As soluções do mercado verde

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O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, comitê de cientistas ligado à ONU) tornou insustentável a posição estadunidense de negar a responsabilidade humana no aquecimento global.

Por Por Rafael Evangelista   O mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, comitê de cientistas ligado à ONU) tornou insustentável a posição estadunidense de negar a responsabilidade humana no aquecimento global. Em 2001, o IPCC considerou ser “provável”, com 66% de chance, a hipótese de que a queima de combustíveis fósseis, entre outras atividades poluidoras, estivesse levando a um aumento da temperatura do planeta desde meados do século XX. Entretanto, no último documento divulgado em 2 de fevereiro, essa probabilidade subiu para 90%, sendo classificada como “muito provável”. Mas a novela do parecer da ONU sobre o aquecimento global não acabou: será um drama em três atos. No início de abril, o comitê deverá lançar um novo relatório, falando sobre o impacto da mudança climática para a vida humana e o meio ambiente. E, no início de maio, um novo documento tratará das medidas possíveis para mitigar o problema. É para este último parecer que a administração de George W. Bush está arregalando os olhos. As medidas mitigatórias seriam uma maneira de se tomar atitudes públicas sobre o assunto sem enfrentar a raiz do problema: a alta emissão de gases que levam ao efeito estufa. De quebra, seria possível fazer novos negócios, explorando novas tecnologias para o consumo de gás carbônico e até mesmo para resfriamento induzido da temperatura da Terra. “Vamos parar de debater se os gases estufa são causados pela ação humana ou são produto da natureza e vamos nos ater às tecnologias para lidar com o problema”, propôs o presidente estadunidense George W. Bush, ainda em maio do ano passado. O problema, alertam as organizações ambientalistas, é que essas tecnologias, que mais parecem saídas de um filme de ficção científica, envolvem um risco alto de desastre ecológico e têm eficácia bastante duvidosa. Um rápido exame de algumas dessas propostas, que já estão sendo testadas ativamente nos dias de hoje, é suficiente para dar a dimensão do risco envolvido. Seqüestro induzido A proposta que tem recebido mais atenção e suporte financeiro nos últimos 15 anos busca aumentar artificialmente o seqüestro de carbono nos oceanos. Partindo da suposição de que um aumento do fitoplâncton levaria a um maior consumo de gás carbônico, cientistas estadunidenses e europeus estão tentando “fertilizar” os mares. Fitoplânctons são algas microscópicas que servem de alimento para organismos marinhos, cuja proliferação poderia ser induzida ao se jogar partículas de ferro em certos trechos do oceano carentes da substância. Experimentos estão sendo realizados desde 1993, patrocinados por Japão, Canadá, União Européia e, principalmente, pelos Estados Unidos, por meio de sua fundação de apoio à ciência, a National Science Foundation (NSF). Mais recentemente, empresas privadas têm se ocupado do negócio, de olho na venda de créditos de carbono (o direito de emitir mais gás carbônico) a outras empresas. Os testes, até agora, têm sido realizados em áreas que vão de 50 a 150 quilômetros quadrados. A Planktos Inc., empresa que se intitula de “eco-restauração” e que já vende cotas para indivíduos que querem compensar financeiramente o dano que causam ao meio ambiente, planeja iniciar sua experiência piloto em abril de 2007, em algum lugar entre o Havaí e a Polinésia Francesa. Os efeitos da “fertilização” podem atingir uma área 22 vezes maior do que aquela onde ocorreu o experimento. Nessa área, foi registrado um aumento de dez vezes na concentração de fitoplâncton. Porém, não há dados conclusivos sobre o quanto de carbono foi seqüestrado e nem por quanto tempo esse eventual seqüestro pode durar. Há temores sobre que efeitos na cadeia alimentar e no meio ambiente poderá ter o aumento de fitoplâncton em regiões específicas dos oceanos. Muitas delas, embora sejam pobres nesse microorganismo, são ricas em nutrientes, que se espalham naturalmente por outras regiões devido às correntes marinhas. Mark Lawrence, pesquisador do Instituto Max Planck, escreveu carta à revista científica Science, que publicou artigo sobre o assunto, alertando que esse tipo de prática em larga escala pode afetar a camada de ozônio e aumentar a radiação sobre a Terra. Segundo ele, os interesses comerciais não devem levar a uma minimização dos efeitos colaterais da tecnologia. Mas os negócios estão crescendo. Em dezembro de 2006, a empresa estadunidense Climos anunciou a contratação de Margaret Leinen como chefe do departamento de ciências da empresa. Anteriormente, Leinen ocupava o cargo de diretora assistente de Geociências da NSF, onde administrava um orçamento anual de US$ 700 milhões em investimentos em pesquisa. Um céu menos azul A idéia surgiu ao se observar os efeitos da erupção dos vulcões El Chichón, em 1982, e Monte Pinatubo, em 1991. A emissão de enxofre foi tão grande que causou um resfriamento do planeta, dado o bloqueio da luz solar que se seguiu. Paul Crutzen, vencedor do prêmio Nobel e professor do Instituto Max Planck, na Alemanha, quer repetir esse efeito borrifando partículas nanométricas de sulfato de enxofre na estratosfera. O próprio Crutzen, contudo, afirma que essa seria uma solução emergencial, a ser realizada se nada mais surtir efeito. Segundo ele, a poluição derivada da entrada dessas partículas na atmosfera pode levar a mais de meio milhão de mortes prematuras. Como efeito colateral, Philip Rasch, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA, adiciona ainda que pode haver alteração nos padrões de chuvas nas áreas tropicais. O estadunidense Alan Robock, da Universidade Rudges, alerta para uma possível acidificação do oceano e para problemas na camada de ozônio. “Teríamos também um pôr-do-sol mais belo, porém um céu menos azul.” Na mesma linha de buscar um bloqueio da radiação solar está a proposta do professor da Universidade do Arizona, Roger Angel. Ele quer depositar, a uma altura de 1,5 milhão de quilômetros da Terra em direção ao Sol, 16 trilhões de pequenos espelhos, com aproximadamente um metro de diâmetro e bastante finos. A proposta é trilionária, mas seu autor a enxerga como viável, já que o custo do aquecimento global deve atingir entre 5% e 25% da economia mundial nos próximos anos. Gerando mais petróleo Que tal varrer o problema para debaixo do tapete? Ou melhor, que tal pegar todo esse gás carbônico que vai para a atmosfera e enfiálo debaixo da terra, de preferência em poços de petróleo já esvaziados? Melhor ainda se, ao fazer isso, for possível extrair mais um pouquinho de petróleo. A iniciativa, que representa o melhor dos mundos para a indústria de combustíveis fósseis – já que além de extrair petróleo ainda pode ganhar seus próprios créditos de carbono –, já está em operação, em uma ação conjunta da empresa petrolífera En- Canada e o Centro de Pesquisa de Tecnologia do Petróleo do Canadá. É a maior operação de seqüestro de carbono do mundo. O dióxido de carbono, pressurizado e transformado em líquido, é injetado em rochas porosas do poço de petróleo. O gás fica por lá e as rochas soltam... mais petróleo! O processo de coleta, transporte e liqüefação do gás é caro, mas se calcula que, até 2033, o projeto terá armazenado 25 milhões de toneladas. O risco é que algum outro projeto de exploração atinja acidentalmente o reservatório. David Keith, físico e economista que integrou uma comissão de cientistas encarregada de sugerir respostas ao aquecimento global para o governo dos Estados Unidos, alerta que também poderia ocorrer um vazamento lento, imperceptível. “Se você entrar em um porão cheio de gás carbônico não vai nem sentir o cheiro, mas aquilo vai matá-lo.” Larry Lohmann, especialista autor do livro Carbon Trading, afirma que o mercado de créditos de carbono está levando ao surgimento dessas propostas caras e pouco sustentáveis, que não combatem a emissão dos gases. “É um sistema que permite que se continue a poluir. O problema é que o estrago causado por uma conseqüência não calculada dessas soluções vai levar a um novo desastre ambiental, que levará a uma nova solução de mercado.” Pat Mooney, do ETC Group, afirma que nenhuma dessas práticas, conhecidas como de geoengenharia, deve ser adotada unilateralmente por nenhuma nação, sob o risco de afetar o ambiente global. O ETC Group, em recente comunicado, pede que nenhum desses experimentos aconteça sem que seja precedido de um debate público informado sobre seus efeitos