Bohn Gass: O direito de saber. Versão 2016

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Os abortos da amante de FHC não são tema da política. Daí que não é disso que se deve falar, mas da diferença de tratamento que se deu ao caso de Lula em 1989 e o de FHC, agora. Onde está o editorial de O Globo? O povo brasileiro não tem mais “o direito de saber a verdade”? Por Elvino Bohn Gass* Dezembro de 1989. O jornal O Globo faz editorial sobre a campanha presidencial. Título: “Direito de saber”. Trata da acusação levada ao ar pelo programa de Fernando Collor de que Lula teria tentado induzir sua ex-mulher, Mirian Cordeiro, a abortar. Diz o texto: “...a primeira reação do público terá sido de choque...” E segue: “...se for verdadeiro, cabe indagar se o eleitor deve ou não receber um testemunho que concorre para aprofundar o seu conhecimento sobre aquela personalidade que lhe pede o voto...” A personalidade que pedia voto era Lula. E a verdade que O Globo considerava importante o eleitor aprofundar-se era se ele havia, mesmo, sugerido um aborto à mulher. Passaram-se quase 30 anos... Uma ex-amante de Fernando Henrique conta à Folha de São Paulo que ele pagou não um, mas dois abortos. E que, ora vejam, ele lhe mandava dinheiro por meio de um paraíso fiscal através de uma empresa que detinha concessões públicas federais. Abro parênteses, aqui, para concordar com FHC. Quando a Folha pergunta se era verdade que pagara para a ex-repórter da Globo, Mirian Dutra, fazer dois abortos, ele disse: “Questões de natureza íntima, minha ou de quem sejam, devem se manter no âmbito privado a que pertencem.” É isso mesmo! Os abortos da amante de FHC não são tema da política. Daí que não é disso que se deve falar, mas da diferença de tratamento que se deu ao caso de Lula em 1989 e o de FHC, agora. Onde está o editorial de O Globo? O povo brasileiro não tem mais “o direito de saber a verdade”? Teria a imprensa brasileira evoluído ao ponto de não tornar abortos pauta da política? Bom se fosse assim. Mas, sinceramente, penso que não mudou a imprensa, mas mudou o personagem. Imaginem se Lula tivesse uma ex-amante e ela declarasse a um jornal: “...aí tem uma história muito cabeluda nisso tudo, que ele, por meio de uma empresa, mandava um dinheiro para mim. Tenho como provar. Tenho contrato. Tenho tudo guardado aqui. É muito sério. Porque ninguém nunca investigou as contas que ele tem aqui fora (do país)?” Ou se Lula tivesse uma ex-amante que houvesse perguntado: “...como ele deu, em 2015, um apartamento de 200 mil euros (cerca de 900 mil reais) para o filho que ele agora diz que não é dele?” Tenho certeza: não teríamos apenas vários editoriais, mas, prontamente, algum procurador chamaria a imprensa e, em tom acusatório, declararia: - Estamos abrindo uma investigação sobre as contas de Lula no exterior. Queremos saber de onde ele tirou dinheiro para comprar um apartamento de um milhão de reais. Na mesma noite, veríamos algum prócer da oposição enchendo a boca no Jornal Nacional: -Consideramos grave que um ex-presidente tenha sido acusado de ter contas no exterior e, o que é pior, de ter repassado dinheiro a uma ex-amante por meio de um paraíso fiscal.” Também posso imaginar a manchete do dia seguinte: Empresa que Lula usou para pagar ex-amante tinha concessões públicas. É disso que se trata: da diferença de tratamento da imprensa. E o direito que temos de saber é se Fernando Henrique usou paraísos fiscais para mandar dinheiro à amante. Essa investigação não pode ser abortada. *Deputado Federal (PT-RS) e Secretário Nacional Agrário do PT