Assentamentos na Cisjordânia “servem à vigilância de Israel”, diz pesquisador

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Áreas ocupadas pelo Estado israelense impedem circulação de palestinos e servem como forma de controle Por Júlia Dolce, do Brasil de Fato, e Victor Labaki, da Revista Fórum Apesar de terem oficialmente outras funções, como desapropriação para criação de áreas de treinamento militar, grande parte das demolições na Cisjordânia visa ceder espaço aos assentamentos israelenses, que consistem em comunidades fechadas para os palestinos. Os assentamentos tomam parte dos recursos básicos da região e ainda servem como formas de controle, impedindo a livre circulação de pessoas e inibindo a unidade e o desenvolvimento de vilas e cidades palestinas. Frequentemente localizados no topo de montanhas, os assentamentos – carregados de aparato, barreiras e segurança militares – personificam, em menor escala, a vigilância do Estado de Israel. É o que aponta o pesquisador brasileiro Bruno Huberman, que concluiu mestrado em 2014 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sobre o uso político dos assentamentos por parte do governo de Israel. Ele explica que para conseguir exercer essa vigilância, os assentamentos são colocados em pontos estratégicos do território palestino. “Os assentamentos são partes do controle. Junto com o muro e a vigilância, eles têm esse caráter duplo: você expande o território que pode colonizar, tem acesso a aquíferos, terra arável e controle da fronteira com a Jordânia; e, ao mesmo tempo, você controla a população palestina que é contra a ocupação militar. Os colonos auxiliam na vigilância. Os próprios assentamentos têm armamento e câmeras. É uma estratégia que começou nos anos 1970”, afirmou. Os assentamentos são interligados com estradas, túneis e pontes de acesso restrito aos israelenses, o que também contribui para deixar ilhadas as comunidades palestinas. “A solução final é construir uma continuidade de transporte entre os arquipélagos palestinos. São dois territórios, com duas legislações distintas para duas populações. É apartheid”, explicou Bruno. Acesso à água Em relação aos recursos hídricos, os moradores dos assentamentos recebem três vezes mais água do que os palestinos. Segundo dados da organização não governamental Ewash, que monitora a distribuição de água na Cisjordânia, os palestinos recebem por volta de 73 litros de água per capita, abaixo dos 100 litros recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Por outro lado, os assentamentos israelenses costumam receber por volta de 240 litros por pessoa. O motivo da desigualdade da distribuição de água se deve ao fato de todo o abastecimento na Cisjordânia ser feito pela empresa israelense Mekorot. Em boletim divulgado em março de 2016, a Ewash estimou que cerca de 1,8 milhão de palestinos em Gaza e na Cisjordânia não tiveram acesso à água de qualidade em 2015. “Os colonos têm tudo que eles precisam dentro de um assentamento, creches, escolas. Eles têm até piscinas. Os palestinos não têm água, e eles têm até piscina”, disse o palestino Ahmad Abu Haniya, membro da agência de notícias palestina-israelense Alternative Information Center (AIC), ao comentar sobre o assentamento Har Homa, localizado próximo à cidade de Belém. “Os judeus recebem dinheiro e casas financiadas para morar nos assentamentos. É uma vida bastante barata para eles”, continuou. De acordo com Lubna Shomali, membro da Badil, organização que luta pelo direito dos refugiados, o assentamento de Har Homa costumava pertencer a famílias palestinas. “Basicamente o que eles fazem é confiscar e tomar controle da terra, utilizando políticas contemporâneas de transferência. Eles declaram as residências como ilegais e chamam companhias de construção. Har Homa, antes de 1996, foi zoneada como uma reserva natural pelo governo israelense. Eles plantaram árvores e esperaram elas crescerem. Depois, logo que o [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro de Israel] assumiu, cortaram as árvores e começaram a construir a colônia”, explicou. Segundo Ahmad, boa parte das construções nos assentamentos ainda estão vazias por falta de moradores. “Eles deixam as luzes ligadas para as casas parecerem ocupadas, mas dá para ver que não tem ninguém. E, mesmo assim, eles continuam construindo”, disse o integrante da agência de notícias palestina-israelense, enquanto apontava para além da cerca que limita a travessia de palestinos. No local, uma placa destacava o “risco de morte” para quem cruzasse a barreira. “Infelizmente, não podemos provar porque Israel não disponibiliza nenhum dado oficial sobre o número de pessoas vivendo nos assentamentos. É muito mais interessante para o Fundo Nacional Judeu dizer que há mil casas ocupadas em vez de 500. Há indicações de que grande parte das casas estão vazias, mas não podemos provar”, lamentou Lubna. Foto: Júlia Dolce/Brasil de Fato