Crônica: A agonia de um catador

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Sentado, prostrado no meio-fio de uma avenida da zona sul da cidade de São Paulo, está seu Adelino. O olhar está longe. Na verdade, ele olha um condomínio em construção.

A avenida é a Alceu Mainardy de Araújo. O condomínio é mais um dos empreendimentos imobiliários de classe média que estão sendo construídos na região.

Nesta avenida, um dia, seu Adelino trabalhou como catador de recicláveis. Até que, em uma noite, enquanto dormia, a cooperativa onde trabalhava virou cinzas.

De lá para cá, o catador lutou até quando teve forças para reabrir a cooperativa. Mas, seu Adelino e os companheiros não sabiam bem contra quem ou contra o que lutavam.

Muitas foram as promessas, dezenas as reuniões, até que um dia seu Adelino não quis mais participar de nada. Hoje, somente olha para os prédios e se pergunta: “Eles tem tanto, porque fazem isso com a gente? Pedimos tão pouco.”

Seu Adelino chora. “Não pensam na gente, eu preciso trabalhar”. Mas seu lamento não é ouvido pelas autoridades. Quase um ano sem trabalho, humilhado, seu Adelino sobrevive graças a ajuda alheia. Mas, não é isto que ele quer. O que deseja é pagar pela comida, quer uma cama, quer uma vida.

Seu Adelino perdeu as forças, cansou-se. Percebeu que o inimigo é implacável. As mãos, que outrora eram o instrumento de trabalho, agora estão inchadas. Os olhos lacrimejam o tempo todo.

Até da cama onde dormia, dentro da cooperativa, foi expulso. Não pode mais sequer chegar perto do portão.

Deixou de frequentar as reuniões. Deixou de perguntar quando vai abrir. Parou de perguntar se vai mesmo abrir.

Seu Adelino, o catador, agoniza. Talvez não sobreviva até a prometida reabertura da cooperativa.

Mas, quem se importa?