Conversa de boteco não é jornalismo

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Marcelo Coelho deu a largada. Jorge Pontual acaba de pegar o bastão. Quem será o próximo jornalista a fazer piadas de mau gosto com a aparência da (possível) candidata presidencial Dilma Roussef?

Não é este tipo de cobertura que nós queremos ver dos jornalistas brasileiros no ano que vem. Queremos que as candidatas mulheres (possivelmente, haverá três: além de Dilma, tudo indica que Marina Silva concorrerá pelo PV, ao qual acaba de se filiar; Heloísa Helena também pode tentar novamente pelo PSOL) sejam tratadas com a mesma seriedade reservada aos candidatos do sexo masculino — os quais não têm seu sex appeal mensurado tão frequente e escancaradamente.

Num país com participação tão baixa das mulheres na política (entre os motivos, está a equivocada idéia de que mulher “não serve” para isso), a cobertura jornalística enviesada tem a função de reforçar o preconceito. Se os jornalistas preferem fazer chacota da aparência física das candidatas a analisar sua plataforma política, é porque não levam as candidatas a sério. Pior: contribuem para que o leitor/eleitor também não as leve a sério.

Marcelo Coelho e Jorge Pontual não são exatamente símbolos de beleza masculina. Alguém aí receberia com entusiasmo um e-mail com fotos dos dois jornalistas nus? Mesmo assim, eles se acham em posição de julgar a aparência das candidatas e cobrar delas uma mudança nas roupas, no cabelo, na postura. Não fazem o mesmo com os candidatos homens (e um e-mail com fotos de José Serra nu, Jorge Pontual? Você abriria ou não abriria?). Tampouco têm de enfrentar o mesmo escrutínio. Não é preciso ser bonito e gracioso para ser político. Assim como não é preciso ser bonito e gracioso para ser jornalista. É tão difícil perceber que o mesmo deve valer para as mulheres?

Política não é concurso de beleza. Conversa de boteco não é jornalismo. A opinião de Jorge e Marcelo sobre o sex appeal das possíveis candidatas em nada interessa à cobertura das eleições. Se os dois transportam um assunto de tamanha irrelevância para o campo do jornalismo* é porque estão acostumados a viver numa sociedade machista, onde os homens são encorajados a expressar verbalmente o seu desejo sexual, onde e quando quiserem, mesmo que isto desrespeite a mulher analisada. Fazer uma avaliação pública e desrespeitosa do sex appeal de alguém é tratar esta pessoa como se fosse pedaço de carne primeiro, indivíduo depois.

Suponho que Marcelo e Jorge se achem muito diferentes do homem chucro que suga o ar e diz “essa eu chuparia todinha”, quando passa uma mulher na rua. Suponho que se achem muito diferentes dos humoristas do Pânico, que grudam adesivos de “vou” ou “não vou” nas mulheres na praia. Mas o que estão fazendo é basicamente a mesma coisa. E, bem, não sei quanto a vocês, mas o noticiário é o último lugar onde eu espero ver um “vou/ não vou”.

O leitor/eleitor brasileiro merece uma cobertura séria. Merece jornalistas que façam jornalismo e não conversa de boteco. Merece que tod@s @s candidat@s sejam tratad@s igualmente. Cobremos deles exatamente o que merecemos, então.

* pode-se argumentar que Marcelo e Jorge fizeram suas declarações no blog e no Twitter, portanto elas não seriam jornalismo. Devemos frisar, no entanto, que os dois são reconhecidos por seu trabalho como jornalistas e é daí que vem a sua credibilidade. É daí que vem a necessidade de uma crítica. O blog do Marcelo Coelho é hospedado no portal da Folha de S.Paulo. O Twitter de Pontual também se pretende jornalístico, pelo menos na maior parte do tempo.

Publicado originalmente no blog Sexismo na Política.