ARTIGO: Viva a revolução!

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O jornalista faz uma crítica do filme "V de vingança", avaliando que qualquer pessoa de esquerda ou simpática às lutas por justiça e igualdade vai lavar a alma com esse filme criado a partir de história de Alan Moore.

Em certo momento da graphic novel “V de Vingança”, um dos personagens descarrega todas as balas de seu revólver contra o protagonista da história que, mesmo assim, continua avançando sobre ele. “Por que você não morre?”, grita desesperado. A resposta: “Não há carne e sangue dentro deste manto, há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas” (dá até para imaginar um certo cidadão da extrema-direita tupiniquim fazendo essa pergunta depois que seu sonho de “acabar com uma certa raça” não deu muito certo). Essa é a força que está por trás da história criada por Alan Moore (o mesmo de “Watchmen”) levada aos cinemas pelas mãos dos criadores da contestadora série “Matrix”, Larry e Andy Wachowsky, que desta vez apenas assinam o roteiro e produzem. Qualquer pessoa que seja assumidamente de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social e igualdade vai lavar a alma com esse filme, dirigido com precisão por James McTeigue, que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade. Trata-se, mais uma vez, de uma história passada num futuro próximo (2020), mas que reflete de maneira alegórica a nossa deplorável condição atual. E como reflete. O roteiro mostra o que seria a Inglaterra sob o domínio de um governo ditatorial de extrema-direita, que chegou ao poder aproveitando-se do caos generalizado que tomou conta do mundo graças às guerras infinitas provocadas pelos Estados Unidos (que no filme já se encontra à beira do colapso). Estimulando o medo, a intolerância racial, sexual e social e reprimindo a população por meio da violência, da religião e da intensa manipulação midiática, o novo governo lança mão também de um artifício aterrador: atos de terrorismo contra sua própria população. Tudo isso em nome de “salvar” a população e “libertar” o país. Já ouvimos tudo isso antes, não? Mas, ao contrário do que parece, “V de Vingança” não é um mero filme de ação e explosões (embora elas existam), e sim um intenso thriller político que, após um início truncado e titubeante, pega o espectador pelo colarinho e não larga mais. Para isso conta com dois trunfos: a atuação impecável de Natalie Portman, como Evey, que sofre uma transformação brutal tanto física quanto psicológica no decorrer da trama, e de Hugo Weaving (o Mr. Anderson de “Matrix”), que dá vida ao anarquista conhecido apenas como V e passa o filme todo coberto por uma máscara de Guy Fawkes, o lendário cidadão britânico que tentou explodir o parlamento inglês no século XVII. Verdade seja dita: nada mais difícil do que passar emoções a partir de um personagem mascarado (ainda mais quando a máscara é dura e totalmente inexpressiva como a usada no filme), mas, graças à entonação e à expressão corporal de Weaving a personalidade magnética de V cresce à medida que a trama progride, tornando-se arrebatadora no final. O filme é entrecortado por dezenas de diálogos brilhantes (“O povo não deveria temer seu governo. O governo é que deve temer o povo”) e reserva algumas seqüências absolutamente emocionantes, particularmente a da leitura de uma carta que traz um grito ensurdecedor contra a intolerância e a favor das diferenças e a cena que marca o despertar angustiante de Evey do seu estado anterior de letargia e alienação para o mundo real que a cerca. Quem já passou por esse doloroso, porém importantíssimo, processo vai ter dificuldades em segurar as lágrimas. Com tantos conteúdos abertamente a favor da revolução popular e do conceito marxista de que sociedades criadas a partir da exploração das classes fatalmente criarão seus próprios algozes (“ação e reação”), é natural que “V de Vingança” provoque críticas ferozes proferidas pelos defensores do sistema atual, sempre ligados aos setores mais conservadores e reacionários da sociedade que se expressam livremente por meio da sua imprensa corporativa. Mas esse tipo de reação histérica apenas dá mais força aos méritos dessa brilhante obra, que certamente vai ficar na cabeça das pessoas por um bom tempo - ao menos para aquela parcela dos espectadores que ainda se prestam a pensar e refletir sobre o que acabaram de assistir. Alan Moore, o autor da graphic novel original, rejeitou a adaptação e não quis nenhum tipo de envolvimento com o filme desde o seu início, tanto é que seu nome nem consta dos créditos (embora o desenhista David Loyd tenha participado ativamente). Azar o dele, pois “V de Vingança”, o filme, não causa nenhum demérito à história em quadrinhos. Afinal, mesmo com várias mudanças e acréscimos (principalmente na conclusão que ficou um pouco ingênua apesar do forte apelo alegórico), o conceito principal permaneceu intocado: ideais nunca morrem - e sem eles não somos nada. André Lux, jornalista e crítico de cinema. (http://tudo-em-cima.blogspot.com/)