Diversidade de propostas

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Foto: Wilson Dias/ABr
Foto: Wilson Dias/ABrA proposta de levar o debate sobre as tecnologias sociais às escolas do ensino fundamental da rede pública de todo o Brasil foi o que motivou a realização do Concurso Aprender e Ensinar Tecnologias Sociais, promovido pela revista Fórum e pela Fundação Banco do Brasil. Os produtos, técnicas e metodologias simples e reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade, são capazes de promover a transformação social em diversos locais e a escola é o melhor lugar para começar a discussão e garantir que ela avance cada vez mais na sociedade. Depois de quatro meses de concurso, os cinco vencedores foram conhecidos no dia 16 de dezembro.
Para participar, depois de se inscrever, o professor respondia a duas perguntas para dizer, sucintamente, como pretendia trabalhar o tema com estudantes, pais, professores e demais pessoas da comunidade. O desafio da iniciativa teve resultados muito positivos. Para discutir o tema, 2.640 educadores de 980 cidades de todo o Brasil se inscreveram. Disputaram para ir à fase final 640 propostas de atividade de participantes que cumpriram a fase de certificação, e dez de cada região foram para a final.
“O resultado foi surpreendente pela participação e representação de professores de todos os estados”, avalia Claiton Mello, gerente de Comunicação e Mobilização Social da Fundação Banco do Brasil. “Para a Fundação Banco do Brasil, o concurso reafirma a importância do debate sobre tecnologia social como foco e orientador central de nossa atuação na sociedade brasileira”, completa.
Em 2009, a entidade promove a quinta edição do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, e Mello acredita que os professores participantes, já sensibilizados para o tema, podem ser agentes identificadores de novas tecnologias aptas a concorrer ao prêmio. “O concurso foi uma experiência exitosa e em 2010 queremos retomar o certame e ampliar a participação para mais professores”, aposta.
Para o editor da Fórum, Renato Rovai, o concurso mostrou uma qualidade bastante apurada nas propostas. E garantiu a possibilidade de professores de diferentes regiões debaterem o tema. “Analisando as propostas, as questões colocadas para discussão partem de problemas ou temas presentes na escola ou no bairro. Isso é bem semelhante a um dos pressupostos da tecnologia social, que é o fato de ela surgir de uma necessidade e se adaptar a cada realidade”, explica Rovai.
Ele chama atenção ainda para a qualidade das propostas. “O expressivo número de participantes certificados, que enviaram atividade para discutir tecnologias sociais, também significa que ideias muito boas vêm sendo desenvolvidas nas escolas públicas”, destaca. Alguns participantes chegaram a escrever para a coordenação do concurso para contar que o tema já estava incluído no programa pedagógico da escola, independentemente dos resultados. 

Foto: Marcello Casal/ABr
Foto: Marcello Casal/ABr
Critérios
Na análise das respostas, tanto para a definição dos finalistas quanto para apontar os vencedores, foram cinco os critérios com peso igual:

  • Clareza na compreensão do conceito de tecnologia social
  • Envolvimento da comunidade
  • Interdisciplinaridade
  • Exequibilidade
  • Reaplicabilidade em outras escolas


Avaliadores 

A análise das respostas dos 50 finalistas foi feita por 15 avaliadores. São eles: Alexandre Akira Takamatsu, do Instituto de Tecnologia do Paraná; Ana Cristina Accioly, educadora, pedagoga e diretora do Instituto Palmas; Eunice Nodari, do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão (Forproex); Felipe Pinheiro, representante da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) no Comitê Coordenador da Rede de Tecnologia Social (CC/RTS); Ghislane Duque, professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e membro da ASA; Lana Pires, gerente da área de Segurança Alimentar na Secretaria para Inclusão Social do Ministério de Ciência e Tecnologia (Secis/MCT); Luiz Carraza, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN); Odilon Guedes, do Instituto Primeiro Plano; Paulo Magalhães, sociólogo e ex-representante da Caixa no CC/RTS; Rodrigo Fonseca, doutorando na Unicamp e representante da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) no CC/RTS. Também participaram Anselmo Massad, Brunna Rosa, Glauco Faria e Vanessa Nicolav, da Revista Fórum.

Vencedores 
As cinco propostas de atividade vencedoras do concurso representam bem a grande diversidade do material apresentado. São ideias para discutir as tecnologias sociais a partir de questões práticas colocadas no cotidiano dos alunos ou da escola. Um participante de cada região do país ganhou uma passagem para Belém (PA), para participar do Fórum Social Mundial 2009, o FSM da Amazônia, realizado de 27 de janeiro a 1º de fevereiro.
Todos os professores que enviaram propostas de atividade receberam, pelo correio, um certificado de participação. Os 50 finalistas vão receber troféus desenhados pela artista plástica Alejandra Conte, em madeira de demolição e bronze reaproveitado.
Entre as propostas ganhadoras, há hortas comunitárias para plantas medicinais, reciclagem de óleo de fritura, uso de energia solar, promoção da cultura de surdos e artesanato com material reaproveitado. As ideias vão para um banco de propostas de atividade na página da Fórum na internet.

Centro Oeste: Libras e cultura surda 
A proposta vencedora da região Centro Oeste trabalha a inclusão de crianças surdas e formas de se difundir tanto a Língua Brasileira de Sinais (Libras) quanto valorizar a produção de pessoas com deficiência auditiva na sociedade. A arte-educadora do Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação (Ceada), Doreni Ricartes Guimarães Tasso, de Campo Grande (MS), propôs a difusão do que ela chama de “cultura surda” como forma de viabilizar uma comunidade de pessoas com deficiência auditiva.
Segundo a professora, de 50 anos, existem poetas, pintores, intelectuais que produzem cultura a partir da linguagem de sinais, mas cuja obra é pouco reconhecida. “Fiz um trabalho de formiguinha, e em um evento para alunos especiais os surdos apresentaram uma peça de teatro em Libras”, conta a professora. “Todos compareceram e foram elogiados, as mães saíram orgulhosas. Então, percebi a necessidade de trabalhar a escola e o entorno dela”, relata.
A partir daí, outras formas de manifestação artística passaram a ser propostas, como o registro fotográfico. Os estudantes ainda fizeram pesquisa sobre personalidades históricas que conseguiram reconhecimento, como Ludwig van Beethoven e Hellen Keller.

Nordeste: horta de plantas medicinais

Resgatar conhecimentos tradicionais relacionados a plantas com poder medicinal e aliá-los ao tratamento de dores de cabeça e cólicas. A proposta vencedora da região Nordeste tem como centro uma horta comunitária, a Farmácia Viva, que articula uma série de discussões relacionadas à automedicação, o cultivo de plantas e o uso de ervas fitoterápicas.
Edinalva Pinheiro dos Santos Oliveira, diretora da Escola de Ensino Fundamental Benjamin Felisberto da Silva, de Arapiraca (AL), decidiu propor uma atividade que articulasse pais, alunos, funcionários e professores numa horta comunitária. A motivação para isso foi a recorrência de gente da comunidade que, por dor de cabeça, cólica, febre ou algum machucado, deixavam de participar do cotidiano escolar. Ao mesmo tempo, as professoras medicavam as crianças sem estar devidamente orientadas para isso, usando remédios tradicionais, cujas contraindicações nem sempre são devidamente conhecidas.
O cenário se transformou em motivação para a Farmácia Viva, que difunde conhecimentos tradicionais, considerando inclusive as aplicações e cuidados necessários para aplicação de ervas fitoterápicas. Professores e alunos do segundo ano do fundamental da escola foram visitar o Projeto Amanhã da cidade, uma iniciativa da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para qualificar mão de obra para o cinturão agrícola da região.
Do intercâmbio, além de produzir uma horta completa com boldo, sabugueiro e atroveran, entre outras mudas, a iniciativa levou os pais a se interessarem em fazer chás, xaropes e pomadas a partir de produções semelhantes. A escola conseguiu selo da Unicef e participou da mostra do Instituto Lagoa Viva da Braskem em Maceió, capital do estado. 

Norte: reciclagem pela arte
A professora Rozenilda de Souza, de 38 anos, queria discutir dois assuntos com seus alunos. O primeiro era a conscientização ambiental. O outro, a valorização da cultura do bairro de Buritis, em Boa Vista (RR). A chave para trabalhá-los estava em perceber que um comprometimento individual e coletivo com o bairro, o espaço escolar e o ambiente como um todo poderia ser discutido por meio da produção de artesanato.
Os alunos da Escola Estadual Professor Jaceguai Reis Cunha buscaram, junto a costureiras e artesãos da comunidade e também de fora dela, referências para orientar os trabalhos. “De forma simples, a ideia é repassar ao educando a ideia de que se pode contribuir para a preservação do meio ambiente chamando a atenção para a valorização do artesanato local que reutiliza, reaproveita e recicla materiais no desenvolvimento de sua produção”, explica Rozenilda.
Centros culturais, museus e exposições artesanais foram visitados. Entre os materiais que puderam ser aproveitados estavam latas de alumínio, garrafas PET, papel, potes de vidro, entre outros. Os alunos se transformaram, então em agentes multiplicadores da ideia.
Como o projeto discute questões sociais e ambientais, professores das áreas de geografia, ciências, arte, história e português contribuem para que possamos analisar com mais clareza os benefícios que o projeto pode trazer. Uma parceria com o Sindicato dos Artesãos da cidade permite à escola ambicionar a expansão da iniciativa.
Sudeste: de óleo de cozinha a sabão

Depois de usado para a fritura, o óleo vegetal de cozinha costuma estar associado a um problema ambiental. Um litro descartado pelo ralo da pia contamina 1 milhão de litros de água. Se a opção for descartar o material no lixo, ele pode impermeabilizar o solo de aterros. Por isso, encontrar alternativas para destinar o dejeto foi o desafio assumido pela professora Dulce Siano Rodrigues Oliveira, de 40 anos, do Colégio Militar de Juiz de Fora.
A vencedora da região Sudeste promoveu oficinas para transformar óleo vegetal filtrado em sabão. Com membros do Clube de Ciências da escola, foi empregada a receita da avó de uma das alunas. Depois de dar conta do resto de óleo da escola, foi iniciada uma campanha para recolher o material de casas e restaurantes da comunidade.
A partir daí, os vizinhos da escola e os pais interessados também conheceram a técnica para gerar renda. Um fôlder do clube traz informações detalhadas sobre a técnica para outras escolas interessadas. Mais do que discutir o conceito, as oficinas se tornaram difusoras de uma tecnologia social.

Sul: energia solar para cozer alimentos

O uso da energia solar para esquentar a água é caro e por isso restrito a quem pode pagar. Para a população pobre, restam outras opções, menos econômicas e não renováveis. O Colégio Estadual Adaile Maria Leite, de Maringá (PR) se mobilizou para aprender novas formas de aproveitar o calor que vem do astro rei para um uso diferente, a culinária. Muita pesquisa foi necessária para descobrir que esse tipo de aproveitamento da luz solar tem variantes simplificadas, que permitem construir um forno solar na própria escola.
O professor Edner Abelini, de 31 anos, vencedor da região Sul, foi quem comandou as atividades. Na aula de ciências, ao discutir a transformação do gás em calor para cozinhar alimentos, surgiu a idéia de que pobre não tem acesso a aquecimento solar. Foi o suficiente para iniciar a busca por alternativas. Existem inúmeras formas de aproveitamento desse tipo de energia, algumas delas certificadas pelo Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social.
Encontrar um modelo barato que usa materiais como papelão, papel alumínio, tinta a base de água e fita adesiva significava permitir às famílias dos alunos da oitava série do ensino fundamental uma alternativa econômica ao gás de botijão. O sucesso do forno depende do isolamento térmico, mas é possível alcançar temperaturas de até 95oC.
A prática vem sendo divulgada em feiras de ciência. A primeira foi na própria escola, depois na ComCiência, feira regional organizada pela Secretaria de Educação do Paraná. Várias disciplinas se envolvem na atividade, dos cálculos da economia e do estudo das transformações de energia até a discussão sobre desigualdade social, formas de reduzir a queima de combustíveis fósseis e até de educação artística, na decoração dos fornos.