Baú da Campanha: as eleições paulistanas de 1988

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As eleições municipais de 1988 em São Paulo são tidas como uma das grandes zebras do período pós-redemocratização. O candidato do então PDS Paulo Maluf liderou durante a maior parte do tempo as pesquisas, enquanto o PMDB, fortalecido pela conquista do governo do estado em 1986, tentava vencer a eleição na capital após a derrota em 1985. Por fora, estava o PT, que apresentava uma ex-integrante das Ligas Camponesas da Paraíba como candidata a prefeito.
Luiza Erundina emigrou para a capital paulista em 1971, por conta da repressão ao movimento no campo pela ditadura militar. Tornou-se presidente da Associação Profissional das Assistentes Sociais de São Paulo e foi chamada por Lula, junto com outras lideranças sindicais, para fundar o Partido dos Trabalhadores em 1979. Dentro do partido, começou sua trajetória de conquistas na política. Em 1982, foi eleita vereadora na capital paulista e quatro anos mais tarde, deputada estadual.
Para ser candidata do PT à prefeitura de São Paulo, Erundina teve que disputar uma prévia onde enfrentou o então deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, candidato da corrente Articulação e apoiado pelos caciques do partido, inclusive pelo próprio Lula. Mesmo assim, teve 5.544 votos enquanto Plínio ficou com 3.982 votos. Curioso que, à época, o adversário de Erundina era considerado mais à direita, defendendo inclusive a necessidade de alianças, o que contrariava o curto histórico do partido. Mais tarde, sairia do PT e migraria para o PSol, após ser derrotado no PED de 2006.
A vida de Erundina e de seu partido não era fácil, como se pode notar nesta entrevista ao programa Roda Viva, logo depois de sua candidatura ser oficializada. O jornalista Boris Casoy é dos mais virulentos contra a petista, repetindo uma pergunta que, para ele, é “clássica”, sobre a crença da parlamentar em Deus. Uma de suas dóceis questões é “Deputada, a senhora fala em espaços democráticos e democracia, prevê obediência à lei. A senhora tem apoiado, quando não promovido, invasões de terrenos urbanos em São Paulo ao arrepio da lei. Como a senhora pretende tratar esta questão das invasões, se é que a senhora vai parar de invadir, na prefeitura de São Paulo, se a senhora for eleita?”.
Ao final do programa, telespectadores telefonaram reclamando do tratamento dispensado a Erundina. A mídia, já anti-esquerda por natureza, se deparava com uma candidata mulher e nordestina. A eleição seria complicada...

A campanha
O hoje deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) participou da empreitada de Erundina. Foi a primeira vez que os comunistas se aliaram ao PT em São Paulo, junto com o PCB. Antes, haviam se coligado com o PMDB (apoiando FHC em 1985). No livro No Olho do Furacão, Rebelo conta como estava o clima da campanha em 14 de setembro. À época, o pleito era disputado em turno único e a votação seria no dia 15 de novembro.
“Maluf dispara nas pesquisas e chega perto de 40%, enquanto o índice de Erundina sofre uma pequena queda. Mas é o bastante para que a campanha, ainda em busca de afirmação, entre em zona de turbulência. Argumentamos que o crescimento de Maluf e o nosso ligeiro declínio não têm maior significado. Maluf cresce no vácuo das forças conservadoras que, entre ele, Leiva e a alternativa PSDB, depositam mais confiança no ex-governador de São Paulo.”
O candidato tucano era José Serra e o partido recém-criado utilizava da bandeira da ética para se diferenciar da agremiação-mãe, o PMDB. O jingle serrista trazia versos com trocadilhos feitos com o nome do candidato (Serra, serra, serra essa mamata...) e seu principal adversário era justamente o peemedebista João Leiva. A estratégia era chegar ao segundo lugar nas pesquisas e desbancar o ex-secretário do governador Quércia, canalizando os votos anti-malufistas. Mas, com a ajuda da máquina, Leiva já era o segundo colocado em outubro.
Com um Leiva estagnado e um Serra sem discurso, Erundina começa a subir nas pesquisas. A cinco dias da eleição, ela tem 19% e está empatada com o peemedebista; Maluf tem 28%. Um dia antes, uma tragédia. Trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que ocupam a empresa são reprimidos pelo exército e pela PM. Em meio ao que se convencionou chamar de massacre, três operários mortos e uma centena de feridos.
A vontade de mudança tomava corpo e Erundina crescia na reta final. Aldo Rebelo conta uma história exemplar do engajamento que vinha naturalmente para a petista às vésperas da eleição. “Alexandrina, Irene e Conceição são pernambucanas, moram no fundão da Zona Leste e ganham a vida fazendo faxina e costurando para famílias de classe média. Ontem elas receberam uma oferta para ganhar cinco mil cruzados cada uma para fazer boca-de-urna para o candidato do PDS, Paulo Maluf. São quase 15 horas e só agora elas estão tomando a primeira refeição do dia: um sanduíche de queijo que recebem na porta do colégio. Mas estão satisfeitas. Rejeitaram a oferta de cinco mil cruzados e fazem boca-de-urna, de graça, para Luiza Erundina e para o candidato a vereador do PCdoB”.
Sem urna eletrônica, a apuração é lenta. Os primeiros votos a chegar são das regiões mais nobres e centrais. A apuração na periferia começa a dar a vitória para a primeira prefeita mulher de São Paulo, como conta Rebelo. Em Guaianases, ela tem 41% dos primeiro votos apurados em Guaianases, João Leiva fica em segundo com pouco menos de 20% e Paulo Maluf fica em quarto, depois dos votos em branco.
Erundina vence com 29,84% dos votos, seguida por Maluf que fica com 24,45%. Leiva vem a seguir com 14,17% e o tucano Serra tem 5,59%, quase empatado com o candidato do PL João Mellão, que alcança 5,39%.