Cidadão “do bem", o ódio contra Dona Marisa e as redes sociais

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Cada vez mais, a internet se mostra um catalisador de intolerância. É lá onde as pessoas acabam por mostrar, sem medo ou vergonha, seu verdadeiro ódio. E, infelizmente, o caso de Dona Marisa nos alertou novamente: é preciso muita cautela quanto aos conhecidos cidadãos “do bem” Por André Cattocolaborador da Rede Fórum Estudar em colégios de ótima qualidade, fazer cursinho, ter um bom resultado no vestibular e, consequentemente, graduar-se em medicina em uma universidade pública. Qual mãe ou pai não sonha com isso para os filhos? Este é, de longe, um dos patamares mais cobiçados por grande parte da população brasileira. Mas o fato é que, com ideais como esse incrustados na sociedade, o senso comum acaba por formar um protótipo do que seria um cidadão “do bem": uma pessoa bem-sucedida, que paga as contas em dia e hoje se mostra indignada com a corrupção. Mas este nem sempre é um modelo ideal. As redes sociais têm sido enfáticas ao mostrar que esse tipo de conceito está completamente equivocado. Quem se diz "do bem", em muitos casos não o é. Cabe ressaltar que não é surpresa que as redes tenham se tornado ponto de encontro de fascistas e intolerantes. É justamente lá em que as pessoas depositam seu ódio, mostram sua perversidade e exibem quem de fato são. E isso vem à tona, mais uma vez, diante da morte de Dona Marisa Letícia, ex-primeira-dama e companheira por anos do ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. Desde a notícia de que Dona Marisa sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e foi encaminhada para o hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, a internet ficou de pernas para o ar. Enquanto Dona Marisa lutava bravamente pela própria vida, internautas lançavam os mais asquerosos xingamentos e ofensas contra ela e sua família, evidenciando o mais elevado nível de ódio e intolerância político-social grassado pelo Brasil. Em sua maioria, por cidadãos “do bem”. E o mais revoltante foi divulgado na noite desta quarta-feira, pelo jornalista Thiago Herdy, no jornal O Globo. Segundo a reportagem, a médica reumatologista Gabriela Munhoz, que atuava no caso de Dona Marisa, enviou mensagens a um grupo de Whatsapp de antigos colegas de faculdade confirmando que a paciente estava no pronto-socorro com diagnóstico de AVC hemorrágico grave e que estava prestes a ser levada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). (Ela já foi demitida pelo hospital por compartilhar o diagnóstico.) A conversa no grupo, que teria acontecido antes de Dona Marisa morrer, foi recheada de falta de ética – o termo “ética”, neste caso, é eufemismo. Um dos médicos, ao que tudo indica ex-colega de Gabriela Munhoz, teria escrito o seguinte: “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no procedimento. Daí já abre a pupila. E o capeta abraça ela”. A mensagem é clara. “Embolizar” é o procedimento de provocar o fechamento de um vaso sanguíneo para diminuir o fluxo de sangue em determinado local. É revoltante, mas a intenção era mesmo que Dona Marisa morresse. Isso traz, mais uma vez, a reflexão sobre o que seria um cidadão “do bem”. Neste caso, trata-se de um médico formado, com ótima base acadêmica e em pleno exercício da função. Se for levado em conta um levantamento realizado em agosto de 2016 pelo projeto Comunica Que Muda, da agência nova/sb, a situação fica ainda mais alarmante. Segundo o estudo, apenas um sétimo da população que utiliza a internet não pratica discursos de ódio. Foram monitorados dez tipos de intolerância nas redes sociais: em relação à aparência das pessoas, às suas classes sociais, às deficiências, à homofobia, misoginia, política, idade/geração, racismo, religião e xenofobia. Foi analisado o total de 542,781 menções em redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram e o resultado é preocupante: nos dez temas pesquisados, o percentual de abordagens negativas ficou acima de 84%. Ainda segundo o estudo, os temas que tratam de racismo e política foram de 97,6% e 97,4%, respectivamente. Cada vez mais, a internet se mostra um catalisador de intolerância. É lá onde as pessoas acabam por mostrar, sem medo ou vergonha, seu verdadeiro ódio. E, infelizmente, o caso de Dona Marisa nos alertou novamente: é preciso muita cautela quanto aos conhecidos cidadãos “do bem”.