Como dialogar com um evangélico? (Parte 01), por pastor Zé Barbosa Jr.

Leia na coluna do pastor Zé Barbosa Jr.: "Não é uma coisa fácil dialogar com quem recebe mensagens 'divinas', inquestionáveis e reveladas por 'ungidos de Deus'"

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“- Zé, como eu consigo conversar com um evangélico?”
“- Como falar com alguém que está cego por conta do que ouviu na igreja?”
“- Como eu falo com meu vizinho que acredita que Bolsonaro é um homem de Deus?”

Essas talvez sejam as perguntas que mais tenho ouvido, como pastor, nos últimos dois anos (principalmente depois da ascensão de Bolsonaro) por parte das mais diversas pessoas, depois do mar de fake News capitaneadas pelas igrejas fundamentalistas de olho em lugares de poder no governo cristofascista que hoje vivemos no Brasil.

E, infelizmente, eu não tenho a resposta para essas perguntas. Aliás, se alguém disse que tem, desconfie… porque não é uma coisa fácil dialogar com quem recebe mensagens “divinas”, inquestionáveis e reveladas por “ungidos de Deus”. Sim! É assim que boa parte dos evangélicos recebe, por exemplo, as palavras de ódio de Silas Malafaia: como revelações de um deus que quer varrer do planeta as ameaças ao seu projeto de “novos céus e nova terra”.

Se você, que luta contra isso há dois anos, acha difícil, consegue imaginar a luta de pastoras e pastores que não se curvaram a esse sistema? Nossa luta vem de muito antes. Na década de 90 alguns já se levantavam denunciando o projeto de poder que se fomentava nos arraiais evangélicos, liderados por Malafaias, Macedos, Bengstons e Câmaras.

Os dois primeiros (Malafaia e Macedo) com certeza você conhece, mas pode ser que não tenha ouvido até hoje sobre os dois últimos (Bengston e Câmara)… Sim, pensamos que o mundo político brasileiro se resume ao Sudeste. Bengstons e Câmaras dominam a política evangélica no Norte do país, elegendo deputados e vereadores desde sempre (o foco é quase sempre o legislativo). Da família Bengston, por exemplo, é que vem a ministra Damares, figura que já atua acirradamente no meio político há mais de 20 anos, na “surdina”. Você não sabia? Pois é…

Toda essa introdução (que poderia até ser bem maior) é para dizer que a partir de hoje, e nos próximos 3 textos (ou mais, quem sabe…) que compartilharei nesta coluna, quero trazer para você, leitor da Fórum, algumas possibilidades de entender esse projeto de poder e apontar possibilidades (eu disse possibilidades e não respostas, certezas) de como começar um diálogo com essas pessoas que estão cegas por pregações que nem de longe tocam no cerne do Evangelho. E falo isso de dentro, como pastor, como quem, há mais de 25 anos, luta contra esse sistema…

Antes, porém, já quero afirmar alguns erros históricos da esquerda em relação a esse tema:

1) Desconsiderar a fé das pessoas e suas experiências religiosas. Esse talvez seja um dos principais. A esquerda é, em grande parte, academicamente arrogante e não entende a fé simples das pessoas como elemento de participação política. Muita gente é engajada politicamente justamente por entender, a partir da fé, uma proposta de mudança social;

2) Desqualificar a leitura da Bíblia. Se, num extremo temos os fundamentalistas, que querem “empurrar” a Bíblia literalmente sobre um Estado que deveria ser laico, de outro temos aqueles que zombam do texto sagrado para muitos. Há uma possibilidade de diálogo (e é disso que quero tratar nos próximos textos) justamente a partir da própria Bíblia – e aqui refiro-me exclusivamente ao diálogo com esse cristão conservador – que pode mostrar coisas que ele ainda não percebeu, por sofrerem influência de líderes perversos;

3) Por último a ideia errônea de que religião e política não se misturam. Lamento informar, mas isso não existe. Há uma linha tênue, mas ela existe, que diferencia a relação de religião e política da relação entre Igreja e Estado. Somos seres religiosos e políticos… isso tudo nos compõe, nos atravessa, como vários outros fatores.

E então… bora conversar?

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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