Além do bem e do mal

A questão das drogas – o uso, o comércio e a produção – é assunto corriqueiro no cinema e já produziu seus clássicos

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Por Thiago Balbi

Esta matéria faz parte da edição 126 da revista Fórum.

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A questão das drogas – o uso, o comércio e a produção – é assunto corriqueiro no cinema e já produziu seus clássicos: Trainspotting, Réquiem para um sonho, Medo e delírio em Las Vegas, Traffic, Blow - Profissão de risco, Drugstore Cowboys, O barato de Grace e os filmes de Cheech & Chong são exemplos de grandes produções internacionais, algumas hollywoodianas, que abordam o tema. O cinema latino-americano também possui seus expoentes, como os colombianos Maria cheia de graça e A virgem dos Sicários. No caso do Brasil, o tema está presente em produções internacionalmente aclamadas, como Cidade de Deus e Tropa de elite, além dos não menos importantes Meu nome não é Johnny, Paraísos artificiais e Bicho de sete cabeças.

Às vezes com julgamentos moralistas, outras com certa descontração e até mesmo apologias, as drogas sempre renderam boas histórias para a indústria do entretenimento. Mas se no cinema sempre houve espaço para produções mais questionadoras, muitas vezes com contundentes críticas à tão falada “guerra contra as drogas”, na televisão o assunto costumava ser tratado de forma mais branda, reproduzindo-se o discurso proibicionista tão comum nos noticiários.

No entanto, esse panorama parece estar mudando com alguns seriados mais recentes, sobretudo na TV estadunidense.

[caption id="attachment_32646" align="alignleft" width="378"] (Divulgação)[/caption]

Em House, por exemplo, o personagem principal é um talentoso médico viciado em vicodin (hidrocodona) que não perde a oportunidade de fazer uso de outras substâncias. Em Swingtown, que se passa nos anos 1970, um casal “descolado”, formado por um piloto de avião e uma aeromoça vivem o universo do swing (troca de casais) com festas recheadas de cocaína e comprimidos como o quaalude (methaqualone). Em Skins, um grupo de jovens da Inglaterra vive um cotidiano de festas e drogas. Não faltam exemplos. Entretanto, duas séries sobre o tema se destacam: Weeds e Breaking Bad.

Na primeira, como sugere o próprio nome, a maconha é o centro das atenções. Trata-se de uma mulher de classe média-alta e mãe de dois filhos que passa a vender a erva para sustentar a família e pagar as contas, uma vez que nunca precisou trabalhar de verdade devido à boa condição do ex-marido, que acabara de morrer quando a série se inicia.

No começo, tudo parece estar sob controle, já que a protagonista – Nancy Botwin – não faz grandes negociações, apenas compra a erva de um produtor local e repassa para os seus conhecidos do bairro suburbano de alto padrão chamado “Agrestic”. Mas sua carreira no “mundo do crime” não para por aí. Ao longo das oito temporadas, os negócios promissores de Nancy passam a envolver o DEA (Departamento antidrogas da polícia estadunidense), outros traficantes poderosos e até o cartel de narcóticos mexicano. Em Weeds tudo parece conspirar para que o fracasso de Nancy seja certo, mas, com muita sorte e jogo de cintura, a aparentemente típica mãe de família consegue escapar dos problemas. Mas sempre esbarra em problemas cada vez maiores e mais complexos. Mesmo tendo a maconha como assunto central, Weeds vai muito além da questão das drogas e trata, na verdade, da hipocrisia da classe média em relação ao assunto.

Contudo, perto de Breaking Bad, Weeds parece brincadeira de criança. Não só pelo narcótico em questão, já que a maconha é uma droga considerada “leve”, comparada à metanfetamina; a “protagonista” da série. A série conta a história de Walter White, um professor de química do ensino médio que, depois de ser diagnosticado com câncer no pulmão, decide produzir metanfetamina a fim de pagar seu tratamento e dar uma condição melhor para sua família depois de sua morte. [caption id="attachment_32707" align="alignleft" width="384"] (Divulgação)[/caption]

Mas, assim como em Weeds, as coisas fogem do controle, e ao longo das cinco temporadas Walter vai perdendo sua suposta inocência de pai de família, professor e “homem de bem”, e não mede esforços, sem o mínimo de escrúpulos, para manter os seus negócios.

Tanto em Weeds como em Breaking Bad, a droga não é tratada como um tabu, ao contrário, trata-se de uma temática aprofundada de forma crítica em suas várias faces: a proibição, o mercado bilionário que envolve grandes corporações capitalistas e governos, a violência – tanto policial como dos traficantes –, a questão de saúde dos usuários etc. Além disso, tanto Nancy quanto Walter são pessoas comuns e fogem ao estereótipo de traficante, criminoso ou “vagabundo”, que normalmente é utilizado nas produções cinematográficas.

Nesse panorama, a televisão dos EUA parece mais independente para tratar desse importante e delicado assunto do que a indústria do cinema, sobretudo Hollywood. Como as séries de TV possuem mais tempo para desenhar a formação das personagens e promover sua empatia com o público, a droga aparece num contexto mais complexo, que – assim como na vida real – ultrapassa a problemática clássica do cinema do “mocinho e bandido”. F

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