"Aguardei o enquadro que não aconteceria. Éramos brancos demais", por Gustavo Vaz

Relato aborda racismo da Polícia Militar em massacre de Paraisópolis e privilégios da branquitude

Baile do Dennis (Reprodução)
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Por Gustavo Vaz Guimarães* Fui em um funk sábado. Baile do Dennis. Ingressos caríssimos, cerveja caríssima, tudo bem caro. O público massivamente branco como eu. Precisava esconder minha maconha, mas de longe sei reconhecer o tipo de rolê que exige empenho ou não nessa missão. Abri meu tabaco, joguei os zip locks embaixo daquele emaranhado de fumo orgânico e guardei novamente na minha bag. Pouco empenho seria suficiente para encontrar minha maconha, mas convenhamos: todos sabemos que não há empenho em encontrar drogas com playboy. Entrei sem absolutamente nenhum problema ou desconfiança. Fumaça rolou solta lá dentro, por minha conta, enquanto outras drogas me eram oferecidas a torto e direito. Lança? Tinha. Cocaína? Tinha. Doce? Tinha. Bala? Tinha. À revelia. Já quando amanhecia e o rolê acabara, decidimos seguir bebendo em um posto de gasolina próximo. Seguranças se despediram educadamente. Não havia problema em aparentarmos estarmos drogados. No posto, decidi bolar o último daquela jornada. Luz do dia, na cara da sociedade. Próximo dali era uma academia policial e repentinamente dezenas de PMs, aparentando iniciarem sua carreira policial a pouco, vieram até o posto. Rapidamente joguei o beck pro lado e aguardei o enquadro. Que não aconteceria. Éramos brancos demais. As garotas bonitas demais. Os caras com roupas caras demais. Magina. Não há suspeita. Viraram as costas, peguei meu último baseado e fumei ali, ao lado da conveniência de um posto de gasolina, 7 ou 8 da manhã, sem receio ou incômodo. Entender o racismo está para nós brancos, principalmente quando ele não se manifesta. O conforto que tenho de andar com maconha e inclusive usá-la na maior cara de pau, só é possível graças a cor da minha pele e meu legado de branquitude em um país racista. Exatamente ao mesmo tempo que eu e meus amigos curtíamos nosso funk, em outro local da cidade mulheres tomavam tapa na cara, crianças eram espancadas no chão e 9 jovens morriam por uma ação policial que não permitia aqueles jovens de curtirem funk lá. O que separava aqueles jovens de mim, eram cerca de R$ 300,00. E o privilégio de uma cor. *Publicado originalmente na página do Facebook do autor