A busca pela humanização em um conflito desumano

Mentiras, acordos secretos e bombardeios. Enquanto Israel prossegue com suas operações militares em Gaza e na Cisjordânia, a sociedade civil une judeus, muçulmanos e católicos em nome do diálogo

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Mentiras, acordos secretos e bombardeios. Enquanto Israel prossegue com suas operações militares em Gaza e na Cisjordânia, a sociedade civil une judeus, muçulmanos e católicos em nome do diálogo Por Vinicius Gomes, na Fórum Semanal  Enquanto parte do mundo parava para assistir ao jogo de estreia da Copa do Mundo no Brasil, um incidente se desenrolava nos territórios ocupados da Cisjordânia, fazendo com que o dia 12 de junho fosse marcado como o início de um novo capítulo de intolerância, sangue, sofrimento e mortes em uma história que se repete nos últimos 60 anos. O estopim para a nova crise foi quando três jovens israelenses (Eyal Yifrach, de 19 anos, Naftali Fraekel e Gilad Shaar, ambos de 16 anos) desapareceram nos assentamentos na Cisjordânia após compareceram a um yeshiva. Quando a notícia se espalhou, as tropas começaram uma busca maciça, foram 18 dias de operação de busca e resgate realizando prisões arbitrárias, invadindo e vandalizando casas, chegando ao cúmulo de incendiar a casa dos familiares de dois suspeitos de terem sequestrado os três jovens israelenses – no que pareceu ser uma demonstração de “punição coletiva” a todos os palestinos pelos crimes de poucos e como se estivessem correndo contra o relógio. Quando em 30 de junho seus corpos foram finalmente encontrados, tendo sido possivelmente executados por militantes palestinos, a reação israelense foi implacável, tanto do governo quanto de extremistas. A primeira e mais notória vítima da “vingança israelense” foi o palestino, também adolescente de 16 anos, Abu Khdeir: sequestrado, espancado e queimado vivo. Mas apenas em 1º de julho, após a descoberta dos corpos, que a verdade veio à tona: o governo de Netanyahu sabia praticamente desde o início que os jovens estavam mortos. Eles mantiveram a ficção de que esperavam encontrá-los com vida apenas para ter um pretexto de desmantelar as operações do grupo Hamas na Cisjordânia. A evidência inicial da ficção foi a gravação desesperada de uma chamada por celular de uma das vítimas, Gilad Shaer, que ligou para o Moked 100 (o 190 israelense). Quando a gravação chegou aos serviços de segurança na manhã seguinte (negligenciada durante horas pelo estafe do Moked 100), ouvia-se o jovem sussurrando: "eles me sequestram", e em seguida era possível perceber gritos de "cabeças para baixo", e então tiros, dois gemidos e mais tiros.. seguidos de pessoas cantando em árabe. Naquela noite, a polícia encontrou o carro queimado dos sequestradores , com oito buracos de bala e o DNA dos jovens. Não havia mais dúvidas. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu imediatamente colocou uma "mordaça" a respeito das mortes. Jornalistas que ouviram rumores sobre o caso descobriram que o Shin Bet, o serviço de espionagem interno de Israel, quis o silêncio para que ajudassem na procura dos jovens. Para o público, a posição oficial era de que Israel "estava agindo com a ideia de que os jovens estavam vivos". Tudo não passou de uma mentira. [caption id="attachment_3922" align="alignleft" width="978"]Muçulmanos fazem prece na praça Cinquentenário de Israel, em São Paulo (Vinicius Gomes) Muçulmanos fazem prece na praça Cinquentenário de Israel, em São Paulo (Vinicius Gomes)[/caption] Para Arturo Hartmann, jornalista brasileiro que escreve bastante sobre a questão e já chegou a realizar um documentário na Palestina, em 2010, um dos motivos para o lançamento da Operação Margem Protetora foi o temor de uma conciliação – que está em progresso – dos grupos Hamas e Fatah, em busca de uma unidade política tanto em Gaza, quanto na Cisjordânia. Tal reconciliação provavelmente seria bem vista aos olhos dos EUA e países da Europa, fazendo com que Israel perdesse força política. “Israel possui uma situação muito confortável na Cisjordânia. Para eles, o que interessa é a manutenção do status quo do controle que eles têm ali”, argumenta. Para Hartmann, o momento atual exige atenção para que o mundo olhe o que está acontecendo e faça uma reflexão e a sociedade civil comece a debater sobre a questão. “O mundo está começando a ficar mais efervescente e quente, precisamos mudar essa situação que já existe há mais de 60 anos, antes mesmo do que a própria criação do Estado de Israel”, afirma o jornalista, que completa: “Por ser uma questão internacional, nós temos que ter responsabilidade”. Colabore com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da Fórum Semanal, que vai ao ar toda sexta-feira. Assine aqui Há poucos dias, um cessar-fogo foi proposto pelo Egito, sendo aceito por Israel, mas rejeitado pelo Hamas. O governo israelense – assim como muitos veículos da imprensa – disse que a rejeição ao cessar-fogo era a evidência que o Hamas não está interessado na paz, se tornando um empecilho para as negociações. De acordo com Hartmann, a questão é mais complexa. “Acredito que é muito fácil falar que o Hamas é um empecilho, pois às vezes as próprias lideranças palestinas estão desconectadas do que a sociedade civil quer de fato. Mas se for para hierarquizar o ‘empecilho’, ele começa de cima, começa com Israel que tem o controle do espaço aéreo e das áreas palestinas.” De fato, um dos argumentos iniciais para explicar a rejeição do Hamas ao cessar-fogo proposto pelo Egito se dava por conta de o grupo não ter sido consultado sobre os termos do cessar-fogo – ele havia sido imposto sobre eles. Todavia, não demorou muito para que novamente uma verdade oculta viesse à tona: segundo uma publicação do jornal israelense Haaretz, tal cessar-fogo foi desenhado secretamente por Tony Blair e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry e, obviamente, as lideranças do Hamas não foram ouvidas. “Dialogar exige coragem” [caption id="attachment_3919" align="alignright" width="411"]Um judeu e um palestino seguram a bandeira da Palestina em vigília pelos mortos de Gaza, em São Paulo (Vinicius Gomes) Um judeu e um palestino seguram a bandeira da Palestina em vigília pelos mortos de Gaza, em São Paulo (Vinicius Gomes)[/caption] A frase acima é do rabino brasileiro Moré Ventura, que também afirma com todas as letras: “Sou sionista e apoio um Estado Palestino”. Nos últimos tempos, a palavra sionista tem sido muitas vezes usada para designar uma ala mais radical do povo judeu e, principalmente, os consecutivos governos de Israel. Segundo Moré, a palavra “sion” é um dos nomes pelo qual a Terra Prometida é chamada. “A palavra Sion, da qual o termo sionismo deriva, é um dos nomes pelos quais a terra prometida, Israel, é chamada na Bília e o movimento político e social sionista, surgido no século 19, representava o ideal de parte dos judeus da época de restabelecer seu estado dentro de sua terra ancestral, dando fim a um exílio, a uma dispersão e a perseguições de quase dois mil anos. Mas esta é uma definição parcial, pois dentro do movimento sionista havia outras ideias, que visavam muito mais uma renovação cultural e nacional judaica - com ênfase nos ensinamentos sociais dos profetas, por exemplo - do que necessariamente no estabelecimento de uma pátria. Esta reformulação e rearticulação se fazia necessária, de acordo com seus defensores, para reunificar e revitalizar o povo judeu, debilitado, então pelas perseguições e pela dispersão ao redor do globo”. E, hoje em dia, o que significa ser sionista? “Ser sionista é apoiar ou amar o Estado de Israel. Simples assim. Que Estado?  Depende da opinião. Pode ser desde o desejado por uma pequena minoria que sonha com o 'Grande Israel', até o da grande maioria, que deseja ver o estabelecimento de um Estado palestino que coexista em paz com seu vizinho Israel. Em resumo, ser sionista não significa ser anti-palestino, ou anti-Palestina, e isso é comprovado por todas as pesquisas de opinião pública feitas em Israel sobre a opinião do povo israelense a respeito do estabelecimento de um estado Palestino”, explica o rabino, que completa: "Também é importante ressaltar que a conexão histórica dos judeus à terra de Israel e o desejo do retorno, realizado por judeus de todas as épocas e lugares, remetem a fontes muito mais antigas e enraizadas do que as do sionismo político". Por outro lado é importante frisar que o amor à terra ancestral não significa, necessariamente o estabelecimento de um estado sobre todo seu território, e por isso é aceitável para mutos judeus sionistas, que haja um outro estado, no caso o da Palestina, ocupando parte destas mesmas terras, principalmente quando isso se torna condição para a paz e para estancar o sofrimento e o derramamento de sangue de ambos os lados. "Isto, obviamente, com a condição de que este estado respeite e coexista em paz com o estado de Israel, que obviamente também deve respeitá-lo", aponta Moré. Um dos grandes problemas, diz  o rabino, é a propaganda maniqueísta, de acordo com a qual todo sionista é anti-palestina, o que redunda na ideia de que, para que se possa ter um estado palestino uma condição necessária seria acabar com todos os sionistas, e por tabela, com o estado de Israel e com todos os que de alguma forma se identificam com ele. "Tal discurso, além de falacioso é irresponsável, pois além de promover ainda mais confusão e discriminação, acua vários dos melhores parceiros que os palestinos podem ter, que por serem sionistas e viverem em Israel, tem mais facilidades de mudar a realidade a partir de dentro do próprio estado de Israel". Uma chance à paz As manifestações em apoio à causa palestina se espalharam pelo mundo. Até mesmo dentro de Israel foi possível observar que existe uma cisão política e dos cidadãos sobre o que se fazer com a questão dos bombardeios e, por consequência, das ocupações. No Brasil, ocorreu nesta terça-feira (15) uma vigília pelas vítimas dos bombardeios israelenses em Gaza. Ali, Sergio Storch, também de religião judaica e professor de Arquiteturas Organizacionais em Rede pela Fundação Vanzolini, falou a respeito da mobilização de acadêmicos e intelectuais em prol do maior envolvimento do setor na questão Israel-Palestina, inclusive com a redação de uma carta que será enviada ao Papa Francisco. “É uma carta assinada por igual número de judeus, árabes e brasileiros de outras origens e será dirigida ao Papa como uma manifestação de apoio ao seu gesto em promover uma oração com o presidente israelense Shimon Peres e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. E ela foi elaborada de tal forma para que 18 assinaturas se transformem em  49 e depois em 100 e continuar a ser um movimento crescente. O texto é a atemporal e também tem como ideia mostrar para cada uma das comunidades – principalmente a judaica – de que existe um documento que seja algo como um ‘guarda-chuva’ para trazer as pessoas que assumem essa postura [de diálogo] e que não demoniza nem palestinos e nem Israel”. Pois uma coisa é fato: o estado de Israel não vai acabar assim como os palestinos não irão sair dali. Por isso, é necessário criar uma massa critica que faça pressão nos governos e que um caminho mais moderado seja trilhado. Foto de Capa: A palavra "paz" em hebraico e árabe (Wikipedia)