Acusado de ordenar a morte de missionária vai a julgamento

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Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, estará sentado no banco dos réus nesta segunda (14). Para a acusação, provas não deixam dúvidas sobre o envolvimento do fazendeiro no assassinato de Dorothy Stang em fevereiro de 2005

Dois anos e três meses após o assassinato de Dorothy Stang, em Anapu, no Pará, começa na próxima segunda-feira (14) o quarto julgamento do caso. Dessa vez, o réu será o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida. Apontado como um dos mandantes do crime, ele irá a júri no Tribunal de Justiça do Estado, na capital Belém. De acordo com a acusação, existem provas evidentes da participação do réu na morte da missionária norte-americana. "Temos convicção de que ele [Bida] será condenado. Essa certeza vem das provas que existem nos autos, provas testemunhais e materiais", esclarece José Batista Afonso, advogado e coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá (PA). Além do Ministério Público Estadual, compõem a acusação seis advogados da CPT e um da ONG Rede Social. Testemunhas afirmam, segundo a acusação, que Bida participou do planejamento do crime: prometeu R$ 50 mil como pagamento pelo assassinato, além de esconder os pistoleiros Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Clodoaldo Batista, o Eduardo, em sua propriedade. Vitalmiro também teria os visitado no esconderijo. Além disso, a arma que matou irmã Dorothy foi encontrada em terras que o fazendeiro diz serem suas. "Ele é mandante porque é quem deseja a morte, e articulou com Tato [o intermediário que negociou com os pistoleiros] para que ela acontecesse. Depois da morte, Bida deu infra-estrutura e proteção aos criminosos", afirma a advogada da CPT de Belém (PA), Rosilene do Socorro Silva, também parte do grupo da acusação. Rosilene acredita na sensibilidade dos jurados. Ela lembra que, no caso Dezinho - ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, assassinado em 2000 -, o júri condenou o pistoleiro Helinton de Jesus Silva a 29 anos de prisão em regime fechado. "A condenação dos mandantes é acompanhada com mais expectativa, porque a repercussão nesses casos é muito mais exemplar", considera a advogada da CPT, para quem a punição não deve ficar apenas na "ponta do crime". Américo Leal, advogado de Bida, promete uma atuação "incisiva e cortante" na defesa do réu. Na versão que será apresentada por ele nesta segunda-feira (14), Rayfran e Clodoaldo mataram Dorothy respondendo a supostas ameaças que ela os teria feito, devido ao capim que plantavam na terra de Tato. Além disso, o advogado argumenta que os dois ficaram escondidos nas terras de Bida sem que ele soubesse. "A defesa vai para o enfrentamento, dizer as coisas para quem quiser ouvir", antecipa Américo. Ele se diz ainda prejudicado pela transferência do julgamento para Belém. "Lá [Anapu] a Dorothy é o diabo. Aqui ela é santa, ninguém sabe nada sobre ela." Além de acusado pela morte de irmã Dorothy, Bida já foi flagrado utilizando trabalho escravo em sua propriedade de Anapu. Em uma operação de fiscalização realizada entre os meses de junho e julho de 2004, a Delegacia Regional do Trabalho do Pará libertou 20 pessoas da fazenda Rio Verde, pertencente a ele. Por isso, Bida figura, desde agosto de 2006, na "lista suja" do trabalho escravo do Ministério do Trabalho e Emprego. Os relacionados ficam impossibilitados de acessar créditos em instituições financeiras públicas e em alguns bancos privados. Condenações Dos cinco acusados pelo assassinato, três já sentaram no banco dos réus. Os pistoleiros Rayfran e Clodoaldo foram condenados, ainda em dezembro de 2005, a 27 e 17 anos de prisão, respectivamente. Na época, entretanto, foi reconhecido pelo tribunal do júri que os pistoleiros agiram sob promessa de pagamento, e não por desavenças pessoais com Dorothy. O intermediário Amair Feijoli da Cunha, o Tato, se submeteu ao júri em abril de 2006 e vai cumprir 18 anos de reclusão. Seu processo é o único em que não há mais possibilidade de apelar. Falta ainda também o julgamento do fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, também apontado como mandante do crime. Ele aguarda em liberdade e tem recursos no Supremo Tribunal Federal que têm alongado o processo. A advogada Rosilene aposta que Regivaldo deve ser julgado ainda este ano. Os movimentos sociais ainda pressionam para que se investigue mais a fundo o assassinato de Dorothy. Em entrevista dada à Repórter Brasil em janeiro de 2007, Dom Erwin Kläutler, bispo da prelazia que abrange o município de Anapu, afirmou que o seu compromisso com essa bandeira é uma das causas das ameaças que ele próprio estava recebendo. "Temos convicção de que o crime envolvia uma quadrilha. Mas, infelizmente, a investigação não avançou o suficiente para chegar a outros fazendeiros", explica Batista, da CPT. "A terra que o Regivaldo dizia ser dono era apenas uma das áreas reivindicadas pelo PDS [Projeto de Desenvolvimento Sustentável, que irmã Dorothy ajudava a organizar], mas o conflito não era só com o Regivaldo ou com o Bida. Envolvia uma série de outros fazendeiros." Segundo dados do Comitê Dorothy, criado alguns meses após o crime, em 33 anos morreram 776 pessoas por conflitos de terra no Pará. Batista salienta que casos envolvendo pessoas conhecidas como Dorothy têm mais repercussão e há maior possibilidade de condenação dos acusados. "Outros processos, de gente não conhecida, continuam com uma tramitação muito lenta, e certamente os culpados não serão punidos." Acampamento O Comitê Dorothy, em conjunto com diversos movimentos sociais do Pará, está organizando um acampamento na frente do Tribunal de Justiça durante o julgamento desta segunda-feira (14). O objetivo da manifestação é exercer pressão pela condenação de Bida, discutir o fim da impunidade e também a defesa da Amazônia, temas da campanha lançada pelo Comitê. Haverá distribuição de panfletos e cartazes, além da promoção de debate nas escolas. Para Luciney Vieira, coordenador do Comitê Dorothy, este julgamento é importante para reverter a queda de braço entre grileiros e defensores da reforma agrária e do meio ambiente no estado. "Vitalmiro representa o segmento do agronegócio que está varrendo a floresta no Pará", diz ele. São esperadas mais de mil pessoas para o ato. Apenas de Anapu, cerca de 200 pessoas devem enfrentar 24 horas de viagem de ônibus para participar da manifestação em Belém. Repórter Brasil