Branco sai, preto fica

Premiado como melhor filme no último Festival de Brasília, é um misto de ficção e documentário que parte de um massacre em um baile funk nos anos 1980 em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, quando a polícia invadiu o espaço gritando “Branco sai, preto fica!”, antes de começar o linchamento e os tiros

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Premiado como melhor filme no último Festival de Brasília, é um misto de ficção e documentário que parte de um massacre em um baile funk nos anos 1980 em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, quando a polícia invadiu o espaço gritando “Branco sai, preto fica!”, antes de começar o linchamento e os tiros Por Thiago B. Mendonça, no Le Monde Diplomatique Poucos filmes causaram tanta discussão nos últimos anos como Branco sai, preto fica, que estreou nos cinemas em 19 de março e foi dirigido por Adirley Queirós. Premiado como melhor filme no último Festival de Brasília, é um misto de ficção e documentário que parte de um massacre em um baile funk nos anos 1980 em Ceilândia, cidade-satélite de Brasília, quando a polícia invadiu o espaço gritando “Branco sai, preto fica!”, antes de começar o linchamento e os tiros. A narrativa acompanha a saga de um detetive que vem do futuro para apurar os crimes contra a juventude negra no Brasil. O artifício da ficção científica é a solução encontrada pelo diretor para investigar uma violação que é natural no Brasil desde nossa colonização – o genocídio da população negra. Na melhor linha do cinema terceiro-mundista que transforma suas limitações em elemento criativo, Adirley coloca o detetive Dimas Cravalanças, interpretado pelo ótimo Dilmar Durães, viajando no tempo em uma caçamba de metal, em busca de provas contra o Estado brasileiro pelos assassinatos de jovens negros periféricos. O filme brinca com sua própria precariedade criando um efeito de distanciamento que exige do espectador uma atitude crítica diante da história que lhe é descortinada. A investigação leva a dois personagens centrais, homens mutilados pelo massacre policial: Shockito e Marquim da Tropa (em interpretação magistral). Aqui, realidade e ficção se confundem. O isolamento desses dois personagens, seus silêncios reveladores e as narrativas dissipadas no passado resultam em um acerto de contas que só pode ocorrer no campo simbólico, posto que não existem direitos para os que vivem à margem. Esses “não acontecimentos” são mostrados em um tempo próprio, embalado por velhos funks apresentados por Marquim em sua rádio pirata. Com Branco sai, preto fica, Adirley, diretor do também fundamental A cidade é uma só?, firma-se como um dos mais importantes realizadores do cinema brasileiro contemporâneo e aponta novos horizontes para o nosso cinema político. O filme marca o nascimento de uma cinematografia provocativa, inventiva e poética que chegou para incomodar e não procura agradar a ninguém. Thiago B. Mendonça é Diretor e roteirista. Integrante do Coletivo Zagaia Foto: Divulgação