China: Intelectuais cerram fileiras diante da crise em Xinjiang

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Intelectuais chineses habitualmente críticos deram nas últimas semanas incomuns demonstrações de patriótico apoio ao governo em sua campanha contra os protestos na região autônoma de Xinjiang (noroeste), de maioria muçulmana. Por diversos, meios, muitos expressaram sua rejeição às “forças estrangeiras hostis” que acusam de incitar a onda de violência que sofre a região desde o começo deste mês. Estas declarações respondem a pressões do governo comunista em Pequim, indicam diferentes versões, segundo as quais também cresce, discretamente, o mal-estar em outro setor de intelectuais que questionam a política do regime para as minorias religiosas e étnicas.

A crise em Xinjiang, que já causou 197 mortes, ultrapassou as fronteiras desta região autônoma, riquíssima em recursos naturais. A onda expansiva chegou na semana passada à Austrália, mais especificamente ao Festival Internacional de Cinema de Melborune, o principal desse país, que começou dia 24 e terminará em 9 de agosto. Vários cineastas chineses decidiram boicotar o festival em protesto pela inclusão no programa de um documentário sobre Rebiya Kadeer, líder uygur (etnia que constitui 45% da população da região) acusada por Pequim de instigar os distúrbios desde seu exílio nos Estados Unidos.

Entre os diretores que retiraram seus filmes figuram o multipremiado e independente Jia Zhangke. De imediato, o governo chinês qualificou este artista crítico do regime de “patriota”. Em um comunicado, o cineasta disse que “sentimos que mostrar Rebiya em um festival rigorosamente politizado é cruzar uma linha inaceitável e inapropriada para nossas emoções e nossa conduta. Sua produtora, Xstream, “decidiu unanimemente se retirar” do festival, acrescenta o texto. Os organizadores informaram que tentaram saber se Jia agiu sob coação de Pequim. O cineasta está inacessível desde então, por isso não pode ser ouvido a respeito.

Outro diretor, Feng Xiaogang, considerado país do melodrama chinês e um peso pesado da indústria cinemtográafica, disse na semana passada à agência de notícias Xinha que os festivais devem propiciar o intercâmbio artístico e cultural, e não “o teatro político”. Isso foi, segundo ele, o que fizeram os organizadores de Melbourne “ao convidarem Rebiya Kadeer, uma mentirosa política”. Outro dado singular é que os filmes chineses retirados do festival de modo algum eram patrocinados pelo Estado.

“Chorando muito”, de JIa, ilustra a decadência do idealismo chinês submergido pela onda modernizadora das últimas décadas. O documentário “Petição”, de Zhao Liang, descreve o atual estado da antiga tradição chinesa de apresentar queixas às autoridades centrais contra abusos de funcionários locais. Assim, com a ajuda de artistas e intelectuais rebeldes e inconformados, o governo chinês fortaleceu suas gestões para legitimar perante a comunidade internacional suas ações em Xinjiang.

Os distúrbios começaram em Urumqi, capital de Xinjiang, no último dia 5, enquanto numerosos cidadãos encabeçados por estudantes foram às ruas em protesto pelo assassinato, em 26 de junho, de dois emigrantes internos da etnia uygur na província de Guangdong. A briga em uma fábrica de brinquedos da cidade industrial de Shaoguan começou após a divulgação de boatos pela Internet, depois demonstrados que eram falsos, dizendo que trabalhadores uygures haviam violentado duas operárias da fábrica. Mas as autoridades chinesas asseguram que os distúrbios em Xinjiang foram aguçados por “unidades terroristas” que operam no sul e oeste da província “infiltradas” na cidade de Urumqi.

As acusações de Pequim se concentram na figura de Kadeer, de 62 anos, rica empresária residente nos Estados Unidos. A versão oficial chinesa diz que as forças do “Turquestão Oriental” – como são chamados grupos independentistas uygures aos quais são atribuídos vínculos com organizações islâmicas armadas e extremistas – consideram Kadeer sua porta-voz internacional, em um papel comparável ao do líder espiritual do Tibet, Dalai Lama. As reações internacionais à versão oficial chinesa foram variadas. O Japão, por exemplo, irritou a China ao expedir um visto de entrada para Kadeer. A Índia, por outro lado, negou-lhe o visto, mesmo antes dos distúrbios deste mês.

O governo tentou calar as vozes dissidentes com sua versão sobre a causa dos protestos. Por outro lado, intelectuais chineses mostram sua desconfiança diante desta versão desde o ano passado, quando os distúrbios no Tibet demoliram a imagem oficial de uma sociedade harmoniosa nessa conflitiva região. O debate sobre a situação das 56 minorias étnicas da China ganha espaço pouco a pouco, apesar da resistência das autoridades. E duas visões contraditórias estão surgindo. A primeira diz que a prioridade é o direito ao desenvolvimento da majoritária etnia han, que constitui 91% da população nacional. A segunda situa a raiz dos distúrbios nos ressentimentos – entre outras – das comunidades tibetana e uygur, prejudicadas em suas próprias regiões pelo processo de modernização econômica imposto desde Pequim.

Um representante da primeira posição é o professor de sociologia Ma Rong, da Universidade de Pequim. O regime comunista chinês não reconheceu, como fez a extinta União Soviética, o direito à autodeterminação das minorias, explicou. Mas, lhes deu alguns privilégios sociais que depois foram explorados por elementos hostis, com exceções à política de planejamento familiar de “um filho por casal”, vantagens no sistema educacional e programas financeiros e de infra-estrutura para impulsionar seu desenvolvimento econômico. Para Ma, reconhecer o direito à autonomia dos territórios onde predominam minorias étnicas levaria à politização de suas identidades, um fenômeno que, em última instância, foi um fator decisivo para a dissolução da União Soviética. IPS/Envolverde

(Envolverde/IPS)