Carajás, contradições do país num só projeto

Modos de vida foram atropelados para que projeto se tornasse uma menina dos olhos das exportações brasileiras

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Modos de vida foram atropelados para que projeto se tornasse uma menina dos olhos das exportações brasileiras Por Canal Ibase Em março deste ano, parte da população ocupou a prefeitura de Parauapebas por cinco dias, reivindicando serviços públicos básicos, como saúde, transporte e habitação. Nesse período, a entrada da Floresta Nacional de Carajás (Flonaca), onde estão localizadas as minas do complexo de Carajás, foi bloqueada pelos manifestantes. E o que, afinal, o acesso a serviços básicos tem a ver com a atividade mineradora? Pouca coisa não é. O sinal dos tempos, porém, é o posicionamento da população em relação a isso. Parauapebas é hoje um caso que ilustra contradições repetidas em todo o território brasileiro.O município ultrapassou a capital do Pará, Belém, em Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e se tornou o mais rico do Estado. Tem altíssima renda per capita. Está encravado, porém, num paradoxo brutal. Parauapebas, que ganhou o noticiário nacional devido às manifestações contrárias à mineração e em prol de melhores condições trabalhistas, tem altos níveis de violência, ausência de saneamento básico e uma infraestrutura precária. Nada que se compare às imensas expectativas criadas durante a construção da Estrada de Ferro Carajás, que vai até São Luís do Maranhão, onde toneladas embarcam para o comércio transoceânico. É esse o atual contexto no qual o pesquisador Tádzio Peters Coelho, sociólogo com foco de pesquisa em indústrias extrativas, petróleo e mineração. A convite do Ibase, ele coordenou a publicação “Projeto Grande Carajás”, que acaba de ser lançada no Seminário Internacional Carajás 30 anos, realizado em São Luis, no Maranhão, na última sexta-feira (09/05). Há 30 anos, precisamente em 1983, o Ibase publicou o livro “Carajás – o Brasil hipoteca seu futuro”. À época, a noção de conflitos ambientais não existia ainda. No livro, a maior preocupação em relação ao meio ambiente era chamada de “poluição”. Esse era o terror dos ambientalistas, com a chegada de um empreendimento desse porte. Três décadas depois, no entanto,  o diagnóstico é outro. O impacto já está vivo, à vista. Modos de vida foram atropelados para que Carajás se tornasse uma menina dos olhos das exportações brasileiras. Não se trata mais de previsão, mas de testemunho. É um dos aspectos abordados por  Tádzio nesta entrevista abaixo. TÁDZIO PETERS COELHO: Primeiramente, a sociedade moderna tem como base a produção mineral. Impossível ter uma sociedade como a hoje sem ela. Mas existe uma naturalização da vocação de regiões serem produtoras minerais, mas, muitas vezes, elas podem prescindir dessa produção mineral ou pelo menos tê-la numa escala menor de produção. Mesmo assim, os impactos negativos da mineração serão sentidos, mesmo que de forma menos intensamente. O que eu quero chamar a atenção é que as empresas mineradores querem convencer a todos de que os benefícios gerados por elas são fundamentais a qualquer região, querendo, assim, legitimar suas atividades. Mas há contrapontos importantes a esse raciocínio. CANAL IBASE: Você pode dar exemplos? TÁDZIO: Os exemplos não faltam. A região do Quadrilátero Ferrífero transmite no próprio nome a ideia da vocação mineradora. Trata-se da naturalização de uma pretensa vocação em regiões em que existem extensas reservas de minerais. A primeira característica desse discurso é a ideia de que esses benefícios são distribuídos de forma igualitária pela sociedade. As mineradoras, por sinal, trabalham com uma ideia distorcida de desenvolvimento. O crescimento econômico trazido por essa atividade é visto como um crescimento de toda uma sociedade. Daí por que  a imprensa tradicional, o próprio poder público e propaganda corporativa usarem grandes números absolutos em termos de investimentos e lucros, passando, dessa forma, a ideia de que isso beneficiará toda a sociedade. O que ocorre, na realidade ao final do processo, é uma brutal concentração de renda.  Como a mineração cria poucos empregos, pois ela tem uma produção automatizada e mecanizada, uma parte mínima da renda criada é distribuída, atrofiando os mercados internos. Na cidade de Raposos, em Minas, por exemplo, onde funcionou a principal mina de ouro no século XX no Brasil, o que se vê hoje é um município deprimido  economicamente, servindo de fonte de mão de obra barata às cidade de Belo Horizonte e Nova Lima. A riqueza retirada de lá em nada beneficiou a população local, ao mesmo tempo que serviu como fonte intensa de acumulação de capital para as empresas mineradoras. Raposos, assim, anuncia o futuro das regiões mineradoras caso seja aplicado o mesmo modelo de desenvolvimento. CANAL IBASE: Você desconstruiu o discurso das mineradoras, mas acabou dando exemplo de alguns impactos. Quais os outros impactos que você sistematizou? TÁDZIO: Sistematizei 32 impactos e os separei em  locais e macroimpactos, de acordo com a extensão do território atingido. Também os dividiu em sociais, econômicos e ambientais. CANAL IBASE: Vamos começar pelos impactos sociais. TÁDZIO: Um dos mais graves deles é a instalação de ferrovias e minerotudos (que levam os minerais até um porto), atingindo diretamente as populações localizadas no trajeto e causando acidentes como atropelamento, poluição sonora, divisão do território e um grande estrago na rede de sociabilidade local com grandes danos psicológicos. Outro exemplo são as doenças do trabalho nas minas, como a silicose (com a inalação do pó da sílica, o trabalhar pede a capacidade cardiorespiratório), que vitima milhares de trabalhadores no Brasil. Com o deslocamento de grandes contingentes populacionais para as cidades próximas às minas, aumentam-se o tráfego local, a violência urbana, a especulação imobiliária e o custo de vida. O reassentamento das populações residentes próximas às minas é um outro impacto, já que esse reassentamento é feito de forma injusta que desconsideram a dimensão cultural e social dessas comunidades, despedaçando o patrimônio imaterial, os hábitos e costumes desses grupos.  Há também os riscos de acidentes no interior das Minas. Segundo o Relatório de Insustentabilidade da Vale, elaborado pelo Movimento dos Atingidos pela vale, foram 11 mortes de trabalhadores em acidentes em 2011. A  Vale, inclusive, levou a maior multa trabalhista da história do estado de Ontario, no Canadá, onde dois trabalhadores morreram por deslizamento de lama devido a uma infraestrutura malfeita da mina. CANAL IBASE: Há outra questão social importante. A dependência das regiões mineradoras por mercados consumidores externos. TÁDZIO: Verdade. Criam-se relações de dependência em relação ao mercado externo, fazendo com que os rumos da economia local sejam decididos em centros políticos distantes das regiões mineradoras, desconsiderando-se seus interesses, demandas e peculiaridades. A lógica desse mercado é definida em negociações de lobbies da mineração, empresas mineradoras, o poder público em seus três poderes e os grandes acionistas das mineradoras. CANAL IBASE: Os impactos sócias não estariam relacionais aos ambientais no caso da mineração? TÁDZIO: Certamente. Os impactos foram divididos em três categorias para facilitar sua compreensão. Vários impactos, no entanto, poderiam fazer parte de outras categorias. Assim, os impactos ambientais são também sociais. Exemplo: a poluição aérea causada pelo transporte do mineral, muito flagrante na cidade histórica de Congonhas; a construção e manutenção de represas de rejeitos, que recebe a maior parte do material removido na mineração a céu aberto. Após as reservas exauridas, em geral, é o poder público que arca com os custos da manutenção dessas represas, que ocupam grandes territórios com materiais descartados em espaços que poderiam ter outros tipos de utilizações; a contaminação, destruição e assoreamento de rios e reservatórios de água, comprometendo a segurança hídrica dessas regiões. A água também é utilizada intensamente no  transporte (minerodutos) e separação dos minerais.; a destruição de sítios arqueológicos e biomas específicos no locais onde são removidos os minerais. Alguns desses biomas, por estarem diretamente relacionados à presença de minerais, já estão desaparecendo, como a Canga Ferrífera que tem uma  fauna e flora bem específicas; a poluição sonora, causada por explosões e movimentação de cargas, também é um impacto muito grande. CANAL IBASE: E quanto aos impactos econômicos? TÁDZIO: O discurso do setor mineral ressalta que os principais benefícios da atividade são econômicos. Esse discurso pode criar uma falsa dicotomia aos olhos da população. Ela pode encarar a entrada das mineradores como benéficas para a economia local e prejudicial para o meio ambiente. O desdobramento desse raciocínio é que a não entrada das mineradoras é prejudial para a economia local e benéfica para o meio ambiente, pressionando a população a apoiar a expansão mineradora. Mas, na verdade, a mineração causa vários impactos negativos para a economia local e nacional. Como já disse, a riqueza da mineração tende a se concentrar, sobretudo quando não há intervenção do poder público que incentive a distribuição dessa renda. Se a dinâmica mineradora for deixada funcionando de forma autônoma, a renda será concentrada. Os gastos decorrentes da movimentação de cargas em rodovias, por exemplo, não são compensados pela baixa porcentagem dos royalties da mineração, causando défict no caixas de prefeituras e governos estaduais. Também as propriedades vizinhas as áreas das jazidas podem perder valor comercial devido à poluição sonora, área e dos rios. Os recursos públicos gastos para a manutenção e criação de toda a infraestrutura necessária à mineração poderiam ser direcionados ao incentivo de formas alternativas de produção, mas não o são, e isso deve ser considerado um grande impacto para a economia local. A indústria de recursos minerais cria uma cadeia produtiva pouco desenvolvida e que agrega pouco valor e pouco benefícios tecnológicos. Outra coisa é que, como o a transformação da matéria-prima em produto final em geral acontece no exterior, criando uma relação de dependência com o mercado consumidor estrangeiro, as mudanças nesse mercado irão afetar decisivamente a produção local. Na China, com o crescimento da classe média, há uma mudança no consumo de matérias primas minerais, que vêm perdendo lugar para matérias primas agrícolas. É bom lembrar que a China é o principal destino das exportações brasileiras. CANAL IBASE: E quanto aos macroimpactos? TÁDZIO: Algo que a gente também já abordou foi o fato de os recursos minerais serem finitos. Com isso, qualquer tipo de desenvolvimento com base na exploração mineral tem curta duração. Novamente Raposos surge como exemplo de desenvolvimento fugaz, que deixou de investir em outras alternativas econômicas, como o turismo. A  mineração no Brasil tem isenção fiscal no ICMS  PIS/CONFINS, devido à lei Kandir, que beneficia produtos de exportação sem diferenciar o valor agregado da mercadoria. Produtos como baixo conteúdo tecnológico como minério de ferro e pelotas não são distinguidos de produtos com alto conteúdo tecnológico como aviões, automóveis e máquinas. A indústria mineradora ainda convive com a instabilidade com os preços das commodities metálicas no mercado internacional. Isso pode causar uma rápida transmissão de crises internacionais, impactando diretamente nas regiões onde são realizadas a extração mineral. As regiões mineradoras também criam uma dependência econômica e social às mineradoras, o que algo difícil de ser revertido. Há que se ressaltar que Carajás reúne todos esses impactos. Foto de capa: Nasa/Domínio público