Amazônia, uma história de destruição

No último sábado (14), a Pública lançou seu primeiro livro-reportagem, Amazônia Pública, com um debate aberto na Praça Roosevelt, em São Paulo

Mina de Carajás, da Vale, vista de satélite em 2009. Extração de minério recebeu seguidos investimentos do BNDES, assim como a estrada de ferro e o complexo logístico de embarque atrvés do Maranhão. Fonte: Envolverde
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No último sábado (14), a Pública lançou seu primeiro livro-reportagem, Amazônia Pública, com um debate aberto na Praça Roosevelt, em São Paulo Por Agência Publica Debaixo da lona montada especialmente para levar a Amazônia à praça pública, em São Paulo, especialistas em Amazônia nas áreas de energia, ambiente, comunicação, além de representantes de movimentos e ONGs que atuam na região debateram os dilemas que vive a região – entre a necessidade de preservação, essencial também para a qualidade de vida da população da região, e a pressão pelo desenvolvimento. Um público de cerca de 100 pessoas compareceu ao debate – e todo mundo que passou por lá recebeu um exemplar do livro Amazônia Pública. O livro reúne três séries de reportagens sobre os impactos de grandes empreendimentos na Floresta Nacional de Carajás e no rio Tapajós, no Pará, e no rio Madeira, em Rondônia. Toda a apuração foi feita em campo por seis repórteres.Baixe aqui o livro Amazônia Pública. Antes do debate foram exibidos três vídeos, realizados pelas equipes de reportagem. Depoimentos de pessoas que nasceram ou atuam na Amazônia – como o escritor Milton Hatoum e o cineasta Aurélio Michelis – ambos de Manaus, que falaram sobre sua relação com a cidade e a floresta e expuseram suas expectativas para a região. Questão energética O debate começou com a pergunta que se faz desde que os brasileiros tomaram conhecimento da construção da hidrelétrica de Belo Monte – que obteve grande repercussão pelos protestos de ribeirinhos e indígenas do Xingu: Afinal, vale a pena construir hidrelétricas na Amazônia? Quem se beneficia dessa energia não apenas do Xingu, mas do rio Madeira (com as hidrelétricas Jirau e Santo Antônio) e as planejadas no projeto de hidrelétricas do Tapajós, o lindo rio azul de ribeirinhos e mundurukus no Oeste do Pará. O professor Célio Bermann, do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE/USP), foi taxativo: “É mentira a necessidade de energia elétrica para o desenvolvimento”, disse, acrescentando que não é a pressão pelo consumo das novas classes médias que está pressionando a demanda. Segundo o professor, 30% da energia gerada no país é consumida inteiramente por seis setores da indústria: a siderurgia, a indústria de metais não ferrosos, de ferro-ligas, petroquímica, papel e celulose e cimento. “Nós estamos vivendo no país uma autocracia energética”, disse, referindo-se à prioridade dada a produção de energia em detrimento da preservação de recursos naturais. [caption id="attachment_38389" align="alignleft" width="420"] Mina de Carajás, da Vale, vista de satélite em 2009. Extração de minério recebeu seguidos investimentos do BNDES, assim como a estrada de ferro e o complexo logístico de embarque atrvés do Maranhão. Fonte: Envolverde[/caption]   Bermann, que há 20 anos trabalha com questões energéticas na Amazônia, apontou alternativas trazidas em um estudo do IEE/USP, que mostra a possibilidade de suprir a demanda da população brasileira por 10 anos com a construção de 66 usinas eólicas de 30 megawatts de potência, bem mais limpa e menos impactante, do ponto de vista do território, do que as hidrelétricas. Além disso, explicou o professor, essas usinas poderiam se localizar próximas às cidades para evitar a perda de potência no transporte da energia por linhas de transmissão. “[A usina hidrelétrica de] Belo Monte não está sendo construída para gerar energia elétrica. Está sendo construída porque em cinco anos as empresas que hoje dominam o governo vão embolsar R$ 17 bilhões”, disse, referindo-se ao fato de as empreiteiras serem as grandes beneficiárias das obras e grandes doadoras eleitoras. O professor criticou ainda a ausência de consulta preliminar por parte do governo e das empresas à academia – para discutir a necessidade e a melhor maneira de realizar as obras – e às comunidades tradicionais e indígenas, que embora sejam as mais afetadas ainda não têm seu direito de veto assegurado nas discussões sobre estes megaempreendimentos. “As consequências sociais e ambientais são irreversíveis. Mitigação é um belo nome para dizer nada”, afirmou. Marcelo Salazar, do Instituto Socioambiental (ISA) de Altamira, onde fica a usina de Belo Monte – para ele, “o maior símbolo de “inadimplência socioambiental” – relatou o que está acontecendo na região, onde vive desde 2007. “O que estou vivenciando em Altamira é um verdadeiro rolo compressor. A pressão social parece não ter força”, disse. Salazar explicou que além dos impactos às comunidades próximas às obras da hidrelétrica, o empreendimento gera conflitos que reverberam por uma área bem maior do que a da usina, propriamente dita. Ele destacou o aumento de extração ilegal de madeira na região e, do lado urbano, o encarecimento do custo de vida e o alarmante crescimento da violência na cidade. “Uma em cada três pessoas tem um parente ou conhecido que foi assassinado”, revelou. Salazar também criticou a postura do governo em relação às comunidades indígenas. “O governo não aplica recursos para a Funai e usa a Eletrobrás e a Eletronorte para fazer a política indigenista na região”, disse, referindo-se às compensações financeiras que as empresas devem pagar pelos impactos causados à população indígena e que deveriam ser mediadas pelo órgão encarregado de protegê-la. Mineração no sul do Pará Danilo Chammas, advogado da Rede Justiça nos Trilhos, lembrou os impactos que mega empreendimentos causam a comunidades tradicionais e quilombolas. É o caso do projeto de Carajás, da mineradora Vale, no sudeste do Pará e oeste do Maranhão. Segundo ele, “uma pessoa morre por mês atropelada nos trilhos da Estrada de Ferro Carajás”. A ferrovia leva o minério de ferro extraído nas minas em Carajás ao porto de São Luís e daí à exportação, em grande parte direcionada para a China, e está sendo duplicada para escoar o aumento da produção de minério da floresta: a companhia pretende dobrar a extração quando o projeto – em implantação – estiver concluído. A obra tem financiamento do BNDES que liberou a primeira parcela do investimento mesmo quando a obra foi embargada na Justiça pelos movimentos sociais de direitos humanos, CIMI e Fundação Palmares. Veja aqui o vídeo: Carajás, o maior trem do mundo De acordo com Chammas, Carajás é uma região em permanente conflito há pelo menos 30 anos – justamente por abrigar o maior empreendimento de minério de ferro do mundo. “Isso dentro de uma floresta nacional. O que é uma contradição”, falou. “É realmente um negócio da China. O custo da tonelada [de minério de ferro] é de US$ 22 até o porto e dali, US$ 100, sem contar com o custo da transporte”, explicou, reafirmando que o minério de ferro extraído em Carajás é o mais barato do mundo. Chammas destacou que os problemas sociais permanecem sem solução na região, por falta de empenho da companhia Vale e do governo. Também lembrou a atuação agressiva da Vale, que chegou a infiltrar e espionar lideranças dos movimentos sociais que exigem responsabilidade social e ambiental por parte da companhia. “Somos os mais espionados”, disse Danilo. Como a imprensa cobre a Amazônia A jornalista Elaize Farias, de Manaus, co-fundadora do portal Amazônia Real, falou sobre a cobertura da Amazônia pela mídia, não raro vista como “exótica” e deslocada do resto do país. “É preciso fazer a conexão da Amazônia com outras regiões. Estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro não sabem da relação da Amazônia com outras regiões. Não se sabe, por exemplo, que a madeira extraída ilegalmente vem para os pólos moveleiros de São Paulo e de Minas Gerais ”, destacou. Nilo D’Ávila, do Greenpeace, que falou das políticas públicas em vigor para a Amazônia, também reforçou a importância de analisar os projetos e políticas para a região levando em conta não apenas o contexto nacional, mas continental da floresta, que se expande pelos territórios do Peru, Equador, Bolívia. O ativista também criticou o debate pouco transparente do Código da Mineiração, colocado para votação em regime de urgência, sem a participação da população, embora fundamental para decidir o futuro dos nossos recursos naturais do ponto de vista econômico, ambiental e social, especialmente por envolver projetos de mineração de em terras indígenas. Entre pessimistas e otimistas, os debatedores vêem 2014 como um ano decisivo para a reação popular a megaempreendimentos na região. É o ano em que deve sair, por exemplo, a licença de operação para a usina de Belo Monte e a de instalação duas hidrelétricas do Tapajós. Para Marcelo Salazar, do ISA, “precisamos nos inspirar nesses movimentos de ruas e reinventar as formas de manifestação”. E, como observou o professor Célio Bermann, disseminar informação de qualidade para disseminar o debate.