informado em sua emenda, o mencionado piso salarial, extrapolou. Realmente, pois além de fixar um piso salarial, dispôs sobre jornada de trabalho de serviços estaduais e municipais e impôs aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios regras desproporcionais que implicam despesas exageradas e sem amparo orçamentário.” O trecho acima corresponde à decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em resposta a uma liminar de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) entregue no dia 29 de outubro de 2008 pelos governadores André Puccinelli (PMDB-MS), Roberto Requião (PMDB-PR), Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), Yeda Crusius (PSDB-RS) e Cid Ferreira Gomes (PSB-CE), com o objetivo de suspender os efeitos da lei do piso salarial nacional para os professores.
No dia 17 de dezembro, o plenário do STF ouviu argumentos contrários e favoráveis ao piso e votou pela constitucionalidade da lei, mas suspendeu o dispositivo que garantia 1/3 da carga horária para atividades extrassala e reconheceu a possibilidade de composição da remuneração por meio de gratificações. Pontos da lei que, conforme Fórum apurou em matéria da edição nº 67¹, são essenciais para uma real modificação na situação da educação no país. A decisão vale até o julgamento final do mérito da ADI pelo Supremo.
Aprovada em julho de 2008, a lei institui o valor mínimo de R$ 950 para os profissionais da educação, além de outros direitos como a garantia da reserva de 1/3 da carga horária para atividades fora da sala de aula e correção salarial tendo por base o índice de correção do custo aluno nacional. Desde sua publicação, vem sendo continuamente criticada por gestores públicos e pela mídia corporativa. Não por acaso, a maior parte das ressalvas são feitas por quem implementa e referenda uma educação baseada na contramão do acesso igualitário aos bens materiais e culturais, com base em metas e bonificação na carreira do professor, negando e invertendo as prioridades das políticas públicas e as responsabilidades do Estado em promovê-las.
Para contrapor os argumentos dos governadores na ADI, entidades sindicais e movimentos da sociedade civil se organizaram e entregaram ao STF o Amicus Curiae², para defender a constitucionalidade da lei. “Desvincular o conceito constitucional de piso salarial da carreira do magistério, descaracterizando-o enquanto vencimento inicial da carreira, negaria, ademais, o ideal de estabelecimento de um padrão mínimo salarial aferível, capaz de reduzir as disparidades regionais e de arregimentar para o magistério público os melhores quadros profissionais”, afirma o documento. “A autonomia dos entes federados deve ser exercida em observância aos princípios da Constituição Federal. A vinculação do piso nacional ao vencimento básico da categoria e a fixação de um limite nacional para a jornada de trabalho são plenamente adequados e imprescindíveis para a concretização dos objetivos almejados pelos dispositivos legais e pela própria Constituição Federal”, prega o texto do Amicus Curiae protocolado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). 

Foto: Divulgação
DivulgaçãoCercado por todos os lados
Até a oficialização da ADI e após sua entrada no Supremo, a Lei do Piso que, vale lembrar, entraria em vigor no dia 1º de janeiro de 2009, sofreu ataques das mais variadas formas. Em São Paulo, no dia 8 de outubro, o governador José Serra (PSDB) e a secretária de Educação Maria Helena Guimarães de Castro anunciaram que contabilizariam como horário para preparação de aulas e correção de provas, ou seja, as atividades extraclasse, os intervalos de dez minutos entre as aulas na rede estadual. À época, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou que a interpretação do governo paulista era “uma farsa”. O professor Alexandre Ferreira, que leciona na rede estadual de São Paulo há dez anos, exemplifica o caráter absurdo da decisão. “É o único horário que temos para ir ao banheiro, tomar um café e respirar um pouco”, reclama o professor. Segundo a secretaria de educação do estado de São Paulo, se a medida não fosse tomada o estado teria que arcar com um suposto gasto adicional de R$ 1,4 bilhão com a contratação de educadores.
Já no Rio Grande do Sul, a governadora Yeda Crusius (PSDB) e a secretária estadual da Educação Mariza Abreu encaminharam para a Assembléia Legislativa um projeto de lei que fixaria o piso salarial de R$ 950, mas estabelecendo um teto, o que poderia significar um congelamento de salários. A iniciativa provocou uma greve geral dos professores do Rio Grande do Sul, por 15 dias, o que culminou no comprometimento da maioria dos deputados gaúchos em não votarem o projeto até fevereiro de 2009.
Além das movimentações nos estados, no Legislativo federal também surgiram propostas nada alentadoras. O projeto de lei nº 3.776, apresentado pelo Celso Maldaner (PMDB-SC) na Câmara dos Deputados, tem como objetivo modificar a forma de correção do valor do piso salarial e a alteração na reserva de 1/3 do horário para atividades extraclasse. O projeto de lei recebeu pareceres favoráveis em comissões da Câmara e pode ser votado em plenário a qualquer momento, já que tramita em caráter de urgência. 

Reação“O STF realizou uma leitura conservadora do que é um pacto federativo, uma interpretação que vai na contramão do desejo do povo, que se expressou na votação unânime de seus representantes tanto na Câmara quanto no Senado, quando se votou a aprovação da Lei do Piso Salarial. Não houve ninguém, nem partido, nem deputado, nem senador, que tenha votado contra”, protesta Roberto Franklin Leão, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). “O STF decidiu que o piso poderá ser composto por gratificações até o final do julgamento do mérito, o que não tem prazo para acontecer. Quanto ao 1/3 da carga horária destinado para atividades extrassala, essa é a grande polêmica e a medida cautelar foi concedida. Uma interpretação que entendeu que isso é competência dos estados, decisão que também vai contra a luta e o desejo por uma escola de qualidade”, garante Leão.
Já Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, se diz indignado com a decisão. “A ‘meia vitória’ é muito pior que a derrota integral. No fundo, se tivesse sido aceita a medida cautelar em sua integralidade, o resultado seria menos prejudicial, pois o que foi aprovado não é o piso e sim um salário mínimo. O que vai ficar na cabeça das pessoas é que foi aprovado o piso”, explica. “O STF está com uma mania de não apenas discutir constitucionalidade, mas de desmembrar, dar opinião e dizer como deve ser a lei, e isso é o papel do legislador. Vamos ter muito trabalho e teremos que pensar bem para construir uma mobilização, pois teremos que desfazer uma propaganda política construída a partir da percepção de que o ‘todo-poderoso e justo’ STF decidiu pela constitucionalidade da lei, o que não é fato.”
“A decisão, ao contrário do que possa parecer, não foi salomônica. Como o valor do piso é muito rebaixado e a legislação permite calcular o seu valor em 2009 sobre toda a remuneração, o que o STF fez foi conceder aos governadores o aval para manter as jornadas atuais e diminuir o impacto do piso na vida dos professores”, avalia Luiz Araújo, professor e ex-secretário de Educação de Belém entre 1997 e 2002. Ele também critica a postura do governo federal. “O mais interessante é que o governo não comentou a decisão. Silenciou sobre um aspecto essencial para qualquer projeto de melhoria da qualidade educacional. Sem hora para planejamento é impossível implementar qualquer proposta séria na área pedagógica, pois os professores precisam ter tempo para discutir entre si a situação de cada aluno, planejar ações pedagógicas conjuntas e avaliar os resultados. As mudanças pedagógicas acontecem no ambiente da escola e não apenas mandando os professores para cursos e palestras”, vaticina o professor. Quanto às futuras mobilizações, Franklin Leão sinaliza com futuras atividades para contrapor a decisão do STF e a postura dos governadores contrários à lei do piso. “A CNTE já vem preparando uma mobilização nacional para o início do mês de fevereiro, o que pode culminar com uma greve nacional. Professores em defesa do piso voltarão às ruas, às praças, aos atos públicos, para convencer os governadores de que é necessário que se faça uma lei estabelecendo uma jornada de trabalho adequada para o desenvolvimento do bom ensino.”

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“Lei da Mordaça” pode acabar em São Paulo

A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o projeto de lei complementar n° 81/07, do deputado Roberto Felício (PT), que revoga o artigo 242 da lei nº 10.261, incisos I e VI, de 28 de outubro de 1968, no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado. O artigo ficou conhecido como “Lei da Mordaça”, pois proíbe os professores de se referirem “depreciativamente, em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da Administração, podendo, porém, em trabalho devidamente assinado, apreciá-los sob o aspecto doutrinário e da organização e eficiência do serviço”.
O projeto foi encaminhado para o governador José Serra, que tem até o final de janeiro para apreciar a decisão do Legislativo. Se for sancionado, o projeto de lei será mais um passo na garantia de um direito negado aos funcionários públicos de São Paulo há décadas: a liberdade de expressão. Ainda faltam 17 estados onde a proibição persiste e Fórum continuará divulgando informações a respeito desses outros locais.

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¹ A matéria “A ameaça de retrocesso” está disponível no site da Fórum: revistaforum.com.br
² O Amicus Curiae (do latim “amigo da corte”) é garantido pela lei nº 9.868/99 como uma manifestação de pessoas ou entidades que não são parte de um caso e se voluntariam a oferecer informações em um ponto da lei ou outros aspectos para ajudar a corte a decidir.