Análise: Por que Lula deve reagir

Por mais difícil que seja a situação, a apatia e o silêncio de Lula, neste momento, podem ser-lhe fatais. Se não teve a prudência necessária para construir os diques da segurança das conquistas alcançadas, terá que ter a ousadia agora para enfrentar águas revoltas e não ver destruído o que construiu

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Por mais difícil que seja a situação, a apatia e o silêncio de Lula, neste momento, podem ser-lhe fatais. Se não teve a prudência necessária para construir os diques da segurança das conquistas alcançadas, terá que ter a ousadia agora para enfrentar águas revoltas e não ver destruído o que construiu

Por Aldo Fornazieri*, no Jornal GGN

O ex-presidente Lula, segundo informações da imprensa, teria afirmado a interlocutores, em Brasília, na última semana, que não está “numa fase muito boa”, contrariando o seu rotineiro otimismo. O centro das preocupações de Lula teria quatro pontos: o andamento do governo Dilma; a operação Lava Jato; a delação premiada do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, que teria se tornado amigo do petista e, por fim, temor de que o seu projeto político esteja se “esfarelando”.

Por razões óbvias, de fato, a fase de Lula não está boa e ele tem motivos de sobra para se preocupar. A alguns interlocutores petistas, Lula vem manifestando preocupações não só com o projeto político, mas também com o seu legado histórico. A preocupação faz todo o sentido, pois a má fortuna e os inimigos do ex-presidente agem para ruir o seu legado histórico.

Lula deixou o mandato presidencial ungido com uma avaliação positiva superior a 80% e com a perspectiva e freqüentar as páginas dos futuros livros de história como um grande estadista, uma espécie de herói do povo, realizador de grandes feitos. Mas aos poucos, o ex-presidente, tolhido pelas crises e escândalos, pelo fracasso do primeiro mandato do governo Dilma e pela deslegitimação do PT, vê o seu lugar olímpico na história sendo erodido e ameaçado por uma sucessão de eventos negativos.

Existem duas grandes tipologias de heróis – de líderes autênticos – na história, ambas vindas do poeta grego Homero. O objetivo do herói, do grande líder, é o de alcançar a glória imorredoura através dos seus grandes feitos. O primeiro tipo está na Ilíada e é representado por Aquiles. Neste tipo, o herói é alguém que produz grandes feitos ou pronuncia extraordinárias palavras e morre jovem, mas se torna imortal pela lembrança histórica dos acontecimentos que lhe conferiram a glória.

O segundo tipo está na Odisséia e é representado por Ulisses. Ao contrário da ousadia e da ação desmedida de Aquiles, a ação de Ulisses se caracteriza pela astúcia, pelo ardil e pela prudência. Enfrenta as maiores tribulações e os maiores perigos, mas no final das contas, envelhecido, triunfa, retornando à sua Ítaca e à sua amada Penélope.

Lula estava mais para a tipologia de Ulisses do que a de Aquiles. Hannah Arendt chama a atenção para o fato de que há um enorme risco nesse segundo tipo de construção heróica do líder. Trata-se do fato de que a vida e o tempo têm um caráter corrosivo, problema enfatizado por Maquiavel. Ou seja: se o líder cessa de lutar pelas suas posições, se não repõe de forma permanente a sua atividade extraordinária capaz de produzir feitos memoráveis e gloriosos, inevitavelmente, os seus primeiros feitos sofrem uma espécie de ruína. Se Ulisses não tivesse enfrentando mares, tormentas, gigantes, deusas, sereias, monstros, o seu feito engenhoso com a construção do Cavalo de Tróia teria sido um acontecimento menor e suscetível de esquecimento no tempo.

Lula corre esse risco se se deixar abater pela crise e se permanecer na defensiva, permitindo que os seus inimigos, as circunstâncias da crise, o tempo e a fortuna erodam os seus feitos. Em política sempre é preciso pressupor que após a bonança vem a tempestade. O político prudente age com antecedência e com clarividência, prevenindo a fúria destruidora dos rios enraivecidos da fortuna. Não pode sentar-se sobre o que construiu e o que conquistou exatamente porque o tempo leva tudo à ruína.

Por que Lula deve agir

Tal como o PT, Lula se retraiu após as eleições de 2014 e o recrudescimento do escândalo da Petrobras. Enquanto o PT permanece num beco sem saída, Lula dá sinais de que retorna à atividade. Existem quatro razões centrais que determinam que Lula retome a atividade política de forma intensa, buscando evitar o “esfarelamento” do seu projeto político.

A primeira diz respeito a 2018. O enfraquecimento político de Dilma retirou-lhe a condição de se constituir em campo gravitacional de forças políticas com vistas a oferecer uma perspectiva futura de poder. A fraqueza do governo provoca um movimento dispersivo de forças, inclusive de forças governistas. Procuram-se alternativas mais atrativas ou até mesmo cogita-se a construção de um caminho próprio, como é o caso do PMDB. Lula precisa entrar no jogo exatamente para reverter essa tendência, criando um movimento no sentido contrário, reorganizando e aglutinando forças em torno de si, oferecendo uma perspectiva de poder com sua possível candidatura.

Mas Lula precisa parecer ser candidato sem confirmar que é. Se disser que é, verá um turbilhão de lava incandescente descer sobre si. Com a ambigüidade de mostrar ser candidato e não confirmar que é, terá mais liberdade de agir, de articular, de barganhar e de fazer o jogo da astúcia e do ardil. Terá cacife para atrair interlocutores, negociar, sugerir soluções para os problemas, barganhar, pois constituirá uma perspectiva de poder futuro, algo fundamental para jogar o jogo político.

Em segundo lugar, Lula precisa agir para exercer a função de substituto do PT. Neste momento, Lula ainda é maior do que o PT, que enfrenta forte rejeição da sociedade e mostra-se incapaz de reagir e de sair da lona. As lideranças do partido, particularmente no Congresso, não são levadas muito a sério. O PT perdeu o comando da articulação política do governo e o vê exercido por Michel Temer e por Joaquim Levy, hoje os dois ministros que conferem credibilidade a um ministério com petistas apagados. Ademais, o PT vem perdendo apoio social e militância e essa hemorragia precisa ser estancada.

Lula precisa fazer o jogo da ambigüidade em duas outras frentes. Em terceiro lugar, não pode descuidar da base social do PT – os sindicatos e a CUT. Neste terreno, precisa fazer críticas ao ajuste fiscal, ao menos no que toca à parte que os trabalhadores terão que pagar pela sua implementação. Mas há que se ter uma calibragem aqui, pois sem o ajuste fiscal o governo não terá condições de se recuperar. As críticas precisam ser temperadas para evitar riscos de derrotas políticas do governo.

Em quarto lugar, Lula precisa ser o principal defensor do governo Dilma, pois a possibilidade de processo de impeachment, embora tenha perdido fôlego, não está ainda totalmente afastada. Lula precisa sinalizar que há um limite para o avanço da oposição e de outros setores contra o governo. Ultrapassado esse limite, que seria o processo de impeachment, indica-se que haverá briga. Por mais difícil que seja a situação, a apatia e o silêncio de Lula, neste momento, podem ser-lhe fatais. Se não teve a prudência necessária para construir os diques da segurança das conquistas alcançadas, terá que ter a ousadia agora para enfrentar águas revoltas para não perder ver destruído o que construiu.

(*) Aldo Fornazieri é Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

(Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)

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