Censura: Justiça manda recolher livro de Ricardo Lísias por usar o pseudônimo "Eduardo Cunha"

O ex-deputado, que foi preso na operação Lava Jato, pediu direito de resposta ao romance "Diário da Cadeia", uma obra de ficção

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A juíza Ledir Dias de Araujo, da 13ª Vara Cível do Rio de Janeiro, condena os três réus da ação, o autor, a Editora Record e o editor Carlos Andreazza, a pagar uma indenização de 30 mil reais a Eduardo Cunha, aquele mesmo, preso pela Operação Lava Jato, por danos morais. O documento também determinou o recolhimento das cópias em todas as livrarias do país, num prazo de 60 dias.

A Fórum conversou com o autor e teve acesso à sentença.

"O meu livro é uma sátira política ao ex-Deputado Federal Eduardo Cunha. Eu defendo que a arte, a literatura, podem fazer sátiras políticas a pessoas politicamente expostas, utilizando os meios de que dispõe a arte: um pseudônimo, questões literárias muito conhecidas", explicou o autor. "Minha intenção era usar a sátira e o humor para fazer uma crítica a uma pessoa politicamente exposta e poderosa, e não vejo como qualquer tipo de lei possa me impedir disso."

A juíza afirma que “a própria capa do livro leva-nos a pensar que o mesmo foi escrito pelo autor da ação, uma vez que é ele quem se encontra recluso, não sendo crível que o pseudônimo também se encontrasse recluso a justificar o título escolhido para o livro.”

Eduardo Cunha, além da indenização e do recolhimento do livro, pediu direito de resposta ao romance.

"Como você dá direito de resposta a um romance? Só se a pessoa escrever outro romance", diz o autor. "A gente vai fazer um recurso, o recurso vai para um desembargador, vai mobilizar o Tribunal de Justiça, depois vai pro STJ, pro STF... Imagina a vergonha que não vai ser para a ministra Rosa Weber ter que ler esse tipo de argumentação. Imagina desembargador ter que ficar cuidando desse tipo de besteira. O Brasil com problemas de encarceramento em massa, pessoas negras sendo encarceradas todos os dias, desembargadores tendo que resolver agressões à constituição diárias, e aí ele vai ter que resolver um problema literário e reformar uma condenação a um livro? É uma coisa totalmente absurda, o poder judiciário está completamente lotado e vai agora mais um problema para as cortes", disse o autor. " Como ela afirma que eu não consegui provar que estou preso? Como pode um pseudônimo, alguém que não existe, estar na cadeia?", questiona Lísias.

O escritor foi revelado como o "verdadeiro autor" da obra depois de uma decisão judicial, em 2017. Naquele ano, Eduardo Cunha conseguiu uma liminar que proibia a comercialização do livro, mas ela foi derrubada.

Na ação, Cunha alegou que o livro “é uma estratégia comercial ardil e inescrupulosa dos réus, através da qual, aproveitando-se da expectativa pública de um livro que Eduardo Cunha noticiou estar a produzir sobre o impeachment, proferem, em seu nome, com redação em primeira pessoa, as mais variadas suposições e opiniões sobre a política nacional, escarnecendo sua imagem”.

A Editora Record, que também é ré no processo, apresentou contestação ressaltando que a Constituição assegura como direitos fundamentais a liberdade de pensamento e de expressão. A editora também frisou que a própria capa do livro informa que a obra é atribuída a um pseudônimo, mas a juíza não considerou o aviso eficaz. “Além disso, a própria capa do livro leva-nos a pensar que o mesmo foi escrito pelo autor da ação, uma vez que é ele quem se encontra recluso, não sendo crível que o "pseudônimo" também se encontrasse recluso a justificar o título escolhido para o livro”, escreveu.

A juíza também citou o Código de Defesa do Consumidor (!) para justificar a sentença. “Registre-se, ainda, que não fosse a abusividade de se utilizar do nome do autor e de induzir ter o livro sido escrito por ele, cabe registrar que o Código Defesa do Consumidor veda a publicidade enganosa”.

Lísias disse à Fórum que irá recorrer.