Crise anunciada

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Alagoas, que passa por grave crise, convive historicamente com disputas e reviravoltas políticas entre as famílias que se sucedem no poder

Por Alexandre Henrique Lino   Quando você estiver lendo este texto, provavelmente os trabalhadores da educação em Alagoas terão terminado a greve que começou em 17 de janeiro de 2007. Entretanto, a situação no estado será a mesma dos últimos anos: analfabetismo, exclusão social, latifúndio, coronelismo e violência. Além da liderança em outras estatísticas negativas. Essa é a realidade de um lugar conhecido por suas belezas naturais, mas que disputa diretamente com o Maranhão no “ranking” dos estados mais pobres do país. O atual governador de Ala¬goas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), se apresentou na última campanha eleitoral como o “salvador da pátria”, preparado “para dar tranqüilidade e paz” aos cerca de 3 milhões de habitantes. Atualmente, enfrenta uma das maiores crises políticas da história de Alagoas. Conseguiu brigar com funcionários públicos, movimentos sociais e até mesmo antigos aliados, como o ex-governador Ronaldo Lessa (PDT). O motivo do rompimento seria uma dívida de mais de R$ 400 milhões com fornecedores, bancos e municípios. O rombo junto ao governo federal é de R$ 5,8 bilhões. Lessa repele os números divulgados pelo atual governo sobre a crise do estado, denuncia a traição aos compromissos de campanha assumidos por Vilela e se coloca ao lado dos servidores públicos estaduais, que tiveram os reajustes salariais suspensos no início do ano. “Não é verdade que deixamos um débito de R$ 408 milhões para ele pagar”, retrucou Lessa, acrescentando que o governo anterior deixou dinheiro em caixa e, no máximo, R$ 45 milhões de restos a pagar. “Ele [Vilela] fala em reduzir secretarias, que está enxugando a máquina do estado, mas por que não paga a isonomia dos professores, como nós vínhamos pagando?”, questiona o ex-governador. Os professores da rede de ensino público estadual estão em greve, reivindicando o pagamento de 80% da isonomia salarial com outras categorias de nível superior. A isonomia foi concedida por Lessa em abril do ano passado e implantada em duas parcelas. A primeira, de 20%, foi paga em outubro, e a segunda, de 80%, deveria ser paga na folha de dezembro, mas foi cancelada por Vilela. “Encontramos as contas com um buraco maior que o do metrô de São Paulo, e isso dificulta muito a nossa gestão”, prega o governador. É fato que ele não pode ser considerado como o único responsável direto pela situação de caos de Alagoas. Em todos os discursos, Téo Vilela destaca que o seu principal objetivo “é enxugar a máquina e dinamizar a economia do estado para aumentar a receita”. Por exemplo, o governador alega que a isonomia dos professores gera um acréscimo de R$ 12 milhões na folha de pagamentos, comprometendo-o perante a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em função disso, oferece apenas 40%. O ex-governador Lessa só não foi o principal cabo eleitoral da campanha do tucano devido à participação do senador e presidente do Congresso Nacional Renan Calheiros (PMDB). O adversário, o então deputado federal João Lyra (PTB), é um dos homens mais ricos de Alagoas e têm investimentos no setor sucroalcooleiro, de combustíveis, de automóveis e na área de comunicação. Sua candidatura foi associada aos grupos oligárquicos alagoanos, já que tinha o apoio de 24 dos 27 deputados estaduais, além de acusações na participação de crimes de mando. Calheiros atua com desenvoltura como aliado político de Lula no cenário nacional. Dentro de casa, é conhecido como uma “raposa política”, por causa das mudanças de lado. O início político foi no PCdoB, como liderança estudantil. No MDB, em 1978, liderava a oposição a Divaldo Suruagy – então no PDS e que, anos depois, em 1997, seria derrubado por manifestações populares. Na Câmara federal, em 1989, liderou a “bancada collorida” de Fernando Collor de Melo. Tentou o governo do estado em 1990, mas não teve de volta o apoio da família do presidente. Foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e, finalmente, se integrou à sustentação de Lula. Sobre o cenário regional, Calheiros evita falar na crise política gerada por Teotonio Vilela, até porque também tem sido alvo dos protestos dos professores. Em 15 de março, sua cidade natal, Murici (cujo prefeito é o seu filho mais velho) foi tomada por milhares de manifestantes. Por ter um contingente policial reduzido, o município foi protegido por mais de 300 policiais militares, que fizeram uso de dois helicópteros da Polícia Federal. A mobilização das forças foi vista pela população local e mídia regional como proteção ao patrimônio da família de Calheiros, o que motivou críticas tanto do Ministério Público quanto de setores do Judiciário estadual. “Esse uso da máquina pública em defesa de suas propriedades é um absurdo. E nós somos reprimidos de forma violenta”, protestou o presidente da CUT, Izac Jacson. A crise não vai parar O governo de Alagoas ainda nem resolveu o problema do pagamento da isonomia dos professores e já tem pela frente mais dois desafios com o funcionalismo público, em especial com a educação e com a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. Teotônio Vilela Filho sabe da potencialidade da futura crise e por isso tenta ganhar fôlego político. Além disso, outros grupos de servidores também teriam direito a reajustes nesse primeiro semestre. No caso da educação, há ainda dois nódulos de tensão pela frente: iniciar o enquadramento do pessoal do apoio para implantação do Plano de Cargos e Carreiras (PCC) e aplicar a data-base em maio dos professores do ensino médio. As duas tarefas são delicadas, pois envolvem um grande contingente de servidores. De acordo com Girlene Lazaro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sin¬teal), os profissionais de apoio – como vigias, motoristas, auxiliares de limpeza etc. – conseguiram garantir em novembro do ano passado a aprovação do PCC. “Quando íamos iniciar o enquadramento do pessoal, fomos surpreen¬didos com o decreto do governo. Estávamos com tudo pronto para definir a tabela salarial que colocaria as divisões por função e tempo de serviço a partir de um levantamento em cima do número de servidores. A suspensão foi mais uma pedra para melhoria na remuneração dos trabalhadores da educação”, afirmou. Com os militares, a situação é delicada, mas nem tão crítica. No ano passado, foram concedidos aumentos diferenciados entre oficiais e praças. O assunto gerou insatisfação em alguns setores das tropas. Por exemplo, de major a coronel, os salários foram equiparados aos de delegados de Polícia Civil, ou seja, R$ 8,9 mil. Agora, a Associação dos Oficiais da PM e do CBM (Assomal) quer ampliar o benefício. Segundo o presidente, o tenente-coronel Eduardo Lucena, está sendo preparada uma tabela com reajuste progressivo para englobar de soldados a capitães. “A gente está estudando uma fórmula que possa fazer com que um soldado ganhe o mesmo que um agente de polícia. Em cima disso, faríamos proporções, reajustando os valores dos cabos, sargentos e tenentes”, explicou o oficial. A demanda, baseada no aumento concedido em Goiás, deve ser apresentada nas próximas semanas, já que a data-base dos militares é em maio. Em média os soldados alagoanos recebem R$ 800. Violência política Tobias Granja, Silvio Vianna, Ceci Cunha, Zé Miguel, Baré Cola, Val do Agenor, Beto Campanha, José Galvão... Estes são apenas alguns nomes de pouca ou nenhuma abrangência nacional, mas que são casos conhecidos em Alagoas e que refletem uma longa lista de pessoas assassinadas em crimes políticos até hoje nunca solucionados. Essa é uma outra realidade alagoana que sempre ganha destaque nas manchetes dos grandes jornais do Centro-Sul. Na maioria dos casos, a suspeita sobre os mandantes recai sobre lideranças políticas protegidas pela imunidade parlamentar. No estado, é chamada de “Bancada da Bala”. Em pelo menos duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) do Congresso Nacional – do Crime Organizado (1998-9) e do Narcotráfico (2005) –, políticos alagoanos foram citados, até com pedidos de indiciamento. As denúncias não foram aceitas pelo Ministério Público, e o assunto deu em nada. Os crimes de mando ganharam cada vez mais espaço e foram ampliados para outros setores da sociedade. Uma amostra é o fato de que Maceió é a segunda capital nordestina com os piores índices de violência, perdendo apenas para Recife, segundo o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. No final de semana que precedeu a conclusão desta reportagem, 25 homicídios foram registrados em Maceió. Para o juiz Diógenes Tenório, conhecido em Alagoas pelo combate ao crime organizado, a situação é delicada e difícil de resolver. “É preciso, antes de tudo, de determinação das autoridades responsáveis pela segurança pública, que precisam ter firmeza de propósitos e não agir apenas por espasmos em momentos de comoção”, disse o magistrado nos dias seguintes aos crimes. Coronelismo Os presidentes Marechal Deodoro da Fonseca, Marechal Floriano Peixoto, Hermes da Fonseca e Fernando Collor de Mello fizeram carreira política em Alagoas. E assim como a maior parte dos que governaram ou tiveram influência na estrutura de poder no estado, perpetuaram as práticas coronelistas que marcam a trajetória alagoana (ver box). Entre os poucos personagens da história política alagoana que não construíram carreiras nesse formatoestão a ex-senadora Heloísa Helena e o ex-governador Ronaldo Lessa. Os dois conseguiram vencer juntos as oligarquias locais em dois momentos históricos importantes: o Fora Collor, em 1992, e a derrubada do ex-governador Divaldo Suruagy, em 1997. No primeiro caso, a dupla participou da disputa em chapa única, pela prefeitura de Maceió, encabeçada por Lessa. Arrastados pela onda nacional que destruía a imagem de Collor, conseguiram vencer a eleição. Em 1994, racharam para a disputa da sucessão na capital, e Heloísa Helena saiu derrotada. Em 1998, a dupla retomava a aliança política para ganhar o governo, superando o então candidato à reeleição Manuel Gomes de Barros, e a única vaga do Senado, disputada com Guilherme Palmeira (ambos então no PFL). A polarização colocou, de um lado, as forças mais à esquerda e, de outro, as lideranças políticas tradicionais com o apoio do setor sucroalcooleiro. Entretanto, a reviravolta política ficou no século passado. Lessa, para governar, fez acordo com setores conservadores e Heloísa deslocou sua atuação para o cenário nacional. O resultado prático foi visto nas urnas em 2006. Lessa perdeu a eleição para Fernando Collor na disputa do Senado, e Heloísa, na disputa da Presidência pelo PSol, ficou em terceiro lugar inclusive na votação em Alagoas, na disputa pela presidência. Hoje, eles tentam retomar forças, com dificuldades estruturais tanto no PSol quanto no PDT. Além da atuação política, a ex-senadora dá aulas na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e o ex-governador tenta reabrir um jornal diário antes administrado por seu irmão. O PT tem pouca representação em cargos públicos – apenas dois deputados estaduais, uma prefeitura e 15 vereadores em todos os 102 municípios. Não se pode dizer que a saída da ex-senadora tenha significado perda de cargos no estado. De pai para filho, para esposa, para sobrinho... A tradição de famílias que dominam a política não é privilégio de Alagoas. Mas, neste estado, o parentesco com figuras de poder é meio caminho para garantir uma eleição. Dos 27 deputados estaduais, 18 são filhos, sobrinhos, maridos ou esposas de políticos que ocuparam cargos de governador ou parlamentar. A família Collor de Mello e o mandato de Arnon de Melo no governo do estado são mais conhecidos no restante do país devido à passagem do atual senador Fernando Collor pela presidência. Ele bem que tentou emplacar um filho na Câmara Federal em 2002 – não conseguiu. Arnon de Mello Neto foi um dos mais votados, mas não atingiu o coeficiente eleitoral. Fernando James atualmente é o único filho do ex-presidente que está na política: ele é vereador em Rio Largo, cidade da região metropolitana de Maceió. Outro exemplo com projeção nacional é Augusto Farias, empossado deputado federal em março, na vaga de Gerônimo Ciqueira (DEM) que morreu subitamente por pneumonia. Irmão de Paulo César, tesoureiro de campanha de Collor (cujo assassinado é um capítulo à parte na história brasileira), tem a esposa Rume (PP), prefeita de Barra de Santo Antônio, e o irmão caçula, Rogério (PP), prefeito de Porto de Pedras. Há quem assegure que PC ambicionava ser governador. Manuel Gomes de Barros (PTB), vice de Divaldo Suruagy, que assumiu em 1997, é filho do ex-governador Antonio Gomes de Barros. Já Guilherme Palmeira (DEM) tem uma árvore genealógica mais curiosa. Rui Palmeira, o pai, levou os dois filhos para estudar no Rio de Janeiro. Um deles, o mais novo, Vladimir Palmeira (PT), ficou, mas pendeu para a esquerda. O outro voltou e seguiu os passos do pai: foi deputado, governador, senador e hoje é ministro do Tribunal de Contas da União. Seu filho Rui Palmeira foi eleito deputado estadual. João Lyra, derrotado em 2006, é herdeiro de uma família de usineiros do estado, irmão de Carlos Lyra, mas inimigos políticos. João Lyra tem a filha Lourdinha Lyra como vice-prefeita de Maceió. Teotônio Vilela Filho, o eleito, carrega o próprio nome do pai, senador que foi quadro histórico do MDB e que batiza um Instituto, ligado ao PSDB. As idas e vindas Renan Calheiros começou sua história como militante do PCdoB no movimento estudantil na década de 70, durante a ditadura militar. Vindo de uma família de classe média baixa, atualmente também está entre os mais abastados do estado. Em 1978, ainda na faculdade, foi eleito deputado estadual pelo MDB com o voto em massa dos estudantes. Tornou-se o principal crítico do governador do PDS, Divaldo Suruagy. Em pouco tempo, Calheiros mudaria de lado para ganhar mais poder político. Em 1986, lidera a campanha de Fernando Collor de Mello ao governo do estado. Com a vitória, recebeu a Secretaria de Educação. O acordo com Collor permaneceu na disputa presidencial vitoriosa de 1989 e durou até o ano seguinte, quando o então deputado federal líder da tropa de choque “collorida” na Câmara resolveu ser candidato ao governo de Alagoas. O presidente impulsionou a campanha de Renan Calheiros, mas, dias antes da eleição, influenciado por Paulo César Farias, mudou de lado. A manobra serviu para eleger Geraldo Bulhões. Dono de oito emissoras de rádio, o governador eleito estava no sexto mandato como deputado federal e cresceu politicamente defendendo o coronelismo na região sertaneja. Calheiros se elegeria senador em 1994 com o apoio dos setores mais conservadores do estado, defendendo o antigo desafeto Divaldo Suruagy para o governo. Nacionalmente, ele não foge à regra, e leva o PMDB para a base de apoio do governo Fernando Henrique Cardoso. De brinde, ganha poder na Transpetro e, em seguida, vira ministro da Justiça. Renan permanece apoiando a base tucana até a vitória de Lula em 2002. Pouco depois, muda de lado e vira defensor do petista em Brasília. O resultado não é outro: a presidência do Senado e as indicações para dirigentes de estatais e ministérios.