Assédio sexual online e comportamentos invasivos

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Diversos comportamentos misóginos são profundamente naturalizados na sociedade, que considera tais atitudes perfeitamente aceitáveis e até saudáveis. Para entender, basta lembrar-se de um exemplo que é conhecido muito bem pelas mulheres, sobretudo na internet: o habitual ato masculino de enviar fotos do próprio pênis sem que isso seja solicitado. Não precisa dar muito papo - às vezes, não é nem mesmo necessário haver qualquer diálogo. Em algum momento, você pode ser surpreendida com uma foto de um pênis ereto, geralmente acompanhado de alguma frase sexualmente explícita. É no mínimo incômodo e intrusivo. Afinal, na maioria das vezes, esses homens de fato perseguem as mulheres para quem enviam as fotos e insistem no avanço sexual por dias ou semanas, sem qualquer noção de horário, contexto e, obviamente, sem a menor preocupação com a falta de respeito. Para muitas pessoas, é fácil compreender que um "tarado" que faz insinuações sexuais e, de repente, mostra o pênis para uma mulher na rua ou em um ônibus, não passa de um assediador. As feministas, de modo geral, compreendem que esse comportamento gera uma experiência traumática - isso é violência contra a mulher e é misoginia, porque rouba da mulher seu direito ao espaço público. Mas quando esse mesmo tipo de coisa acontece na internet, nas redes sociais ou no Whatsapp, por exemplo, muitos acham que reclamar de tais atitudes é moralismo, frescura, escândalo ou drama, entre outras palavras especialmente destinadas às mulheres. É preciso compreender que mesmo que essas atitudes aconteçam pela internet, isso não significa que elas não causem sofrimento. É ainda mais sintomático perceber que muitos desses assediadores fazem tudo isso de forma escondida, pois pensam que ninguém descobrirá suas práticas. Não é incomum, por exemplo, que peçam para as mulheres que não contem nada a ninguém, pois eles já se relacionam com uma outra mulher de forma "oficial" – para em seguida bombardeá-las com fotografias e insinuações sexuais constantes. Esse é um típico comportamento machista, que resulta em mulheres trocando seus endereços de e-mail, números de telefone e contas em redes sociais, pois não aguentam mais abrir seus espaços e encontrarem fotos de pênis com frases pornográficas. É perfeitamente normal que as pessoas tenham fetiches e fantasias sexuais. O problema de abordar desconhecidas com esses fetiches está na invasão e no padrão machista de invalidar completamente o "não" das mulheres. Ou seja, o problema está em abordar essas mulheres assumindo de antemão que elas vão gostar de receber uma foto do pênis ereto e que vão curtir receber nome de "putinha", "vagabunda", entre outros termos similares. O consentimento é a chave de tudo. É inadmissível que um homem aborde mulheres insistentemente com assuntos sexualmente explícitos, as forçando a lerem suas propostas e seus pensamentos impositores e culminando com o envio de uma foto de seu pênis ereto – muitas vezes incluindo a presença de esperma, para mostrar que "gozou" pensando na moça. Esse tipo de atitude é uma violência; é a reprodução direta da mentalidade de que mulheres estão sempre disponíveis e passivas, sempre vulneráveis ao ato sexual masculino que, nesses casos, é dominador. Além disso, essa insistência, sem respeitar a escolha de distanciamento da mulher, não é uma postura de alguém que respeita o consentimento alheio. É completamente inaceitável que qualquer homem se dedique por períodos prolongados a "convencer" uma mulher a gostar de ser chamada de vadia e a “apreciar” fotos-surpresa de pênis. E se o consentimento mútuo já é essencial para qualquer ato sexual, as práticas mais inconvencionais requerem esclarecimento explícito de todas as partes envolvidas, que também devem ser adultas. É o que acontece, por exemplo, no BDSM, onde todos devem estar perfeitamente conscientes de todos os riscos para que o sexo não termine em tragédia. É necessário viver seus fetiches de forma saudável, respeitando o "não" e o "sim" dos demais. Ninguém pode sair por aí assumindo que o outro curte determinada prática sexual e muito menos envolver terceiros que nem sequer sabem o que está acontecendo. Valores tão básicos como esses deveriam ser compreendidos plenamente. No fim das contas, a decisão sobre o que é ou não assédio sexual e violência contra a mulher não está nas mãos de quem assedia ou aceita a violência sob eufemismos. Levantar a voz contra esse assédio não é moralismo e não podemos cair na armadilha de abrir concessões para o assédio sexual. Precisamos abrir os olhos para os padrões de comportamento que se repetem de forma compulsiva e perpetuam a ideia do masculino dominador e do feminino subjugado. Denunciar a violência e levantar a voz é uma grande defesa para todas as mulheres - especialmente em uma sociedade onde tantas ainda não possuem coragem para romper o silêncio. Todos podem viver uma sexualidade livre, sem preconceitos e sem paradigmas. Mas para isso, ainda é necessário aprender e disseminar os conceitos de consentimento, respeito pelo espaço do outro, autonomia e liberdade de escolha. Se as mulheres se sentem acuadas e intimidadas, se têm medo de dizer não a um avanço sexual, de recusar uma prática específica ou mesmo desistir do ato, é sinal de que as práticas de assédio e estupro ainda estão cobertas por panos quentes em nossa cultura. Ninguém tem o direito de ignorar o "não" de uma mulher e ninguém tem o direito de abordar mulheres de forma invasiva assumindo que elas dirão "sim". O direito da mulher de não ser assediada é um direito assegurado por lei. Assédio sexual é crime. Foto de capa: Reprodução / Facebook