Dilma recebe indígenas mas mantém cautela sobre demarcações de terras

Em carta à presidenta, o Aty Guasu reclamou da morosidade dos processos de criação de reservas

Lideranças indígenas se encontraram com a presidenta Dilma Roussef pela primeira vez na gestão da petista (Foto: Aty Guasu)
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Em carta à presidenta, o Aty Guasu reclamou da morosidade dos processos de criação de reservas Por Igor Carvalho [caption id="attachment_26881" align="alignleft" width="300"] Lideranças indígenas se encontraram com a presidenta Dilma Roussef pela primeira vez na gestão da petista (Foto: Aty Guasu)[/caption] Pela primeira vez em seu governo, a presidenta Dilma Rousseff recebeu os índios para dialogar. Lideranças de 19 etnias expuseram seus argumentos sobre os processos de demarcações de terras indígenas, mas não convenceram a presidenta, que manteve a decisão de manter a situação atual, mesmo que temporariamente, das homologações de reservas. Por conta do recrudescimento dos conflitos entre índios e fazendeiros por terras, o governo federal decidiu, em maio, interromper as demarcações das reservas para submeter os estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão federal responsável por estabelecer e executar a política indigenista brasileira, à análise do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura. O Ministério da Justiça adiantou que fará mudanças na forma como são conduzidas as demarcações. “O que haverá, e nós estamos discutindo, é uma portaria do Ministério da Justiça que busque garantir, primeiro, que sejam ouvidos outros órgãos, que se aperfeiçoe a instrução do processo de demarcação. E segundo, que nós, ainda na fase antes da decisão do Ministério da Justiça, possamos ter uma perspectiva de conciliação e de diminuição de conflitos na hora em que essa portaria baixar”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Segundo a líder indígena Sônia Guajajara, que esteve na reunião, Dilma Rousseff se comprometeu a “fazer de tudo” para barrar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 no Congresso. O projeto determina que os parlamentares passariam a decidir sobre as demarcações de terras indígenas, prerrogativa que hoje é do Executivo. Uma carta foi entregue à presidenta Dilma Roussef pelo Aty Guasu, a assembleia geral dos povos indígenas. No documento, os indígenas reclamam da morosidade dos processos de demarcação. "Existem terras indígenas tradicionais reconhecidas, declaradas e homologadas pelo governo federal em meados de 1980, 1990 e 2000 já declaradas e homologadas como terras indígenas, mas até o momento nós indígenas não tomamos a posse das terras." Confira a íntegra da carta: INFORMATIVO DO CONSELHO DA ATY GUASU GUARANI KAIOWÁ Nós, representantes dos povos indígenas Terena, Kadweu, Guarani, Kaiowá, mais uma vez relatamos as realidades indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul, ao mesmo tempo solicitamos as soluções urgentes à presidente da República. Uma das demandas urgente é o reconhecimento, demarcação e devolução definitiva de nossas terras tradicionais. Outra reivindicação é a efetivação de nossos direitos constitucionais na área de segurança, nas assistências sociais, na área de produção sustentável, na área de saúde indígena e na educação escolar indígena, que esses direitos não são efetivados pelos governos municipais e estaduais nas aldeias indígenas, nos acampamentos e nas terras indígenas em conflito/litígio, localizadas no Estado de Mato Grosso do Sul. Em relação à demora na demarcação de nossas terras reivindicadas, relatamos à Presidenta da República que existem terras indígenas tradicionais reconhecidas, declaradas e homologadas pelo governo federal em meados de 1980, 1990 e 2000 já declaradas e homologadas como terras indígenas, mas até o momento nós indígenas não tomamos a posse das terras e nem usufruímos os recursos das partes das nossas terras homologadas pelo presidente da República, em decorrência disso, os nossos direitos indígenas e humanos básicos são violados e ignorados, as nossas comunidades indígenas passam miséria, morrem, se sentem injustiçados e humilhados, mas os fazendeiros continuam arrendando e explorando as terras indígenas declaradas e homologadas pelo presidente da República. Os fazendeiros continuam se enriquecendo ilegalmente sobre essas terras indígenas. Enquanto que nós povos indígenas estamos morrendo e passando miséria e fome, sem espaço de terras para produzir os nossos alimentos, por isso, as novas gerações indígenas entram em estado de desespero profundo. Relatamos que nesse contexto, há genocídio indígena em curso, desde 1988 até 2013, Um mil (1.000) indígenas Guarani-Kaiowá praticaram o suicídio, por perder a esperança de viver dignamente nas suas terras tradicionais. Explicitamos à Presidente da República do Brasil que não demarcação de nossas terras indígenas, os atrasos e omissões inexplicáveis por parte do governo e da justiça federal violam legislação e direitos fundamentais de nossos indígenas inscritos na Constituição Federal CF/88, na legislação infraconstitucional inscritos em Acordos e Pactos Internacionais dos quais o Brasil signatário, como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – ONU, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – ONU, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA). Relatamos à Dilma Roussef que no Mato Grosso do Sul, existem propagação permanente de racismo, discriminação e ódio contra os indígenas tanto pela mídia local quanto pela manifestação pública dos fazendeiros anti-indígenas e autoridades locais. Os autores e mentores de racismo deveriam a ser apurados e responsabilizados, conforme as leis existentes. O genocídio dos povos indígenas do MS em curso foi e é alimentado pelos fazendeiros anti-indígenas. Centena de lideranças foi assassinada pelos pistoleiros das fazendas. Os assassinos das lideranças indígenas não são julgados e nem punidos no Mato Grosso do Sul, a impunidade alimenta mais as violências contras os povos indígenas. Há os crimes de ameaças e assassinatos de lideranças pelos pistoleiros das fazendas (sem investigação e punições conclusivas os responsáveis. Nas terras indígenas em conflito, há as omissões, negligências e ausências de políticas públicas elementares e básicas, nas áreas da produção de alimentos, de saúde, de educação, ambientais e sociais. Destacamos na reunião com a Dilma que nós indígenas do Mato Grosso do Sul sofremos violências tanto pelos pistoleiros dos fazendeiros quanto pela decisão da justiça federal, que nenhuma decisão da justiça federal instalada no Estado de Mato Grosso do Sul não considera os nossos direitos, todas as decisões foram favoráveis aos fazendeiros, ignorando os nossos direitos. Narramos à Dilma que nós indígenas reocupamos/retomamos uma parte de nossas terras demarcadas após aguardar a anos e décadas a decisão do governo e da justiça, e hoje acabou a nossa paciência, não vamos mais aguardar não, que a nossa decisão e fazer retomada de nossas terras demarcadas e já regularizadas pelo governo, porque as nossas crianças e idosos estão sofrendo e morrendo, estamos sendo massacrados, enganados e humilhados, por isso decidimos a realizar o movimento de retomada das terras tradicionais. Visto que há o impedimento dos indígenas para caçar, pescar e usufruir da mata nativa que resta na terra já declarada como indígena, mas ainda ocupada por fazendeiros. Há o arrendamento, extração e comércio ilegal de madeira na mata nativa que resta na terra já declarada indígena. Há várias comunidades indígenas, precariamente instaladas em barracos de lona em barranco à beira da rodovia e acampamento e sofre cerco de pistoleiros das fazendas. Na rodovia, há atropelamento das crianças e idosos, as ameaças, as mortes, o despejo sofrido (queima de barracos), quando os fazendeiros assassinam os indígenas não há investigações sérias e/ou conclusões a respeito. Por fim, relatamos à Presidenta da República do Brasil Dra. Dilma, a decisão da assembleia geral dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, que aguardaremos a conclusão dos relatórios da comissão criada pelo ministério da justiça e do Conselho Nacional da Justiça que o término dos relatórios das comissões está previsto para o dia 05 de agosto de 2013. Dessa forma, relatamos e comunicamos à presidenta Dilma que antes de continuarmos da reocupação de nossas terras tradicionais reivindicadas decidimos em aguardar o relatório final da comissão do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e do relatório da comissão do Ministério da Justiça em curso. Aguardaremos até 08 de agosto de 2013. Nos dias e 07 e 09 de agosto de 2013, ocorrerá 3ª assembleia geral dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, nos dias em que iremos discutir e avaliar os resultados de estudos das comissões mencionadas. Depois do dia 09 de agosto de 2013, discutiremos sobre a reocupação de nossas terras tradicionais.   Essa é o resumo dos relatos e do documento da assembleia geral dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul que foi entregue diretamente à Presidenta da República do Brasil. Brasília-DF, 10 de julho de 2013. Comissão das lideranças da assembleia geral do Mato Grosso do Sul: Aty Guasu Guarani-Kaiowá, Kadweu e Terena.