À sombra de Painho

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No último dia 15 de abril, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, responsabilizou o conterrâneo ministro da Integração, Geddel Vieira Lima, por municiar a imprensa com informações não comprovadas de favorecimento a ONGs, vinculadas a petistas na Bahia, nos festejos juninos. Geddel preferiu abandonar a fama de não levar desaforo para casa; se calou e consentiu. Comentou sobre o assunto à revista Fórum, 12 dias depois. “Se tivesse que tomar posição nessa direção, seria às claras. Talvez ele [Gabrielli] tenha dito isso porque não me conhece”.
Se a jogada partiu do ministro, foi arriscada: desestabilizar o presidente da estatal há tempos cobiçada pelo seu partido, PMDB, também significa diminuir os laços do governador Jaques Wagner (PT) em Brasília e a capilaridade dos patrocínios da Petrobrás nas falidas administrações municipais do interior baiano – além de abafar os rumores da poderosa candidatura do petista Gabrielli ao Senado. Aplicar artimanhas para fortalecer o poder local com complacência do nacional remete Geddel àquele com quem é comparado por muitos: o falecido Antônio Carlos Magalhães. Para outros, como o próprio Geddel, a comparação é indevida. “Como vou ter semelhanças com quem combati e me combateu? Fazemos parte de outra geração, com outros defeitos e virtudes.”
O fato incontestável é que, passada mais da metade da gestão Wagner no executivo estadual, um conjunto de práticas conservadoras ameaça retornar sob a figura de Geddel – que já deixou claro o desejo de ser governador. Vieira Lima é herdeiro de latifundiários do cacau no sul da Bahia: já foi ligado a ACM, rompeu e se constituiu em umas das maiores lideranças do PMDB, foi responsável direto por formar campo peemedebista favorável a Lula no Congresso Federal nas negociações do processo eleitoral de 2006, e reproduziu o gesto junto a Wagner para vencer o candidato de ACM no mesmo ano. Como moeda de troca, foi nomeado ministro e “nomeou” as volumosas secretarias estaduais de Infraestrutura, Indústria e Comércio.
Com o controle de poderosa máquina administrativa, Geddel não hesitou em agregar lideranças políticas locais órfãs de um grande líder nos rincões dos 417 municípios do estado. O resultado eleitoral se deu em 2008, quando o PMDB elegeu 115 prefeitos e obteve 1,7 milhão de votos, incluindo a capital. Já o PT alcançou 67 administrações municipais e 1,5 milhão de votos; o antes poderoso DEM ficou com 42 gestões e 1 milhão de eleitores.
Um símbolo dos novos adeptos de Geddel é Misael Aguilar, ex-prefeito por duas vezes da bela Juazeiro, polo regional da fruticultura para exportação que utiliza canais de irrigação do adoecido rio São Francisco, do qual Geddel comanda com “mão de ferro” a transposição das águas. O filho de Aguilar, o deputado estadual Misael Neto, continua no DEM, mas o pai migrou para o PMDB. “Quando o PFL foi extinto, me senti com mais proximidade com o ministro Geddel; vi nele conhecimento e condições para servir a Bahia”, justifica o pai.
Vitorioso no pleito estadual, Geddel reiterou a vontade de ser governador ao disponibilizar os cargos sob sua responsabilidade no Executivo ao fim do segundo turno em Salvador, no qual o candidato do PT Walter Pinheiro perdeu para João Henrique com apoio do DEM. Jaques Wagner preferiu ficar com Geddel como opositor velado do que público.

Arquivo/ABrArquivo/ABr
No plano federal, o ministro da Integração compõe ala peemedebista de Michel Temer, e se beneficiaria muito pouco em uma eventual dobradinha com Dilma Rousseff. A sua preferência é ficar livre para fazer as negociações nos estados e integrar o governo vencedor em 2010. Mesmo assim, Geddel confirma: “Vou me submeter à decisão do meu partido”. Por enquanto, o palanque de José Serra na Bahia é frágil para Vieira Lima compor, já que PSDB e DEM são opositores históricos no estado. A recente investida do governador paulista para deixar o ministro mais confortável em abandonar a candidata de Lula na Bahia foi frustrada: consistia em transpor o ex-governador Paulo Souto do DEM para o PSDB de Jutahy Magalhães.
Para Jorge Almeida, pesquisador em Comunicação e Política na Universidade Federal da Bahia, existem semelhanças entre os dois quanto à prática oportunista de estar ao lado do poder aliada a uma atitude agressiva nos posicionamentos, mas minimiza a possibilidade de Vieira Lima conseguir reviver algo semelhante ao carlismo. “ACM ganha expressão como prefeito na ditadura militar e posteriormente passa a ter controle no Executivo, Legislativo, Judiciário e empresariado”, explica Almeida, destacando que a conjuntura atual não permite que algo assim ocorra novamente.
Já as estratégias de comunicação de Geddel também podem relembrar o “cabeça branca”. O ministro inunda o estado com sua fotografia em outdoors; costuma monopolizar o horário eleitoral do PMDB local e re-utiliza o discurso do amor incondicional à Bahia aliado à capacidade de execução. Jorge Almeida relembra que, ao ser prefeito, em 1968, ACM também fora grande marqueteiro, mas, para ele, o diferencial no ramo foi quando ocupou o cargo de ministro das Comunicações do governo Sarney, responsável por distribuir o atual regime de concessões pelo país – em especial na Bahia, com a retransmissora da Rede Globo no estado. “Geddel não ganha com o discuso da baianidade, mas com a máquina da comunicação”, sintetiza Jorge, que também toca nos rumores de Vieira Lima estar em articulação com o ministro das Comunicações Hélio Costa (PMDB) para ceder concessão de TV para o radialista e ex-prefeito da capital Mário Kértz e o colunista do jornal A Tarde Samuel Celestino.

Franja do velho carlismo Mais enfática é a pesquisadora Maria de Azevedo Brandão. “O carlismo está morto e teve os piores defeitos. Mas Geddel é uma franja do velho carlismo. Ele se aproveita do fenômeno político corporativo para reunir apoios indiscriminados.” Brandão argumenta que o capital imobiliário e da construção civil foram os alicerces econômicos iniciais do carlismo, quando ACM era prefeito em 1968, e comandou a redistribuição fundiária da cidade numa reforma urbana que dera os contornos desiguais e modernos da atual Salvador. OAS e Odebrecht são as principais siglas de empreiteiras baianas a terem influência no Brasil e em outras partes do globo.
Também na capital, Vieira Lima lançou a grande jogada no tabuleiro político baiano, ao adotar e reeleger o prefeito João Henrique Barradas Carneiro após três anos de mandato, e com índices de aprovação na casa dos 30%. O primeiro gesto de Geddel na gestão foi colocar o irmão, Lúcio Vieira Lima, para fazer as operações políticas dentro do gabinete do prefeito. Logo depois, a Câmara de Vereadores aprovou o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). A importância do PDDU para a reeleição de Carneiro está estampada na nova logomarca: prédios coloridos de arquitetura moderna com o slogan da “Prefeitura de um Novo Tempo” – em uma cidade na qual a população perderá áreas remanescentes de Mata Atlântica e paisagem marítima para construções verticais na orla e condomínios residenciais de luxo.
Maria Brandão ressalta a importância do PDDU para a reeleição de João Henrique, mas não acha similitude com a Reforma Urbana decretada por Toninho Malvadeza nas vésperas do Natal de 1968. “A gestão urbana de João Henrique é baseada em obras cosméticas; é um administrador que regride ao período republicano, em que só se construíam monumentos”.
Carlismo ou não, as forças conservadoras continuam com a habilidade em se fixar no poder. A melhor lição baiana está num grande antagonista de ACM, Waldir Pires, consultor-geral da República no governo João Goulart, responsável em desenvolver a lei de Remessa de Lucro e a Reforma Agrária; ele foi cassado pela ditadura e teve retorno triunfal ao ser eleito governador da Bahia em 1986. Deixou a gestão na metade para ser vice de Ulysses Guimarães no pleito de 1989, no que considera o maior “sacrifício da vida”. Perdeu a batalha nacional e local, já que em 1990 ACM voltava a ser governador com mais poder do que na ditadura militar.
Ao ser interrogado sobre as semelhanças entre 1986 e o momento atual, Waldir cita Victor Nunes Leal e o clássico Coronelismo Enxada e Voto para explicar que, ao aprofundar a democracia, o poder conservador age na mesma proporção, beneficiando-se da fragilidade das instituições no Brasil e em toda a América Latina, e finaliza: “creio que a condução política, para sobreviver, tem que absorver as forças conservadoras, sem transigir”. F