Cúpula do Sul deve olhar para o Oriente

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Às vésperas da terceira cúpula anual do Fórum de Diálogo IBSA, que acontece nesta quarta-feira, 15, em Nova Déli, a economista sul-africana Mohau Pheko disse à IPS que “existe muita preocupação a respeito da incorporação da China ao grupo, mas este precisa de Pequim se deseja se converter em uma força poderosa”. Embora o grupo tenha um enorme potencial, às vezes se vê afetado por divergência de interesses acrescentou.

Brasil e Índia ficaram em lados opostos em julho na Rodada de Doha de negociações multilaterais de comércio, após cinco anos liderando em conjunto o Grupo dos 20, que representou o Sul em desenvolvimento nas deliberações. O G-20 havia conseguido um protagonismo inovador na mediação e representação dos interesses do mundo em desenvolvimento. Pheko afirmou que as decisões adotadas dentro do IBSA costumam demorar muito para se transformar em realidade, já que “as negociações comerciais são complexas e estes países estão envolvidos em outras tratativas ao mesmo tempo. É difícil lidar com cinco ou mais negociações, simultâneas e divergentes”, ressaltou.

Por outro lado, o analista político William Breytenbach, professor da Universidade de Stellenbosch, próximo à Cidade do Cabo, mostrou-se céptico sobre o potencial do grupo. “Os três países são poderes regionais, mas como grupo não foram além de tomar uma posição contrária à Organização Mundial do Comércio”, afirmou. “Os três compartilham preocupações sobre a liberalização comercial de produtos agrícolas, mas, têm mais diferenças do que pontos em comum. Durante a Rodada de Doha se apunhalaram pelas costas uns aos outros quando lhes foi conveniente”, disse o professor.

“Brasil e Índia ainda tentam manter políticas protecionistas em matéria de subsídios à exportação, enquanto a África do Sul renunciou a eles há muito tempo”, lembrou Breytenback. “O grupo não fez nenhum avanço para gera uma posição coletiva. Não compartilham fronteiras, já que estão em três continentes diferentes, por isso não têm nenhum impacto criando um poderoso grupo comercial como, por exemplo, a Comunidade de Desenvolvimento da África Meridional”, ressaltou.

Lyal White, pesquisador associado do Instituto Sul-africano para Assuntos Internacionais, também se mostrou céptico. “Não se deve esperar muito da cúpula de Nova Déli”, assegurou. O grupo foi criado em 2003 “ainda não produziu nada tangível, além de boas idéias de cooperação, algum apoio multilateral, embora apenas inicialmente, e listas de grupos de trabalho”, disse White. Houve, entretanto, aspectos positivos. “A África do Sul se beneficiou por pertencer a um grupo que está claramente em outra categoria. As economias de Brasil e Índia são cerca de quatro vezes maior do que a sul-africana e suas populações bem superiores. Realmente, não precisam da África do Sul para operar no cenário internacional”, disse o pesquisador.

“Por outro lado, a África do Sul não usou o fórum IBSA para encarar temas nacionais e continentais. Quando entramos no grupo o resto do mundo pensava que seriamos um país líder para a África, mas nisto fracassamos miseravelmente”, acrescentou White. “O comércio aumentou, mas em grande parte a favor de Brasil e Índia”, ressaltou. Além disso, afirmou que embora tenha havido alguns investimentos da Índia, e, mais recentemente, do Brasil na África do Sul, os investimentos brasileiros são muito maiores. O Brasil busca mercados em outras nações africanas, especialmente Angola e Moçambique.

O comércio bilateral África do Sul-Índia gira em torno dos US$ 2,3 bilhões anuais e com o Brasil está na casa de US$ 1,3 bilhão. Mas, segundo White, a transferência de tecnologia é uma área com um grande potencial, especialmente nas áreas de energias renováveis e biocombustíveis. “A África do Sul tem uma oportunidade real de se associar com o Brasil no desenvolvimento destes setores”, afirmou. a Índia se posicionou como um ator principal no campo da tecnologia de Internet na África, onde desenvolve um projeto para conectar os 53 países do continente via satélite ou através de redes de fibra ótica.

O acordo de criação do grupo IBSA estabelece que os projetos de pesquisa e desenvolvimento incluem o uso de software de livre acesso para manejo da epidemia do HIV/Aids. A Índia já é líder no campo do fornecimento de remédios anti-retrovirais de baixo custo para tratamento dessa enfermidade. “Pode-se obter benefícios mútuos derivados de acordos comerciais entre os três países, mas, devem ser mais efetivos nos tratados bilaterais do que nos multilaterais, Comissão Européia ocorrem no contexto do IBSA”, disse Breytenbach.

Mas, seguramente, na cúpula de Nova Déli “a questão de discussão será a crise financeira internacional, com os líderes dos três países preocupados pelo impacto que terá em suas nações. O Brasil foi afetado severamente e prevalecerão os interesses nacionais”, afirmou White. Sobre o futuro do grupo IBSA com o novo presidente sul-africano, Kgalema Motlanthe, que assumiu no mês passado, será preciso ver se continuará com os planos de seu antecessor Thabo Mbeki para a criação de laços internacionais, disse Pheko.

“Um os pontos fortes de Mbeki era a política externa. E embora o presidente do oficialista Congresso Nacional Africano, Jacob Zuma, tenha assegurado aos investidores estrangeiros que nada mudaria no país, não promoveu com força a cooperação internacional. Neste momento temos uma debilidade de liderança em matéria de política externa”, afirmou. “Os líderes querem estabilizar a situação interna. Mas, creio que finalmente se conscientizarão da importância de assumir um papel de liderança a respeito, por exemplo, da Nova Aliança para o Desenvolvimento Africano. Entretanto, primeiro é preciso assegurar a estabilidade interna”, concluiu Pheko. (IPS/Envolverde)