Associações acadêmicas repudiam Capes por prêmio de sustentabilidade em parceria com a Vale

Mineradora foi eleita como a pior empresa do mundo em termos de direitos humanos e sustentabilidade

Vale recebeu o título de pior empresa do mundo em direitos humanos e meio ambiente (Foto: Ag. Pública)
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Mineradora foi eleita como a pior empresa do mundo em termos de direitos humanos e sustentabilidade

Da Redação 

[caption id="attachment_20903" align="alignleft" width="300"] Vale recebeu o título de pior empresa do mundo em direitos humanos e meio ambiente (Foto: Ag. Pública)[/caption]

Representantes de diversas associações acadêmicas enviaram uma carta ao presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em repúdio ao “Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade”.

O prêmio é voltado para teses e dissertações sobre temas ambientais e é fruto de uma parceria entre a Capes, agência vinculada ao governo federal, e a mineradora Vale.

Acontece que a empresa de mineração foi considerada a pior empresa do mundo no que diz respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Com cerca de 25 mil votos, a Vale recebeu o “título” do  "Public Eye People´s 2012”, premiação as avessas organizada pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna.

Condições desumanas de trabalho, pilhagem do patrimônio público e exploração da natureza estão entre as denúncias que garantiram o “título” da Vale.

A empresa também responde a 111 processos judiciais e 151 administrativos, além de ser a campeã de multas aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Leia a carta na íntegra:

“Nós, representantes de associações acadêmicas, professores e pesquisadores abaixo-assinados, viemos a público declarar que consideramos inadequada a instituição do chamado “Prêmio Vale-Capes de Ciência e Sustentabilidade”, visando a premiar Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado associadas a temas ambientais e socioambientais. É de conhecimento público que as práticas da Vale S.A. são, com grande frequência, avaliadas como impróprias do ponto de vista social e ambiental, em muitos casos com implicações legais, conforme registrado por inúmeros trabalhos de pesquisa nas áreas de Sociologia, Antropologia e Ciências Sociais Aplicadas expressos em apresentações em Congressos, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado referendadas pela comunidade científica brasileira nos últimos anos. Com base nesta produção científica, listamos abaixo alguns exemplos de danos ambientais e sociais associados à atuação da empresa em questão e, em anexo, apresentamos uma amostra ilustrativa de citações de resultados de pesquisas recentes:

  • Despejo ilegal de minério diretamente nas águas da Baía de Sepetiba (Zborowski, 2008 e Stotz; Peres, 2009);
  • Dragagem de 20 milhões m3 de lama contaminada por cádmio, zinco e arsênio na Baía de Sepetiba (FIOCRUZ, 2011);
  • Emissão de material particulado no ar contendo elementos químicos causadores de problemas respiratórios graves (FIOCRUZ, 2011);
  • Rompimento de mineroduto e contaminação do solo e de corpos hídricos no município de Paragominas, PA. (Marin, 2010);
  • Destruição de terras agricultáveis e desmatamento de castanheiras para a construção de minerodutos, linhas férreas e linhas de transmissão de energia em territórios ocupados por populações tradicionais (Marin, 2010; Pereira, 2008);
  • Não-cumprimento do acordo com comunidades quilombolas do Jambuaçu, Moju, PA, pelo qual a Vale deveria recuperar 33 km de estrada que cortam as terras quilombolas, a reforma de duas pontes e indenizações pela passagem do mineroduto de bauxita e da linha de transmissão (Pereira, 2008, apud Trindade, 2011);
  • Conflitos com comunidades indígenas Xikrin (na região de Carajás, PA) e com os índios Krenak, na região de Resplendor, MG. (Carrara, 2009);
  • Deslocamento compulsório de populações em função da exploração mineral e da construção de barragens e usinas para fins de auto-geração de energia (Pinto, 2005; Lages, 2008; Wanderley, 2009, Campos, 2010);
  • Transformação da imagem da empresa frente à opinião pública, sem que suas ações sejam menos degradantes no que respeita ao meio socioambiental (Cabral e Paraíso, ANPOCS, 2005);
  • Projeto de mineração da Serra da Gandarela, considerada Área de importância biológica especial, com endemismo de espécies e alta biodiversidade. (Marent; Lamounier; Gontijo, 2011);
  • Marcação de casas que estariam em área de remoção para a implantação de uma siderúrgica no Maranhão, sem que as famílias atingidas fossem informadas sobre para onde, por quem e em que condições seriam removidas (Santos Jr. et alii 2009);
  • Construção de estradas e infra-estruturas que têm provocado assoreamento e morte de igarapés no território quilombola do Jambuaçu, Moju, PA. (Trindade, 2011).
Consideramos, em conseqüência, que o estabelecimento de um vínculo desta ordem entre a Capes e a Vale S.A. tende a enfraquecer a autonomia científica no estudo das relações entre meio ambiente e sociedade no Brasil, na medida em que as práticas da referida empresa são, elas próprias, objeto de pesquisa e que a situação assim criada pode comprometer a análise dos casos concretos em que esta firma figure como agente social em conflito com atores públicos (prefeituras, IBAMA e Ministério Público, entre outros), assim como com populações afetadas por empreendimentos, com organizações sociais defensoras do meio ambiente, direitos humanos e direitos sociais. Isto posto, afirmamos nossa preocupação com o fato de que a produção científica na área temática em questão venha a perder em substância e qualidade com a transformação de um de seus próprios objetos de estudo em co-patrocinador de pesquisas – mesmo que de modo indireto, como é o caso da concessão de Prêmios. Entendemos, a este propósito, que empresas cuja atuação seja, com frequência, questionada como danosa a populações e ao meio ambiente, quando eventualmente dispostas a destinar recursos ao financiamento de pesquisas acadêmicas, devem submeter-se a condições definidas na estrita perspectiva do caráter público da produção científica. Propomos, por conseguinte, que a aplicação de recursos privados a premiações de pesquisas científicas passe por uma instância pública que regule a distribuição dos recursos e que critérios e dispositivos normativos sejam instituídos para lidar com casos como esses, excluindo-se, em particular, que representantes de empresas venham a compor júris na avaliação de trabalhos científicos – como é o caso neste prêmio – e que recursos devidos sob a forma de multa, condicionantes ou compensação sejam apresentados pelas empresas como patrocínio ou filantropia estratégica. Atenciosamente, Profa. Ester LimonadPresidente da ANPUR” Com informações do Brasil de Fato