Dois meses de Vaza Jato: o que se sabe até aqui

Depois de cerca de 40 reportagens, é notório que a Vaza Jato sacudiu o sistema político brasileiro e colocou na corda-bamba o juiz considerado por muitos até então como herói nacional, Sérgio Moro, e seu fiel escudeiro, o procurador Deltan Dallagnol

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A Vaza Jato completa nesta sexta-feira (9) dois meses de reportagens. Desde as três primeiras, publicadas pelo The Intercept Brasil em 9 de junho, a Fórum esteve comprometida em reportar os escândalos expostos nas mensagens trocadas entre procuradores do MPF de Curitiba e o ex-juiz federal Sérgio Moro, destacando tanto os pontos principais das reportagens produzidas pelo Intercept  e seus parceiros (FolhaVejaEl PaísUol e Reinaldo Azevedo) quanto o que aparecia nos chats sem grande destaque. Inscreva-se no nosso Canal do YouTube, ative o sininho e passe a assistir ao nosso conteúdo exclusivo Depois de cerca de 40 reportagens, é notório que a Vaza Jato sacudiu o sistema político brasileiro e colocou na corda-bamba o juiz considerado por muitos até então como herói nacional, Sérgio Moro, e seu fiel escudeiro, o procurador Deltan Dallagnol. As ilegalidades, ameaças e manobras realizadas pela dupla hoje já atrai a atenção do Supremo Tribunal Federal, que pode começar a agir nos próximos dias. As últimas reportagens, que mostraram uma obsessão de Dallagnol em colocar a queda de um ministro do STF como "marco" da Lava Jato, após orquestrar uma prisão sem provas contra o ex-presidente Lula, fizeram os ministros da Corte abrirem de vez os olhos para a trama e a se movimentarem. Gilmar Mendes, alvo preferido de Dallagnol, declarou nesta quinta-feira que Deltan e Moro não tem mais condição de seguirem nos cargos. "Afastados ou não, eles já não têm mais condições de exercer suas funções, porque se forem tomar qualquer ação, já estarão com a onda de suspeita. O triste é que se organiza uma força-tarefa para combater o crime e ela começa a praticar o crime”, disse Gilmar.

Vazamentos mais recentes

Nos últimos dias foi revelado que procuradores da Lava Jato comemoraram a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e que passaram a sonhar mais alto com o impeachment de Gilmar Mendes, articulado por Deltan Dallagnol. Ele montou uma estratégia de investigação ilegal - vedada a procuradores de primeira instância - para tentar derrubar o ministro, mas também “sonhava”, segundo o próprio, em ver Dias Toffoli fora da corteDallagnol foi alertado por outros procuradores da ilegalidade dos seus atos, mas fez pouco caso. Além disso, foi revelado que corregedor do MP deixou de abrir processo contra Dallagnol, por conta de palestras, devido a uma "consideração" que tinha por ele e pelo procurador Januário Paludo, que dá nome aos grupos dos procuradores. Dallagnol também comandou investigação ilegal contra o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e a esposa dele, Roberta Rangel, para retaliar decisões do ministro contrárias aos interesses da Lava Jato. Moro também foi alvo de divulgações mais recentes. As conversas expuseram que o ex-juiz federal omitiu palestra e valor recebido em evento no Rio Grande do Sul, contrariando resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Cronologia da Vaza Jato

Junho: Lula, FHC, Folha e MBL

Cerca de de 40 reportagens da série já foram publicadas no The Intercept Brasil, na Revista Veja, na Folha de S. Paulo, no El País, no Uol e na coluna de Reinaldo Azevedona BandNews e no UOL. A Fórum buscou reproduzir os pontos destacados por esses veículos, mas também, com base trechos disponibilizados, avançar por outros caminhos. As três primeiras matérias vieram em 9 de junho, com o Intercept, e mostraram que força-tarefa da Lava Jato atuou com o objetivo de impedir vitória eleitoral de Fernando Haddad e antecipar prisão de Lula. Além da busca por de impedir entrevista de Lula, já preso, Moro aparece orientando Dallagnol e acordado vazamento de áudio de Lula e Dilma com o procurador. No dia 13, nos trechos completos das primeiras mensagens foram revelados e o BuzzFeed News publicou reportagem mostrando relação do que estava escrito nas mensagens com despachos feitos por procuradores. No dia seguinte, nova divulgação do The Intercept Brasil mostrava que Moro mandou procuradores atacarem defesa de Lula após depoimento de caso triplex, procuradores combinaram de usar Marisa para atacar Lula e MPF monitorava imprensa e Twitter para saber como atuar. Trechos envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foram divulgados no dia 14, data do aniversário dele, mostrando que Moro buscou blindar FHC na Lava Jato pois “apoio” do tucano seria “importante” e que o Instituto FHC seria investigado apenas para passar sensação de apartidarismo da Lava Jato. Com a Vaza Jato ganhando os noticiários, o ex-juiz federal foi ao Senado no dia 19 de junho comentar sobre as revelações e, em uma declaração, afirmou que "em nenhum momento no texto, há alguma solicitação de substituição" da procuradora Laura Tessler. No dia 20 de junho o colunista Reinaldo Azevedo publica seu primeiro vazamento e mostra que Moro mandou e o MPF excluiu Tessler. No dia 23 de junho, foi a vez da Folha de S. Paulo publicar conversas da Vaza Jato após comprovar a autenticidade do material. Nas mensagens, Moro chama o MBL de “tontos” por manifestação, o MPF aparece tentando blindar Moro de Teori Zavascki e o ex-juiz federal aparece repreendendo procuradores por "lambança". Em 28 de junho, em novas mensagens procuradores da Lava Jato demonstram não confiavam em Moro e apontam parcialidadeDallagnol se dizia “preocupado” com ida de Moro para ministério de Bolsonaro. Além disso, Dallagnol conversa com colegas do MPF sobre possibilidade de acelerar ação contra Jaques Wagner para impactar na eleição de 2018. Colocadas em dúvida por bolsonaristas, essas mensagens foram confirmadas por um procurador ao Correio Braziliense.

Julho: Veja, Faustão, Venezuela, palestras de Deltan, Barroso e Flávio Bolsonaro

Pivô da prisão de Lula, Léo Pinheiro também aparece nas conversas.As mensagens mostram que ele precisou mudar versão duas vezes para incriminar Lula. O protocolamento da denúncia contra o ex-presidente, inclusive, foi comemorada no chat da dupla, como mostrou a Veja em sua primeira reportagem inédita sobre o material, em 5 de julho. Foi a partir da Veja, inclusive, que o apresentador Fausto Silva, o Faustão, comprovou a autenticidade de conversas, afinal, ele aparecia dando dicas à Lava Jato de como ser "mais povão". Os diálogoa também revelaram que Moro mentiu para Teori Zavascki para manter processos, como os de Lula, em Curitiba e que ele barrou delação de Eduardo Cunha. A atuação suja da operação rompeu fronteiras e foi seletiva até mesmo na Venezuela. Moro determinou que Lava Jato vazasse dados sigilosos sobre a Venezuela. Dallagnol promoveu a divulgação mesmo sabendo que era ilegal. Em 9 de julho, um mês depois da primeira reportagem, vaza o primeiro áudio. Na gravação, Deltan comemora proibição da entrevista de Lula à Folha. Essa mensagem de áudio foi periciada por instituto renomado e a autoria foi confirmada. O foco então se recaiu sobre ele e novas conversas apontavam que ele buscava lucrar cerca de R$ 400 mil ao se aproveitar da fama da Lava Jato aco criar empresa em que colocaria a mulher como laranja. Ele ainda aparece incentivando Moro a subir valor cobrado pelo então juiz por palestra. Para convencer Moro a se jogar no ramo das palestras, ele também cita viagem ao Ceará com tudo pago para ele e para a família, com direito à acesso ao Beach Park e mais R$ 30 mil na conta. Ele ainda festejou por não ter sofrido punição de Conselhos do MP e da Justiça por palestras. É a partir do procurador, também, que aparece o ministro Luís Roberto Barroso, que marcou coquetel com Moro e Dallagnol em “máxima discrição” para debater sobre a Lava Jato. O jornalista Reinaldo Azevedo, quem divulgou a relação, destacou que a parceria mostrava “a estratégia de um sedutor”. Dallagnol também aparece como mentor, junto de Sérgio Moro, de uma estratégia de uso de dinheiro da 13ª Vara para a elaboração de filme publicitário a ser veiculado na Rede Globo, o que é ilegal. Ele queria fazer um "filme de terror contra a corrupção". Além disso, ele teria acertado com Moro uma reunião secreta para definir os próximos passos da operação. Apesar da parceria, quando Moro aceitou a vaga de ministro da Justiça, Deltan insinou que, a partir dali, o aliado ia começar a proteger Flávio Bolsonaro para manter boa relação com Jair Bolsonaro e ser indicado ao STF. No entanto, como mostram as conversas, ele também não queria saber de Flávio, o foco dele era o PT e chegou a recusar entrevista ao Fantástico, da TV Globo, para não ter que comentar sobre o filho do presidente. O coordenador da Lava Jato ainda recebeu dinheiro de empresa delatada e prometeu fez lobby para entregar todo banco de dados da Lava Jato para empresa. Ele ainda fez reuniões com banqueiros de forma clandestina durante o período eleitoral, a partir da XP Investimentos, que pagou pela palestra e garantiu a hotel e motorista particular. Julho terminou com reportagem da Folha mostrando que Moro divulgou delação de Palocci para uso contra o PT nas eleições de 2018 e que ele não estava seguro da veracidade da denúncia. Nas mensagens, o procurador Paulo Roberto Galvão disse que “Russo [Sérgio Moro] comentou que embora seja difícil provar ele é o único que quebrou a omerta petista”. A divulgação da delação de Palocci por Moro ajudou Bolsonaro nas eleições 2018.

Agosto: El Pais, UOL, STF e Palestras de Moro

Como já citado acima, agosto começou com os olhares voltados para o STF após conversas exporem uma saga conduzida por Deltan contra os ministros do Supremo como forma de intimidação e também como uma espécie de "marco". A derrubada de um ministro do STF era o "sonho" de Dallagnol. Nesse mês, o El País e o portal Uol se juntaram ao grupo de veículos que passaram a publicar conteúdo inédito com base nas conversas.

Hacker de Araraquara

Em meio à trama da divulgação de conversas vazadas, a Polícia Federal prendeu um grupo de supostos hackers que teriam invadido celulares de vários procuradores, dos ministros Sérgio Moro e Paulo Guedes, além de deputados da base do governo e do presidente Jair Bolsonaro. O material supostamente obtido por eles foi solicitado pelo STF para análise. Os ministros afirmam que a obtenção ilegal não descarta os crimes cometidos que podem estar ali expostos.