Dois meses depois do golpe, resistência em Honduras aumenta

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O golpe militar articulado pelas oligarquias nacionais hondurenhas fez com que o povo hondurenho se conscientizasse da luta de classes que existe em seu país. Este é o ponto de vista do líder da resistência pacífica ao golpe em Honduras, Gilberto Rios, que desde o início do golpe tem articulado manifestações pacíficas em todo o país e, em visita ao Brasil nesta semana, concedeu entrevista exclusiva à Fórum sobre o golpe.

Apesar de o presidente deposto Manuel Zelaya ter chegado a incitar o povo hondurenho a pegar nas armas para derrubar o governo militar, a resistência popular no país tem sido pacífica. Todos os dias, multidões saem de suas casas e unem-se nas ruas para manifestar contra o golpe, num movimento que, de acordo com Rios, não para de crescer. “Hoje geralmente tem 100 mil pessoas na rua, às vezes chega a meio milhão”, conta.

A mobilização, segundo Rios, não aumentou somente quantitativamente, mas também qualitativamente. “Antes da consulta (que foi o argumento dos militares para derrubar Zelaya), falava-se em aprofundar a democracia. Agora, fala-se em um governo sem oligarcas, fala-se da luta de classes”, aponta o militante. Brincando, ele diz que o golpe “ajudou a mobilização” do povo hondurenho.

Confira a íntegra da entrevista de Gilberto Ríos à Fórum abaixo.

Fórum - Depois de quase dois meses do golpe em Honduras, como está a resistência do povo? Quais são os grupos sociais envolvidos?
Gilberto Ríos - Depois de 52 dias, quase dois meses de resistência, temos mais pessoas nas ruas, indo contra as previsões de que iria diminuir. Os trabalhadores principalmente, mas há muitos estudantes e também professores universitários, do primário e secundário, que se incorporaram ao movimento das ruas. Mas, em nível nacional, é bastante diversa e ampla a participação que há. Na zona ocidental, por exemplo, há muita participação indígena. Na região onde o presidente estava há muitos aldeões, aos quais também se juntaram desempregados e pessoas que trabalhavam diretamente com o presidente. Há o partido liberal, toda a esquerda está nas ruas, todos os movimentos sociais suspenderam seus trabalhos e agora estão dedicados somente ao protesto contra o golpe. Ao contrário do que esperávamos, o povo respondeu muito mais e cada vez vemos mais pessoas na luta. Hoje, geralmente um protesto tem 400 mil pessoas na rua, às vezes chega a meio milhão.

Fórum – Como estão as condições do povo, agora depois do golpe?
Ríos – No momento não faltam suprimentos de alimentação, nem há nenhum problema com os serviços básicos. O que existe é uma forte censura de todos os meios de comunicação. Só se transmite a voz do Estado. É mais provável que os estrangeiros entendam mais do que está acontecendo em Honduras do que os próprios hondurenhos. A manifestação midiática está alegre com a morte de civis, como no franquismo. A origem do golpe no fascismo é evidente. Na década de 1940, (Roberto) Micheletti foi à Itália para se juntar numa coluna de Mussolini. Mas hoje a população não está em condições mais precárias do que as que já vivia: pessoas com fome, que não têm sapatos e caminham todo dia nas ruas. Nós estamos buscando estratégias para hidratar as pessoas, para nutri-las melhor e vitaminar a luta.

Fórum – A embaixada dos EUA já afirmou que pode ofertar armas à população caso ela queira se envolver no conflito armado. Por que a resistência se mantém pela via pacífica?
Ríos – Para a indústria estadunidense não lhe serve a resistência pacífica. Só lhe interessa se houver demanda de armas e que haja conflito armado, porque isso contribuiria com a economia do país, que ultimamente não anda muito bem. Além do que, é uma boa retaguarda para a ofensiva que os Estados Unidos planejam contra a Venezuela. Para se ter uma idéia, Honduras corresponde a 0,3% da economia dos Estados Unidos, e eles representam para nós 80% de nossas exportações. Como se diz, o país que compra, manda, e o país que vende, serve.

Fórum – Você acredita então que os Estados Unidos já sabiam do golpe e participaram dele?
Ríos – Claro. Até a ultra-direita norte-americana disse que quem apoia e está se encarregando do golpe é a CIA. Precisamos lembrar que ainda enfrentamos uma escalada militar no Oriente Médio, que a própria população norte-americana não aprova. Então se precisava de um novo espetáculo militar. Os Estados Unidos precisam de uma guerra em Honduras para intervir militarmente. Por isso continuamos mantendo a resistência pacífica. Em algum momento teremos que usar armas, mas em um momento específico.

Fórum – Qual é sua avaliação do governo Zelaya? Havia uma caminhada em direção ao socialismo? Agora a alternativa é somente socialista?
Ríos – Havia um processo de reforma capitalista importante, porque em Honduras a oligarquia tinha muito controle da economia e uma dominação tremendamente ideológica sobre a população. A oligarquia hondurenha concentra 90% da renda em torno de dez famílias. Houve três vias pelas quais se deu a acumulação de capital da oligarquia hondurenha: a primeira foi pelo roubo direto do Estado; a segunda foi pela superexploração; e a terceira foi pelo narcotráfico. Antes da consulta, se falava em aprofundar a democracia. Agora, fala-se em um governo sem oligarcas, fala-se da luta de classes. Antes, as pessoas acreditavam na democracia, e o golpe introduziu nas pessoas a consciência de classe.

Fórum – Então a consciência política do povo aumentou com a mobilização pós-golpe?
Ríos – Sim. Pode-se dizer que, em porcentagem, as pessoas que participavam da resistência ao golpe e manifestavam-se nas ruas era muito baixo. Agora, a maioria das pessoas tem participado do debate político e está a favor das forças sociais mais importantes. Pode-se dizer que o golpe, do ponto de vista da esquerda, contribuiu enormemente para a incorporação de pessoas à luta.

Fórum – Como está a ajuda internacional para o país? A maioria apoia o golpe ou a resistência?
Ríos – Há dois tipos de ajuda internacional: a oficial, através do governo, que agora está paralisado porque nenhum governo do mundo reconhece o governo de Micheletti; e o apoio internacional à resistência. Basicamente o apoio à resistência é moral, e isso anima muito os hondurenhos a continuar nas ruas porque entendem que a luta exemplifica o que deve ser a luta popular contra ações como a que foi tomada pela oligarquia.

Revista Fórum – Houve participação da Igreja no golpe?
Ríos – Toda a Igreja Católica apoiou o golpe e a igreja evangélica também. São da igreja evangélica os mais ligados à classe dominante. O representante máximo da Igreja Católica, o Cárdena, só ele tem uma fortuna de US$ 40 milhões. Ele é “a” oligarquia de Honduras.