É obrigação de universidades se interessar por tecnologia social

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As tecnologias sociais são diferentes das convencionais porque envolvem também a busca por bem estar coletivo do grupo social que a utiliza, assim como de toda as pessoas, de hoje e das futuras gerações. Quem explica é o professor Francisco Mazzeu, diretor-executivo da Rede Unitrabalho.

Por isso, ele defende, nesta entrevista, que as universidades tanto públicas quanto privadas, manifestem o mesmo interesse em desenvolver tecnologias sociais quanto o fazem para as convencionais. Isso porque, na visão dele, todas recebem recursos públicos, seja diretamente, seja por meio de incentivos fiscais.

Ele cobra ainda apoio das instituições de fomento à pesquisa e lembra que é necessário que a comunidade participe tanto da produção da tecnologia social quanto de sua difusão.

Confira a íntegra:


Fórum – Quando se pensa em tecnologia de modo geral, a idéia que vêm à cabeça da maior parte das pessoas é alguma coisa relacionada a computadores e eletrônicos. Qual a diferença entre essa idéia e a de tecnologias sociais?
Francisco Mazzeu –
Em linhas gerais, a tecnologia tradicional consiste na aplicação de conhecimentos científicos para gerar aumento da produção ou da produtividade. Essa tecnologia é desenvolvida ou absorvida por grandes empresas que possuem os recursos financeiros necessários para cobrir os custos desse desenvolvimento, que são altos. O cidadão comum tem contato com ela geralmente por meio do consumo dos produtos nos quais ela está “embutida”, como aparelhos eletrônicos, automóveis, por exemplo. Porém, aqueles que utilizam esses aparelhos não dominam essa tecnologia e não tem participação em seu desenvolvimento. Além disso, as conseqüências sociais e ambientais da produção e utilização de tais tecnologias raramente constituem objeto de preocupação tanto por parte dos que as desenvolvem, que saber mais do lucro, quanto dos que as consomem, interessados em seu conforto e bem estar pessoal.
No caso das tecnologias sociais, embora elas também possam estar inseridas em produtos e processos, seu desenvolvimento não visa somente aumentar o lucro, embora não exclua essa dimensão. Procura-se também gerar o bem estar coletivo do grupo social que irá utilizá-la, da sociedade como um todo e das futuras gerações. Daí o motivo pelo qual a participação desses grupos no próprio processo de produção e difusão dessas tecnologias é fundamental, promovendo a valorização e incorporação do conhecimento prático que já possuem e resultando em soluções adaptadas às necessidades concretas do contexto em que vivem.

Fórum – Como surgiu esse conceito? Ele é aplicado em outros países?
Mazzeu –
O conceito tem um dos precedentes no que se chamou de Tecnologia Apropriada (TA), cuja origem é situada por Renato Dagnino [professor de Política Científica e Tecnológica da Unicamp] na Índia do final do século XIX, sob a inspiração de [Mahatma] Gandhi. O conceito, com diferentes denominações, tem sido aplicado em vários países, tanto nos considerados desenvolvidos, como a Inglaterra, como nos mais pobres da África.

Fórum – Qual é o papel da universidade, especialmente as públicas, no fomento a tecnologias sociais?
Mazzeu –
As universidades possuem um papel estratégico. Pode-se dizer que é quase uma obrigação que elas se interessarem pela produção e difusão de tecnologias sociais, na medida em que a formação e manutenção de seus quadros e infra-estrutura ocorrem com recursos de toda a sociedade tanto no caso das públicas – que recebem repasses diretos – quanto da privadas, que geralmente recebem incentivos fiscais. Seria fundamental que um grande número de pesquisadores que desenvolvem tecnologias tradicionais também se voltasse às tecnologias sociais. Os próprios órgãos de fomento à pesquisa como CNPq, FINEPCAPES etc. poderiam valorizar e apoiar a produção dessas tecnologias com a mesma ênfase dada às chamadas “de ponta”, quer dizer, a nanotecnologia, a biotecnologia, etc.

Fórum – O senhor poderia citar exemplos de aplicação bem-sucedida de tecnologias sociais em locais diferentes?
Mazzeu –
Um exemplo interessante é a tecnologia social de Incubação de Empreendimentos Solidários em Cadeias Produtivas, desenvolvida em parceria pela Rede Unitrabalho, Fundação Banco do Brasil e Sebrae, que vem sendo aplicada com sucesso junto aos catadores de material reciclável do Distrito Federal, de São Paulo, do Paraná; produtores de mel e caju do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte; produtores de mandioca da Bahia e outros grupos sociais.