Apesar de protesto feminista, deputados chilenos aprovam processo constituinte sem igualdade de gênero

Direita boicotou artigos que permitiam maior inclusão e representatividade no processo constituinte; movimento feminista marcou presença durante a sessão e uma ativista conseguiu invadir o plenário pouco antes da votação

Foto: Agência Uno
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Em sessão bastante conturbada, ocorreu nesta quarta-feira (18) a votação na Câmara dos Deputados para definir as regras do processo constituinte que ocorrerá no Chile em 2020. Com 127 votos a favor, 18 contra e 5 abstenções, os deputados aprovaram a emenda que estabelece a realização do plebiscito em abril, que iniciará o processo, com a consulta sobre se a população chilena quer ou não uma nova constituição, conforme o acordo que foi realizado no final de novembro, entre governo e parte da oposição. A consulta também perguntará sobre a fórmula para realizar essa nova constituição, e haverá a opção de votar por uma assembleia constituinte, que seria inédita na história do país. A jornada não parou por aí, e a partir da segunda votação, iniciou-se a confusão. O projeto original de acordo para o processo constituinte continha um artigo sobre igualdade de gênero (50% de participação de homens e mulheres entre os representantes constituintes) e cotas especiais para as nações indígenas chilenas na conformação da assembleia constituinte, razão pela qual setores como o Partido Comunista e a Frente Ampla aceitaram votá-lo. Porém, na votação desta quarta, a direita resolveu que não está mais a favor dessas ideias: a proposta teve maioria simples, com 80 de votos a favor, 62 votos contrários e 7 abstenções, mas precisava de dois terços para ser aprovada - ou seja, 102 votos. Agora, a proposta vai para o Senado, onde a maioria da direita deve ratificar o resultado desta quarta. Outra incógnita é como esse resultado será absorvido pelos movimentos sociais nas ruas. O acordo constituinte de novembro não acabou com as manifestações diárias no país, que se realizam desde 18 de outubro, mas conseguiram diminuir o número de participantes. Porém, essa menor reação social também tem a ver com o fato de que o anúncio no dia do acordo incluía os artigos que foram rejeitados nesta quarta. Protesto feminista Um indício de que a população pode não aceitar este resultado é que o movimento feminista marcou presença nas tribunas do Congresso durante a votação, antevendo a derrota, após o partido pinochetista UDI (União Democrata Independente) anunciar que boicotaria a proposta. Algumas ativistas chegaram a realizar a performance “Um estuprador em seu caminho” no salão “El Pensador”, bem ao lado da entrada do Plenário da Câmara. Após a intervenção, o grupo tentou invadir a sala de votação, e uma das ativistas conseguiu entrar e fazer seu protesto. Quando um grupo de seguranças tentou prendê-la, a deputada comunista Karol Cariola interviu em seu favor e permitiu que ela pudesse fazer sua manifestação, apesar das reclamações de algumas deputadas de direita que estavam por perto. Na saída do plenário, a deputada Camila Rojas, da Frente Ampla, declarou que “é lamentável o que a direita fez hoje aqui. Uma vez mais, eles deram as costas aos milhões chilenos que estão nas ruas exigindo uma mudança, além de mostrar que não têm nenhum respeito pelas mulheres, nem pelos povos indígenas, mas nós não vamos desistir, e vamos estudar outras formas de garantir que as propostas rejeitadas hoje sejam recuperadas”. Paralelamente a isso, a Comissão de Constituição e Justiça da mesma Câmara, avaliou e votou em caráter de urgência um projeto de reforma para incluir somente a questão da igualdade de gênero, que foi aprovado com quatro dos sete votos. Após essa pequena vitória, a Frente Ampla e alguns partidos de centro-esquerda tentaram levar a votação do novo projeto imediatamente ao plenário da Câmara, mas os partidos UDI e Evópoli (Evolução Política, sic) boicotaram a iniciativa, e ainda questionaram a validade do resultado da Comissão, por ela ter sido convocada às pressas, sem estar antes na agenda do dia. Às 19h30, não havia acordo para permitir a votação da proposta ainda nesta quarta-feira. Porém, o Senado repôs em sua agenda o artigo sobre paridade de gênero e cotas protegidas para nações indígenas, apesar dele ter sido rechaçado na Câmara. Isso significa que a Câmara Alta poderia aprovar essas matérias – embora a maioria da direita nessa instância faça com que isso seja muito difícil na prática.