Do lado de fora

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Fórum – Várias indústrias mudaram dos Estados Unidos para o México para aproveitar melhores condições, como salários mais baixos. Quais foram os setores mais afetados?
Stanley Gacek – Para ser sincero, muitas dessas mudanças teriam acontecido mesmo sem o Nafta. Mas o acordo incentivou que ocorressem. São plantas de indústrias de produtos de bens de consumo, eletrônicas, metalúrgica, autopeças. Grande parte se transferiu para o México, gerando importações e um outro tipo de maquiladoras. Os Estados Unidos aproveitam a mão-de-obra mais barata para fazer a montagem das peças no México e depois recompram. O problema é que o Nafta foi vendido como uma medida para evitar a supersaturação desse procedimentos, com o argumento de que seria possível conseguir uma forma de desenvolvimento mais sustentável com mais comércio e bens cruzando as fronteiras. Mas, na verdade, devido aos desequilíbrios, houve muitos prejuízos em alguns setores, como na agricultura do México. Lá a estrutura de produção é familiar e eles não têm escala para concorrer com os grandes grupos de agrobusiness do Canadá e dos Estados Unidos. Com isso a produção de milho mexicana (produto essencial na alimentação do país) foi arrasada.

Nas negociações da Alca como está se dando a participação dos movimentos?
Na verdade não há nenhuma instância para a inclusão das opiniões do movimento sindical ou dos trabalhadores de uma maneira sistemática. Existe um total desequilíbrio. O empresariado tem um fórum que não faz parte do aparelho governamental, mas desde o encontro dos ministros em Cartagena, em 1996, há o reconhecimento desse fórum. E os empresários estão aproveitando as informações, as consultas, o acesso ao centro da negociação, um acesso físico, logístico, que a gente não tem até agora. Não há nenhum fórum trabalhista reconhecido na negociação da Alca.

Caso o presidente Bush ou o Congresso chame a AFL-CIO e peça sugestões para a
Alca, quais seriam?
A gente entregaria a resolução que temos sobre a Alca e Justiça Global, publicada e aprovada por nossa Executiva em 2001 e que tem vários elementos. Mas poderíamos dizer também que, infelizmente, a proposta para a Alca até agora não é completa e não está sendo inclusiva, porque não tem um sistema de consulta à sociedade civil, não há consulta efetiva ao resto da sociedade, é um processo muito fechado, limitado aos ministros do comércio.

Houve uma decisão no encontro de ministros na Costa Rica, em 1998, criando um comitê da sociedade civil, mas dirigido pelos governos. Há aí uma contradição. Mas até hoje isso é só uma caixa-postal, que está recebendo várias sugestões sem nenhuma agenda de incorporação delas na negociação.

Não há também nenhum modelo de apoio e desenvolvimento sustentável para tentar diminuir as desigualdades sociais e econômicas entre os países para que o jogo da Alca seja mais justo. E existe uma disparidade assustadora em termos da renda entre vários países. Por exemplo, na Nicarágua de hoje cerca de 45% a 50% da população ganha menos de 2 dólares por dia. Com essas assimetrias como podemos falar de concorrência? Na Europa, em todo o processo de integração econômica que levou à UE, havia e ainda há grande preocupação com a dimensão social e com apoio econômico, empréstimos para países para melhorar as condições de concorrência. Para tentar levantar quem estava no piso em termos de desenvolvimento, países mais pobres como Portugal, Espanha e Grécia. Agora, na Alca, não há nada desse tipo. A gente precisaria talvez de um novo Plano Marshal para o hemisfério, de desenvolvimento sério, mas isso não está na pauta.

Atualmente há debate sobre a Alca na sociedade americana? Existe, mas o grande problema é a divulgação. Houve, fatalmente tarde, um reconhecimento de parte da nossa base sindical sobre a realidade do Nafta. O grande problema é a que a Alca está sendo levada com um processo das elites, ou seja, dos especialistas, do ministério do comércio.

Mas temos de ser mais ativos e conscientizar as nossas bases na comunidade e mostrar os efeitos que ocorreram com o Nafta, como grande esvaziamento de empregos em alguns setores. Estimamos, por exemplo, que entre 300 mil e 500 mil foram perdidos no setor automobilístico e metalúrgico nos Estados Unidos no processo do Nafta. Empregos que aumentaram um pouquinho no México e Canadá, mas não de maneira equivalente. Além de efeitos dramáticos como o que aconteceu com a agricultura do México.

O grande medo dos trabalhadores brasileiros hoje é a Alca destruir a indústria nacional, pela dificuldade de condições para concorrer com os Estados Unidos, Canadá ou mesmo o México.

Qual a possibilidade de isso acontecer? Se não houver a revisão de mecanismos do Nafta, como o Capítulo 11, há grande perigo. Mas levando em conta a correlação de forças com o novo governo, sua política social e também o tamanho e a capacidade do Brasil, o país tem condições de não ceder totalmente a esse tipo de política. E os Estados Unidos não podem fazer a Alca sem o Brasil. Mesmo com todas suas desigualdades, o Brasil não é só um país-continente, tem base industrial bem substantiva e é uma grande economia do mundo. Vai ser muito mais difícil para os Estados Unidos fazerem a política de rolo compressor. Há perigo, mas tudo vai ser feito através de um processo de negociação.