As forças do trabalho venceram

Escrito en NOTÍCIAS el

Vinte anos após a disputa de sua primeira eleição governamental (governador do Estado de São Paulo), Lula, o metalúrgico, chega ao posto máximo de comando da Nação. Não seria pouca coisa em qualquer país do mundo. Mas no Brasil essa vitória, além de inédita, apresenta-se carregada de um simbolismo especial.

Na história do país, há vários exemplos de participação no processo eleitoral por operários. Mesmo que sem chances, era algo a ser registrado, sobretudo quando se conhece a natureza selvagem do capitalismo brasileiro, senhor de contumaz exercício autoritário e antidemocrático do poder.

Em 500 anos de vida, o Brasil possui menos de 10% desse tempo compreendido por experiências democráticas. Na maioria das vezes, aliás, exercidas por representantes dos interesses de cima da sociedade.

No caso da conquista de Lula, que emerge como vitória das forças do trabalho, há dúvidas sobre a capacidade de transformar efetivamente o país. Certamente, o desafio de fazer deste país uma democracia participativa e multirracial, com oportunidades homogêneas para todos, vai exigir empenho especial.

Além disso, o enfrentamento da problemática do trabalho assume grande relevância, seja pela trajetória de Lula, seja pelo fato de, pela primeira vez em eleições presidenciais, o tema do desemprego ter ganhado a centralidade na agenda dos debates.

Atualmente, sabe-se que as possibilidades do trabalho neste novo milênio e, sobretudo, no Brasil, onde tem sido recorrentemente desvalorizado, estimulam grandes questionamentos. No mundo moderno, o computador pessoal, a internet, o impulso da biotecnologia, entre tantos outros descobrimentos, conformam uma nova classe que vive do trabalho: os analistas simbólicos.

Mas no Brasil isso ainda faz parte de uma parcela relativamente pequena da população nacional, combinando de forma esquizofrênica o que há de mais moderno com traços ultrapassados de uso do trabalho somente comparáveis ao século 19. Não são poucos os casos de trabalho escravo e ainda a alta presença de crianças, idosos e doentes no mercado de trabalho.

A razão é simples. Enquanto a renda existente continua sendo má distribuída, o avanço da produção e, por conseqüência, da ocupação, não acontece, pois encontra-se subordinado à vassalagem dos especuladores, principais ganhadores do modelo econômico neoliberal desde 1990.

Destacam-se de algumas experiências internacionais recentes, como nos casos dos Estados Unidos (Clinton), Alemanha (Schoreder) e Inglaterra (Blair), em que as propostas de mudanças do modelo neoliberal foram as vencedoras e o tema do emprego ocupou lugar central nos debates eleitorais. Cada um, a seu jeito e com suas condições, procurou trilhar caminhos de exercício de outra política econômica e social que não terminasse comungando com o neoliberalismo.

No caso do Brasil, o compromisso com o crescimento econômico sustentável, capaz de alavancar o emprego e as reformas civilizatórias do capitalismo brasileiro, é simplesmente fundamental. Não há outra saída.

Em se tratando de Lula, sabe-se que não se pode mais postergar as reformas agrária, tributária e social. Com mais terra para trabalhar e produzir, progressão nos tributos para efetuar a melhor distribuição de renda e a universalização da saúde, educação e a previdência e assistência, o Brasil será de todos.

O processo civilizatório e inclusivo social e economicamente bate à porta dos brasileiros. Coube a um ex-metalúrgico a tarefa grandiosa e singular – somente associada aos grandes estadistas – de descortinar o novo horizonte da justiça, do bem-estar e da solidariedade.

Marcio Pochmann é professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo