Com o DEM, com tudo: a aliança que Ciro está costurando contradiz suas críticas ao PT

Ciro Gomes (Foto: André Carvalho/CNI)
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CYNARA MENEZES

Em sua participação na convenção municipal do PDT em Salvador neste final de semana, Ciro Gomes elogiou o DEM e convocou o atual prefeito da cidade, ACM Neto, a ajudá-lo a construir "um projeto alternativo a essa quadra de desmantelo, entreguismo, destruição das nossas riquezas". A convenção selou a aliança entre o PDT e o DEM na capital baiana: o candidato de ACM Neto, o vice-prefeito Bruno Reis, é do DEM; e sua candidata a vice, Ana Paula Matos, é do PDT.

Ciro se rasgou em elogios ao partido de ACM, o avô de Neto, a quem se referiu como seu "velho amigo, apesar das diferenças" –nem parecia o mesmo que chamou Neto de "tampinha" e "anão moral" e ouviu de ACM que era "covarde", "desonesto", "sem caráter" e "escória da política brasileira". Segundo o pedetista, o DEM "tende a se alinhar nos grandes momentos às forças progressistas", citando a redemocratização do país, quando setores do antigo PDS (ex-Arena) criaram o PFL, hoje DEM. Disse ainda que "às vezes as pessoas usam a superfície" para criticar a sigla.

O pedetista se rasgou em elogios ao partido de ACM, o avô de Neto, a quem se referiu como seu "velho amigo" –nem parecia o mesmo que chamou Neto de "tampinha" e "anão moral" e ouviu de ACM que era "covarde", "sem caráter" e "escória da política brasileira"

ACM Neto, por sua vez, declarou que o PDT e o DEM compartilham "uma visão de país" e "o desejo de um futuro mais promissor para o Brasil". O prefeito disse para o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, que está interessado "em um namoro futuro" com o partido, e Lupi retribuiu: "A gente também quer namorar". Em Fortaleza, o PSDB desistiu de ter candidatura própria para apoiar o candidato do PDT, selando a reaproximação entre Ciro e o tucano Tasso Jereissati.

Estas movimentações indicam que o candidato do PDT está costurando uma aliança para 2022 basicamente em torno da união de quase todos os partidos que integrou: desde o PDS que virou DEM até o PSDB e PSB (só faltam o Cidadania, ex-PPS, e o Pros). No Recife, o PDT Nacional interveio no diretório municipal e destituiu o deputado federal Túlio Gadelha da presidência para apoiar o candidato do PSB, João Campos, filho de Eduardo Campos. Túlio queria sair candidato à prefeitura, mas o diretório nacional fechou com Campos e indicou a vice, Isabella Roldão.

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O arco de apoios ambicionado por Ciro depende da posição em que aparecer nas pesquisas em 2022, porque ele tem um rival claro nessa disputa por apoios na centro-direita, e não é o PT, mas o atual governador de São Paulo, João Doria. Se Doria pontuar à frente do pedetista em termos de chances reais de derrotar Jair Bolsonaro, é difícil crer que o DEM, velho parceiro dos tucanos, se una a Ciro e não a ele.

Há quem duvide ainda que DEM e PSDB estejam tão imunes assim ao bolsonarismo, afinal apoiaram todas as propostas econômicas do governo. Quem nos garante que, se o pitbull Jair for "domesticado", as duas legendas não façam algum tipo de acordo com o presidente, num cenário em que sua reeleição esteja garantida?

Para o senador petista Jaques Wagner, amigo de Ciro Gomes, o pedetista comete um erro de avaliação ao apostar numa aliança de centro-direita para 2022. "Ciro está tentando ser a direita razoável, mas nenhum candidato de centro-direita vai decolar, é ilusão dele. Vai ficar essa mosca na sopa dele que é o PT. Ou Lula", disse Wagner ao site. "Quem tem chances contra Bolsonaro é a centro-esquerda."

O que chama a atenção é a incoerência de Ciro. O pedetista tem se esmerado em atacar o PT pelas alianças que fez. Mas qual a diferença entre Sarney e José Agripino? Entre Eunício e Caiado? Entre Temer e Onyx, ministro de Bolsonaro? Entre Renan e ACM Neto?

Por enquanto, o que chama a atenção na empreitada de Ciro é sua incoerência. Nos últimos anos, e sobretudo desde que perdeu a eleição em 2018, o pedetista e seus correligionários nas redes sociais têm se esmerado em atacar o PT pelas alianças que fez com figuras como Eunício Oliveira, José Sarney, Michel Temer e Renan Calheiros. Mas qual a diferença entre Sarney e José Agripino? Entre Eunício e Ronaldo Caiado? Entre Temer e Onyx Lorenzoni, aliás ministro de Bolsonaro? Entre Renan e ACM Neto?

Coloco Renan justamente ao lado de ACM Neto porque ambos, embora no espectro da centro-direita, sempre se portaram como liberais em termos de costumes, ao contrário dos bolsonaristas. E, justiça seja feita, ACM Neto teve uma atuação exemplar no combate à pandemia, unindo-se inclusive ao ex-rival Rui Costa, o governador baiano do PT. Não há, portanto, diferenças fundamentais entre Renan e Neto, a não ser o fato de que o segundo apoia Ciro enquanto o primeiro apoiava o PT.

O Brasil agradecerá a qualquer um que livrar o país de Bolsonaro. Se for Ciro Gomes, ótimo. Mas o pedetista precisa abandonar a hipocrisia que o tem guiado, apontando o dedo para as alianças dos outros enquanto não mostra tantos pruridos ao construir as suas próprias. Não há possibilidade de governar o país sem fazer alianças e Ciro sabe disso. Ao se associar ao DEM, partido dos coronéis do Nordeste, ele perdeu de vez a pose de "virgem no bordel" que assumiu por rancor aos petistas e a Lula –de quem, não podemos esquecer, também já foi aliado.