ARTIGO: A emergência da futura potência mundial

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Em artigo, o fundador da IPS discute a posição de China e Índia, gigantes asiáticos candidatos a superpotência do século.

Por Roberto Savio

É possível que dentro de 20 anos este século não seja norte-americano, nem europeu, mas asiático. O que se debate é se a futura potência mundial será a China ou a Índia. No momento, não há dúvidas de que a China leva a dianteira. Nos últimos 25 anos, a China instrumentalizou um programa de reformas econômicas, uma combinação de políticas governamentais e de iniciativa privada em níveis locais com a utilização de trabalho eficiente e barato no contexto de uma economia aberta ao comércio internacional que atrai ingentes investimentos estrangeiros e importação de tecnologias.

Em 2006, foram investidos na China US$ 60,3 bilhões contra US$ 4,6 bilhões na Índia. O grau de alfabetização chinês é de 90%, contra 60% na Índia. Este país conseguiu nos últimos anos um respeitável aumento da média de produtividade (4,1%), mas a China o superou com 8.7%. Nos últimos 15 anos, o grau de ocupação no setor de serviços triplicou na China, enquanto na Índia aumentou 20%.

Os partidários da Índia têm uma visão diferente. Destacam a vantagem de contar com empresas que estão integradas à economia mundial desde os tempos da colonização britânica, como demonstram as ofertas de aquisição da Mittal Steel pela Arcelor e da Tata Steel pela Corus. A Índia vem imediatamente depois da China quanto ao crescimento e, embora a maioria de sua população tenha baixo nível educacional, possui o maior número de engenheiros e cientistas no mundo e é o maior centro de terceirização de informática e serviços telemáticos.

Segundo os defensores da China, a emergência da Índia está sendo superdimensionada com a intenção de servir de contrapeso à inevitável ascensão da China como primeira potência mundial até 2025. A expansão chinesa provoca temores. Em 1975, o produto interno bruto da Índia superava o da China em 9%, hoje o PIB indiano é de apenas 40% do chinês. A China se converteu em um motor fundamental da economia planetária, que a cada ano recicla seu superávit comercial de US$ 124 bilhões com os Estados Unidos mediante a compra de bônus do Tesouro norte-americano. Está acelerando o processo de urbanização e estima-se que 400 milhões de camponeses mudarão para as cidades antes de 2020, passando dos atuais 41,8% para 75% de urbanização. Nos países ocidentais uma transformação semelhante demorou três séculos.

A atitude chinesa consiste em minimizar sua projeção global. Em conversas privadas os dirigentes chineses afirmam que só quando seu país conseguir resolver seus problemas internos – não antes de 2025 – poderá ocupar-se dos assuntos internacionais. Aqui surge uma questão capital: se a mágica data de 2025 tiver fundamento, significa que a China está destinada a desempenhar um papel de potencial mundial em qualquer caso e mais além de suas intenções. Recordamos que em função de seu crescimento Pequim requer imensas quantidades de matérias-primas, particularmente petróleo, do qual importa 70% dos 5,5 milhões de barris que consome diariamente. Calcula-se que essa quantidade duplicará nos próximos anos que isto levará a um choque de interesses com os Estados Unidos, extremamente sensível em matéria de petróleo.

Em conversações privadas, o presidente Hu Jintao prevê que no ritmo atual de endividamento com a China não é plausível que Washington possa ter alguma capacidade de pressionar Pequim e acrescenta não ser realista a hipótese de um conflito militar que – afirma – os Estados Unidos não poderiam vencer. Além da imensa quantidade de bônus norte-americanos que poderia vender, a China poderia converter em euros os US$ 680 bilhões de suas reservas, subjugando a economia norte-americana. Os dirigentes de Washington afirmam que essa hipótese é absurda porque, devido à interdependência dos dois países, a crise também atingiria a China. Hu Jintao diz que essa tese é aceitável enquanto Washington se comportar corretamente, mas que se os norte-americanos optarem por enfrentar a China, uma manobra monetária lhe seria menos custosa do que uma guerra.

Em sua visita a Nova Délhi, Jintao afirmou que “o caminho de empreendimentos e o ritmo de nosso desenvolvimento têm grandes implicações para a paz e o desenvolvimento da Ásia e do mundo. A Índia e a China têm um interesse comum no avanço do multipolarismo e da democratização das relações internacionais”. Para os observadores chama a atenção o fato de a única vez que Jintao falou de multipolarismo e democratização das relações internacionais tenha sido em referencia aos interesses comuns de Índia e China.

Isto pode se referir ao início de uma nova entidade geopolítica, Chíndia, onde mais de dois bilhões de pessoas integrariam um bloco sem precedentes na história? Por que lutar entre eles (e por conta de outros) quando aliando-se o resto do mundo se torna irrelevante? A Índia tem os mesmos problemas que a China em relação a energia e matérias-primas: ou os enfrentam juntas ou um confronto será inevitável, com ou sem manobras externas.

Como será o ordenamento planetário em 2025? Multipolar, com China e Índia potências mundiais ou apenas a China no timão? Não sabemos, mas é importante destacar que em qualquer caso se tratará de uma hegemonia diferente da norte-americana, baseada sobre seus próprios valores e estilo d vida. Não é concebível que a China pretenda impor seu próprio modelo político, sua culinária, sua musica e seu modo de vestir em todo o mundo. Na história chinesa tem existido uma proverbial falta de interesse pela vida além de suas próprias fronteiras.

O Império do Meio era o centro da harmonia e da civilização, de fora estavam os bárbaros contra os quais se construiu uma muralha gigantesca. Estaremos diante de um grande império comercial, onde, provavelmente, os interesses chineses se sobreporão a todos os demais, com franca indiferença pela justiça social internacional ou pelo sort dos fracos, de acordo com a milenar tradição chinesa.

Envolverde/ IPS