A disputa entre Davi e Golias pela narrativa da crise

A revolta da varanda gourmet, que foi um festival de xingamentos machistas contra a presidenta, foi apresentada pela TV Globo como intensa e massiva

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A revolta da varanda gourmet, que foi um festival de xingamentos machistas contra a presidenta, foi apresentada pela TV Globo como intensa e massiva Por Najla Passos, na Carta Maior Às vésperas do protesto convocado para o próximo domingo (15) por grupos diversos de oposição, a popularidade da presidenta Dilma Rousseff continua a revelar sinais de desgaste, que a imprensa tradicional teima em tentar transformar em crise irreversível. Na manhã desta terça (10), ela foi vaiada ao chegar ao Salão Internacional da Construção, em São Paulo (SP), tradicional reduto conservador do país. Antes dela chegar ao local da abertura do evento, o fato já era manchete nos principais sites comerciais. Mais sintomática, porém, foi a cobertura da chamada ‘revolta da varanda gourmet’ que, na noite do domingo (8), se espalhou por bairros chiques das principais capitais brasileiras em um rompante de ódio contra a presidenta e seu partido. Enquanto Dilma fazia seu pronunciamento pelo Dia Internacional da Mulher, em cadeia nacional de rádio e televisão, a elite batia panelas das suas sacadas e lhe dirigia ‘palavras de ordens’ carregadas de machismo e preconceito, como “vaca”, “vagabunda” e “prostituta”. Embora isolados, os episódios foram apresentados ao país, via o Fantástico da TV Globo, como intensos e massivos. Um movimento contrário àquele que marcou a não cobertura do Movimento Diretas Já, quando a emissora minimizava a força das ruas e transformava grandes manifestações populares em festejos localizados por motivos banais. Nos jornais do dia seguinte, a oposição e os colunistas que a servem criticavam a presidenta por fazer uso de 15 minutos das concessões públicas de rádio e TV para apresentar a sua versão dos fatos, enquanto nos meses em que ela andou em silêncio, a mídia se esmerou impune para construir uma visão apocalíptica da crise. É fato que Dilma demorou a falar à nação. Só agora se dispôs a explicar o porquê das impopulares medidas de ajuste fiscal que baixou desde o final do ano passado e que atingem em cheio o bolso dos trabalhadores, especialmente dos mais pobres, que dependem de pensão do INSS, seguro desemprego ou seguro defeso. Justamente aqueles que votaram nela para fugir do projeto político tucano que, todos acreditavam, era muito parecido com o que hoje segue em curso. A presidenta também não foi a público esclarecer as medidas que chegaram a triscar no “andar de cima”, mais recentemente, com a desoneração da folha e pagamento de 56 setores da economia premiados com descontos bilionários durante seu primeiro mandado. Muito menos, explicou ao país porque não optou por adotar medidas que façam com que os ricos paguem a conta da crise, como a taxação das grandes fortunas, prevista na constituição, mas jamais regulamentada. O curioso é que, neste contexto, os protestos não explodiram nas periferias ou nas filas do INSS, mas sim nos bairros da elite que lê a revista Veja. E não veio em palavras de ordem contra a redução de direitos dos trabalhadores, mas sim na forma de xingamentos ceifados de preconceito e ódio. O estilo raivoso do protesto, tal como ocorreu na Copa do Mundo, virou assunto nacional e reacendeu a necessidade de todos encararem aquela tarefa hercúlea de entender o Brasil. Mais disposta a travar a batalha da comunicação, ainda que muito atrasada na largada, a presidenta afirmou, em coletiva de imprensa, na segunda (9), que manifestações pacíficas são da regra democrática. “Aqui, as pessoas podem se manifestar e têm espaço para isso. E tem direito a isso”, frisou. Mas lembrou que impeachment é um processo político e jurídico que precisa ser bem caracterizado, e não servir como mote para um 3º turno de eleição já encerradas. “Eu acho que há que se caracterizar razões para o impeachment. E não fazer o 3º turno da eleição. A eleição acabou. Já houve 1º e 2º turno. Agora, 3º turno não pode ocorrer, a não ser que se queira uma ruptura democrática. E eu acredito que a sociedade brasileira não vai tolerar rupturas democráticas”, defendeu. Para a presidenta, a manifestação do dia 15 espelhará seus organizadores, mas não podem significar o rompimento da ordem constitucional. ”Quem convocar convoca como quiser, ninguém controla a manifestação. Ela vai ter a característica que terão seus organizadores. Mas ela, em si, não representa nem a legalidade nem a legitimidade de pedidos que roubem a democracia”, sustentou. Dilma avaliou que, neste momento de crise, é prudente o país perceber que precisa de estabilidade. “Não acredito que os brasileiros são a favor do quanto pior melhor, porque os que são a favor do quanto pior melhor não têm compromisso com o país”, apostou. Para o PT Nacional, as manifestações, pontuais, foram organizadas para impedir o alcance da mensagem do pronunciamento da presidenta, mas fracassaram em seus objetivos. O secretário nacional de Comunicação do PT, José Américo Dias, apontou indícios de que o movimento dito espontâneo vem sendo financiado com alto caixa. “Tem circulado clipes eletrônicos sofisticados nas redes, o que indica a presença e o financiamento de partidos de oposição a essa mobilização”, esclareceu. O vice-presidente e coordenador das redes sociais do partido, Alberto Cantalice, acrescentou que “existe uma orquestração com viés golpista que parte principalmente dos setores da burguesia e da classe média alta”, semelhante às que estimularam as chamada Marchas da Família que, com o apoio da grande mídia, justificaram o golpe que derrubou o presidente João Goulart, em 1964. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado à presidência, defendeu o contrário. Para ele, as manifestações são sim espontâneas. “As manifestações que ocorrem nas redes sociais, nos panelaços e nas ruas não defendem um terceiro turno. São manifestações espontâneas e democráticas. Queremos um país em que todos tenham o direito de expressar sua opinião. O PT não é uma instância suprema que pode decidir quais opiniões são legítimas e quais não são, ou quais podem e quais não podem ser expressas”, afirmou em nota nesta terça (10). Outro tucano, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já disse que não há razões objetivas para impeachment e que não apoiará os protestos golpistas. “Impeachment não é uma coisa desejável e ninguém se propõe a liderar isso. O PT usa o impeachment para dizer que o PSDB quer, mas não é verdade. O impeachment é como bomba atômica, é para dissuadir, não para usar”, disse ele em entrevista ao Estado de S. Paulo. Já o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), candidato derrotado à vice-presidência nas últimas eleições, falou que também não apoiará o impeachment, mas por outras razões: quer ver a presidenta “sangrar aos poucos” nos próximos quatro anos. Ele apoia publicamente as manifestações do dia 15, como fez com as marchas da família no ano passado. Ódio de classe O sentimento de ódio exalado pelo tucano já entrou no radar da intelectualidade, que vê uma preocupante polarização de classes no país, ao estilo que hoje impera na Venezuela. Ex-ministro do governo FHC, o economista Bresser Pereira identificou um fenômeno novo, provocado pela ressaca pós-interdição do crescimento econômico: o ódio político dos ricos, dos endinheirados, contra um partido e uma presidenta. Em seu blog, o jornalista Juca Kfouri ironizou o protesto contra a corrupção de uma elite que sonega impostos e tenta obter vantagens discutíveis nos atos mais corriqueiros. “O panelaço nas varandas gourmet de ontem não foi contra a corrupção. Foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade. Elite branca que não se assume como tal, embora seja elite e branca”, escreveu. Na outra ponta da linha, o juiz federal Alexandre Infante, diretor da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), chegou a usar seu twitter para incitar um crime, agora, hediondo: o feminicídio.  “Dilma diz que vai sancionar amanhã a Lei do Feminicídio. Legislando em causa própria?”, questionou no domingo. Depois, justificou que era só uma brincadeira. Antes dele, o jornal O Globo, no Dia Internacional da Mulher, publicou uma charge em que a presidenta aparecia tentando negociar com o Estado Islâmico para evitar a decapitação iminente. Uma imagem agressiva que suscitou interpretações exaltadas. Liberdade de expressão ou apologia ao crime? Quem financia o golpe? Na convocatória do ato do dia 15, os grupos organizadores estão muito bem identificados, ao contrário do que ocorreu nos protestos de junho de 2013. As dúvidas, por hora, giram apenas em torno de quem os financia. Entre eles está o Vem Pra Rua, oficialmente criado pelo empresário Rogério Chequer, de 46 anos, que não defende o impeachment de Dilma, mas o maior engajamento da população, seja lá o que isso signifique em termos concretos. Levantamento do site 247, no entanto, revela que seu domínio no mundo virtual foi registrado em nome da Fundação Estudar, do empresário Jorge Paulo Lemann, dono da Ambev e um dos mais ricos do Brasil. A fundação é a mesma que ajudou a financiar o locaute dos caminhoneiros contra o governo Dilma, nas últimas semanas. De acordo com o grupo Movimento Brasil Livre (MBL), formado por jovens que também puxam o protesto e defendem publicamente o impeachment, O Vem Pra Rua é o mais rico dos grupos, porque “tem o PSDB por trás”. Há, ainda, o Legalistas, criado pelo militar da reserva, Tôni Imbrósio Oliveira, que prega o golpe. E o Revoltados Online, de Marcelo Reis, que lucra com a venda de produtos pró-impeachment, como o kit com camiseta preta estampada com o brasão da República, dois adesivos e um boné, ao preço de R$ 175. Na contramão do ‘golpista’ Na contramão dos movimentos golpistas do domingo, os movimentos sociais e sindicais protestam nesta sexta (13), com pauta bem clara e diversa: contra as medidas de ajuste fiscal que prejudicam os trabalhadores, contra o retrocesso, e em defesa da Petrobrás, da democracia e da reforma política popular. Puxado pela CUT, MST e Federação Única dos Petroleiros, o movimento já confirmou mobilização em 24 capitais para o “Dia Nacional de Luta em Defesa dos Direitos da Classe Trabalhadora, da Petrobrás, da Democracia e Reforma Política, Contra o Retrocesso”. O presidente da CUT, Vagner Freitas, ressalta que a manifestação não é nem contra nem a favor do governo. Segundo ele, fazer manifestações para conquistar ou manter direitos, por mais e melhores empregos, por aumentos reais de salários, por saúde e educação de qualidade  é uma tradição da CUT e de todo movimento sindical brasileiro. “Foi assim que conquistamos a política de valorização do salário mínimo, a redemocratização do Brasil, aposentadoria para trabalhadores/as rurais, valorização da agricultura familiar e tantos outros benefícios para a classe trabalhadora”, justifica.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil